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Leo Moura se despede do Flamengo e diz que ainda vai voltar a Gávea

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Ag Globo , RJ | 01/03/2015 às 13:59
Leo Moura dez anos como titular do Flamengo
Foto: DIV
O andarilho repousou no Flamengo. Já passara por todos os rivais do Rio, pelo futebol paulista, por Bélgica e Holanda. Ficou dez anos no rubro-negro e realizou sonhos de torcedor: ganhou títulos, virou ídolo e até ficou amigo de Zico, herói da infância. Léo Moura, aos 36 anos, é o jogador que as gerações atuais mais viram em campo pelo Flamengo. Agora, vai para o Fort Lauderdale Strikers, dos Estados Unidos. Nesta entrevista ao GLOBO, admite saber que não era mais unanimidade no Flamengo, faz mistério quanto ao texto que publicou na internet sobre um certo “ingrato” e elege os momentos mais marcantes e mais dolorosos no clube.

Como vai ser acordar e, após dez anos, não ser mais do Flamengo?

A ficha ainda não caiu, não. Não pensei nisso. Estou querendo viver os últimos dias de jogador do Flamengo e aproveitar como puder. Mas eu ainda volto, como jogador. Quero que o último jogo da carreira seja aqui. Pode ser um jogo só. Não sei se vai acontecer. Mas, se depender de mim, quero um jogo de despedida da carreira com a camisa do Flamengo.
Você dizia que queria jogar pelo Flamengo até o final. Está sendo diferente do que imaginou?

Vou ser sincero. Eu tinha o pensamento, uma vontade de jogar nos Estados Unidos um dia. E vinha trabalhando isso há algum tempo, com contatos. Mas não esperava que fosse tão rápido. Vou me dando conta de que vou vestir outra camisa, jogar numa posição que é minha de origem, o meio-campo. Vou para lá ser um meia. Tudo isso me deu outra vida.

Você achou que o Flamengo queria menos do que você a continuidade?

No início, sim. Achei até que eu poderia estar forçando uma situação, botando o clube em situação difícil, sem que eu fosse unanimidade entre eles. E eu sei que não era unanimidade mesmo. Mas também sei o que eu fiz pelo clube, o legado que deixei, os títulos. Veio a renovação e, lógico, não foi como eu queria (ele queria por um ano, e o clube renovou apenas até o fim do Estadual). Mas logo depois se abriu essa porta. Não queria forçar algo que não fosse a vontade do clube.

E Vanderlei Luxemburgo? No que dependesse dele, você continuaria?

Não sei. É uma parte que nem quero comentar muito. Ele é o treinador, é quem pode decidir.
Aquela polêmica publicação sua na internet, em que falava sobre “o ingrato”, era endereçada a quem?
No momento certo eu vou falar disso, vou ter que falar. Era uma coisa que eu esperava de uma pessoa, e não aconteceu.

Mas é uma pessoa do clube?

É relacionado ao futebol. Mas passou.

O que o fez estacionar no Flamengo e ficar dez anos?

Sempre sonhei jogar aqui. Então, em 2005, quando eu vim, quis fazer história. Acompanhei Zico, Bebeto e tantos outros. Era torcedor, queria fazer história também. E fui construindo ano a ano. Foi uma trajetória vitoriosa. Só faltaram a Libertadores e o Mundial. Quando a gente foi eliminado pelo América do México (na Libertadores de 2008), foi uma decepção que, se pudesse passar a borracha... É a lembrança mais amarga.

Qual a história por trás da famosa foto sua com Zico no Maracanã?

Eu sempre entrava de mascote. Com 9 anos, já conhecia o Pinheiro, que ainda é chefe da segurança do Flamengo. Ele me ajudava, junto com meu padrinho, que é fotógrafo. Todo jogo no Rio eu ia com meu pai e ficava perturbando o Pinheiro. Aproveitei que o Zico estava dando entrevista e consegui a foto. Só de imaginar que um dia ia jogar no Flamengo por dez anos, ficar amigo do Zico...

A longevidade é rara no Brasil...

