A atual intervenção no Bahia começou em 2011 e não, como disse um dos beócios à frente do Tricolor, por causa de goleadas para o Vitória (5 X 1 e 7 X 3), em 2013.
Nestor Mendes Jr , Salvador |
03/08/2013 às 20:12
A Nação Tricolor
Foto: DIV
Quando leio as palavras do advogado do presidente afastado do Bahia (porque não foi legalmente eleito e nem o Conselho que o elegeu), Antônio Carlos de Almeida Castro, o "Kakay", de que um ex-conselheiro e sócio – o brioso Jorge Maia, que está na luta contra a opressão no Bahia há mais de duas décadas – não pode cassar uma diretoria, entendo que o causídico está cumprindo uma obrigação profissional, ao mesmo tempo em que desconhece totalmente a história do Esporte Clube Bahia e de quanto tudo no clube é ilegal, e imoral, há anos.
A intervenção, Doutor Kakay, não é porque uma pessoa chiou. É por que as eleições no Bahia são ilegais desde a década de 1980, quando duas famílias – Maracajá e Guimarães – se apossaram do clube. Sócios que não são sócios, conselheiros que não são sócios, fraudes, intimidação, falta de transparência, negociatas, transações escusas, desrespeito ao torcedor, à sociedade, à Justiça.
Participamos das eleições de 2005 e 2008, com o engenheiro Fernando Jorge Carneiro como candidato a presidente, sem ter direito a sequer ver a lista de sócios. Em 2008, precisamos recorrer à Justiça para ter acesso a essa relação, não obtendo êxito. Não participamos das eleições de 2011 porque continuavam as mesmas limitações ao nosso direito, básico, de saber quem podia votar ou ser votado.
O ministro dos Transportes e ex-governador da Bahia, César Borges, apesar de ter integrado o Conselho, disse que não era conselheiro porque nunca se candidatou a tal cargo.
O jornalista Samuel Celestino, ex-presidente da ABI, recusou publicamente o título através da coluna política que publica em A Tarde.
O deputado federal Nelson Pelegrino, do PT, também não foi eleito. “Era deputado estadual e Marcelo Guimarães (então deputado) dizia que Maracajá me vetava, alegando que eu era ‘vermelho demais’. Eleito deputado federal, cobrei. Ele disse: ´Papá’, agora quem manda sou eu. Não tem mais veto, não. Vou tirar a minha empregada e boto você”, conta o próprio Pelegrino.
O economista Reub Celestino diz que foi agraciado com o título de conselheiro sem sequer, à época, ser sócio do Bahia.
E lendo com mais atenção a petição inicial do advogado Pedro Barachísio Lisboa, o Doutor Kakay vai encontrar, com certeza, mais do que a reclamação de um só.
Motivos não faltam para comemorar a intervenção decretada no clube pelo juiz Paulo Albiani e comandada pelo jurista Carlos Rátis. Mas, ressalto, não é o fim do caminho. Os problemas continuam e a luta ainda não terminou, mas certamente vivemos, pela primeira vez em 24 anos, ares de liberdade e democracia no Esporte Clube Bahia.
E por que 24 anos? Tomo como referência e marco na luta contra a ditadura no Esporte Clube Bahia o Movimento de Renovação do Bahia, MRB, que nasceu em outubro de 1989 e reuniu 50 conselheiros de oposição, entre eles o grande baluarte Antonio Álvares Miranda, Virgílio Elísio da Costa Neto, Antonio Pithon e Antonio Miranda, entre outros.
“Do jeito que imprensa divulga, parece até que foi Paulo Maracajá quem construiu o Bahia sozinho e é um superpresidente capaz de tudo, quando na verdade ele está comandando toda uma infraestrutura construída com muito sacrifício desde 1931”, declarou Antonio Álvares Miranda, em entrevista ao jornalista Paulo Leandro, em A Tarde, edição de 2 de outubro de 1989.
O tempo passa, o tempo voa, só a ditadura no Bahia permanecia numa boa. Em 1993, liderado por Alberto Salvatore Filho, Eduardo Lúcio Barreto de Oliveira, Eduardo Tannus, Heraldo Guerra Jr., Walter Rene Lacerda, Aécio Pamponet Sampaio, Breno Guerra e Adalberto Tannus, nasce o movimento “Maracajá: Devolva Meu Bahia”.
Em Manifesto publicado em A Tarde, o grupo revelava a sua insatisfação com a “postura monárquica que o atual presidente vem adotando em sua gestão, afastando estrategicamente do clube nomes de notáveis tricolores que lhe pareçam possíveis concorrentes”.
Todo o processo de destruição do Bahia como associação desportiva começa aí. Alçado a uma cadeira no Tribunal de Contas dos Municípios, o cartola, que era saudado pelos radialistas jabazistas com o adulado título de “Eterno Presidente”, continuava a despachar no Fazendão, embora dois testas-de-ferro seus – um advogado medíocre e um militar de pijamas – fizessem as honras, em mais de duas décadas, de presidente-fantoche do Esporte Clube Bahia.
