Por viverem em uma eterna corda bamba, os técnicos brasileiros sabem que podem cair durante o Campeonato Brasileiro. Eles só não sabem quando. O primeiro, após apenas duas rodadas, foi o pentacampeão Luiz Felipe Scolari, que, desgastado e sem conquistar títulos, entregou o cargo no Grêmio a pouco menos de dois meses do aniversário de um ano da goleada de 7 a 1 da Alemanha sobre o Brasil na Copa do Mundo de 2014. O novo técnico nem assumiu, mas já virou mais um exemplo de como o improviso vence de goleada o planejamento nos clubes brasileiros.
Levantamento realizado pela empresa Estratégia & Consultoria traz à tona números esclarecedores de um ciclo vicioso, que ganha novas dimensões a cada temporada. Para endossar a pesquisa, a empresa recorreu aos índices publicados no diário "El Economista", do México, que dividiu o total de treinadores em rodízio pelo número de clubes. Em média, de 2002 a 2014, os técnicos de clubes brasileiros permaneceram 15 jogos até a demissão, número que não abrange sequer um campeonato inteiro. Na Alemanha, o número sobe para 54 durante quase duas temporadas, enquanto salta para 79 partidas na Inglaterra, em mais de duas temporadas de permanência.
- Isso é falta de planejamento. O torcedor não tem ideia do que acontece nos bastidores, de como é feito. É uma decisão tomada na base da paixão, porque os resultados não aparecem, e o presidente começa a sofrer pressão para trocar o comando. Ou pressiona o treinador a pedir demissão - declarou Jackson Vasconcelos, consultor da Estratégia & Consultoria e ex-dirigente do Fluminense.
O pedido de demissão de Felipão foi aceito pela diretoria do Grêmio porque era o desejo do clube, como admitiu o presidente Romildo Bolzan Jr. Há quase um ano, em 8 de julho de 2014, Felipão sofria o golpe mais duro de sua carreira na goleada para a Alemanha. Após o vexame, voltou ao clube que o consagrou. Não ficou 300 dias no Grêmio, onde teve 58,64% de aproveitamento, com 27 vitórias, 13 derrotas e 14 empates em 54 jogos. O movimento na possível contratação de Cristóvão Borges, sem clube desde a sua demissão do Fluminense, em março, foi rápido, mas, na opinião de Vasconcelos, pode ser equivocado.
- Quando um dirigente vai ao mercado durante uma competição, ele pega um técnico que já foi demitido de outro clube e que está sem emprego. Não há uma definição de perfil, no qual se busca o profissional mais adequado para o time. Há o famoso jeitinho. Na Europa, há mais planejamento e estabelecimento de metas. Aqui, só contratam sem planejar, na emergência. Atacam o sintoma, não a doença - diz o consultor.
De 2002 até outubro de 2014, quase todo o período da era dos pontos corridos no Brasileiro, o Fluminense havia trocado de técnico 41 vezes, de acordo com o levantamento feito pelo diário mexicano. No mundo, entre os dez clubes que mais demitiram no período, incluindo o tricolor, sete são brasileiros: Náutico (39 vezes), Flamengo, (38), Vitória (37), Atlético-PR (35), Sport (33) e Grêmio (26).
Só em 2010, houve 31 mudanças de técnicos no Brasileiro, recorde mundial em um campeonato. Em 2014, foram 18 trocas de técnicos em 18 rodadas. E o ano terminou com 23 alterações. Em 2013, foram 24; 20 em 2012; e, em 2011, 22 trocas.
Ao relatar o amadorismo recorrente durante o processo de demissões de treinadores, Jackson revela um episódio testemunhado por ele enquanto dirigente do Fluminense, em 2013. Segundo o consultor, Abel Braga estava na iminência de ser demitido. Mesmo assim, o clube contratou o atacante Marcelinho, que teria ido para as Laranjeiras a pedido de Abel.
- Questionei a contratação, mas disseram que ele teria que vir justamente para o Abel não perceber nada. O Marcelinho chegou em 23 de julho de 2013. Abel foi demitido em 29 de julho. Marcelinho se machucou em um dos seus primeiros treinos - lembrou Jackson.
Para justificar a saída, Felipão disse, entre outros motivos, que ficou em débito ao perder o Campeonato Gaúcho para o Internacional. Prova de que o planejamento sucumbiu à paixão e ao campeonato regional, polarizado, sem grande competitividade, e que não poderia servir de parâmetro para o Brasileiro.
- Achei que, em débito, eu deveria pôr o meu cargo à disposição do clube - justificou Felipão.
Números
79 partidas
Média de permanência de um técnico na Inglaterra de 2002 a 2014.
54 partidas
Na Alemanha, a média de permanência cai no período.
15 partidas
É a média de permanência de um treinador no Brasil de 2002 a 2014.