Eu não queria vincular minha imagem a outro clube brasileiro. Não é desmerecer. Mas é uma história de dez anos. Quando veio a chance nos Estados Unidos, meu coração ficou em paz. Não tira a identificação com o Flamengo para o resto da vida.

Qual seu lugar na história do clube?

Não gosto de falar. Acho que tenho algum. Fiz por merecer, mas devo gratidão ao Flamengo. Um amigo disse: daqui a algum tempo vai ter gente falando “fui na despedida do Léo Moura”, como tem gente que fala “fui na do Zico”. Sei que estou no coração de muitos torcedores.

O pior momento foi 2005?

Parecia sem saída. De todos os anos em que o time brigou para não cair, não teve igual. Nunca vi um time suportar tanta pressão. Peguei o Flamengo na primeira e estou entregando na primeira, dever cumprido, o pior não aconteceu na minha era. Não quero que aconteça nunca.

Em 2006, o título da Copa do Brasil tirou um peso das costas?

Foi meu primeiro título da carreira. E logo em cima do maior rival (o Vasco). Depois, só em 2010 e 2012 não levantamos taça. Uma trajetória de campeão. O Brasileiro de 2009 representou muito, veio após 17 anos. Mas meu grande momento foi 2006.

Qual o seu jogo inesquecível?

São tantos... Teve um contra o Universidad Catolica (Libertadores de 2010). Fiz um gol de falta com o Zico presente. Teve o primeiro jogo da final de 2006, em que dei o passe para o Luizão...

E os gols favoritos?

Um de 2008, de fora da área, contra o Náutico; e 
m 2013 contra o Botafogo. Era semifinal da Copa do Brasil, meu aniversário, o Maracanã inteiro cantou parabéns.

E o melhor jogador com quem você jogou no clube?

Alguns vão ficar com ciúmes... Adriano, Emerson, Vágner Love, Renato, Juan, Petkovic, enfim, jogadores excepcionais.
E seu melhor técnico no Flamengo?

Joel Santana. Foi um cara que criou mais afinidade. Uma coisa de pai para filho.

Tem algum arrependimento?

Nada. Na verdade, tem uma coisa: minha reação após o gol contra o Náutico, em 2009. Eu xinguei (na direção da torcida). Não faria de novo, mas foi a cabeça quente do jogo. Pouca gente lembra, porque sabe o que sinto pela torcida. Eu me vejo como parte da torcida do Flamengo. Este clube é um sentimento de amor, paixão. Uma coisa verdadeira. Eu sempre fui assim e vou continuar.

Ficar muito tempo num clube também impõe dificuldades?

A cobrança vem nos que estão há mais tempo. Mas eu trouxe isso para mim. Foi bom ter a responsabilidade num clube tão grande. Porque eu venci o desafio. Botei a cara para defender o clube e não me arrependo. Se você jogou no Flamengo, joga em qualquer lugar. É uma escola de vida.

Como você avalia seu nível atual?

Sempre fui regular. Em 2007, 2008, por ser mais jovem, posso ter tido fases melhores. Era mais veloz. Hoje sou experiente, leio melhor o jogo. Chega uma hora em que você não recupera o suficiente para jogar em alto nível quarta e domingo.

Você teria problema em ficar no clube como reserva?
Nunca tive problema de vaidade. Até achava importante revezar se eu ficasse.
Você pensa na vida pós-futebol?
Penso. Até posso estar próximo ao futebol, mas não quero ser treinador. Zero. Não quero ter que aturar Léo Moura, Vágner Love, Renato Augusto (risos), ficar concentrado. Agora, ser comentarista, pro exemplo, me enche os olhos.
O moicano surgiu no Flamengo. Vai continuar agora que está saindo?
Vai, é uma marca. Claro que, daqui a alguns anos, a idade não vai permitir. Surgiu por causa do Beckham, na Copa de 2006. A moda pegou e ficou.
O que diria à torcida do Flamengo?
Amor eterno. É o que sinto por eles. Só queria que, a partir do momento em que eu não pertencesse mais ao Flamengo, eles continuassem torcendo por mim, para eu ter sucesso lá fora. Não vou segurar o choro quarta-feira. Tenho certeza.