Tal situação foi atacada com violência pelo próprio senador Antonio Carlos Magalhães, que fez publicar em seu jornal, Correio da Bahia, o virulento editorial “O protetorado de Maracajá”, no dia 3 de julho de 1995. Entre outras palavras duras, acusa: “Assim, Paulo Maracajá, formalmente afastado e impedido de legalmente exercer o comando do clube, continua a ser, de fato – embora não de direito – o presidente do Bahia”.
Curiosamente, no ano da morte de ACM, 2007, o repórter Nelson Barros Neto, de A Tarde, flagraria o “Eterno Presidente” de volta ao Fazendão.
Leia o que escreveu o insuspeito jornalista Joaquim Cruz Rios, de A Tarde, em 25 de junho de 1996, quando o Bahia era presidido por Francisco Pernet. “O Bahia está sendo sugado por dois carrapatos que não desgrudam enquanto ele tiver uma gota de sangue. A posição dos srs. Paulo Maracajá, hoje a eminência parda do Bahia, e Francisco Pernet, o seu liquidante, se não insustentável, é inexplicável”.
Em 22 de julho de 1996, o arquiteto Antonio Pithon – um dos integrantes do MRB – finalmente realiza o seu sonho: é eleito para a presidência do Esporte Clube Bahia. Um sonho que se tornaria o pesadelo de sua vida. Em carta ao jornalista Samuel Celestino, publicada em A Tarde, no dia 27 de abril de 2005, o próprio Pithon é quem narra o seu infortúnio: “Essas pessoas iniciaram um covarde e avassalador ataque à minha pessoa, tentando denegrir toda a integridade – não de um dirigente desportivo – mas de um ser humano. Tentaram, inutilmente, atingir a minha moral, a minha dignidade, o meu caráter, tudo o que eu havia plantado e deixado de exemplo para meus filhos. Desrespeitaram-me sem qualquer escrúpulo, com o mais baixo nível que se pode atingir. Desrespeitaram, até mesmo, a minha história dentro do Bahia e do futebol baiano”.
Com a família desunida, a vida profissional destruída e a saúde desde então abalada, Pithon seria compelido a renunciar em novembro de 1997.
Depois da destruição do principal nome da Oposição dentro do Bahia, Maracajá faz um acordo de alternância de poder com Marcelo Guimarães, dono de empresas de segurança patrimonial e, então, deputado estadual. Guimarães assume em 25 de novembro de 1997 e completa o mandato até 22 de julho de 1999, quando é reeleito para o comando do Bahia até 2002.
É de novo eleito, no dia 22 de julho de 2002, para um novo mandato de três anos. Sem lista de sócios e sem oposição, trombeteia: “Meu grande objetivo é colocar mais uma estrela na camisa tricolor, com a conquista de mais um título nacional".
Manchou ainda mais a camisa tricolor, com a queda para a terceira Divisão do Campeonato Brasileiro, em 2005. Com uma administração desastrosa, Guimarães renuncia a quatro meses de findar o seu mandato.
No dia 12 de julho de 2005 é publicado o edital de convocação para as eleições suplementares no Correio da Bahia e Tribuna da Bahia. Eu saio candidato, mas tudo não passa de uma farsa. No dia 20 de julho, dois dias antes do pleito, publicamos um anúncio cifrado nos Classificados de A Tarde, com o seguinte teor: “Passa-se grande fazenda Bahia, com 220.705 hectares com nove anos de prazo para pagamento, no distrito de Conselheiro Barradas, própria para maracujá e marmelo. Tratar Paulo ou Marcelo. (71) 4102-2103”. Para se entender melhor: 22.07.05 é a data da
“eleição”; nove anos são os nove dias do edital viciado; e o telefone representava o placar dos últimos jogos do tricolor. Barradas seria o tampão, Paulo e Marcelo sabemos quem são, assim como estava pronta a marmelada...
Por imposição de Maracajá e apoiado pelo oposicionista Rui Cordeiro – que se transformaria em vice-presidente Social - o militar Petrônio Barradas abandona o pijama, cumpre o mandato-tampão e derrota, em 07 de novembro de 2005, por 208 votos contra 56 o engenheiro Fernando Jorge Carneiro. Era o primeiro candidato realmente de oposição, que não se comportou como um X-9, que não fez conchavo nem retirou candidatura na hora do bate-chapa. A eleição seguiu o padrão das anteriores: sem lista de sócios, sem transparência, sem lei.
O jornalista Oscar Paris, em sua coluna Gol de Placa, publicada em A Tarde, ironiza a eleição: “O Bahia dá os primeiros passos rumo ao futuro de conquistas e glórias. A eleição para presidente trouxe a renovação, o sangue novo, as idéias revolucionárias. Fomos apresentados a ilustres colaboradores que jamais sonhávamos pudessem existir. Nunca ouvimos falar de Francisco Pernet, Paulo Maracajá, Marcelo Guimarães e Ruy Accyoli, para me deter apenas na chapa da “mudança”. Mais isso não é tudo. Petrônio Barradas, o novo presidente, assume com a desenvoltura de quem
jamais esteve ao lado daqueles que colocaram o Bahia na Terceira Divisão”.
Somente os ingênuos de plantão, mas seduzidos pelo jabá radiofônico, não imaginavam que o mandato de Barradas também seria um desastre completo: duas temporadas na Terceira Divisão do Campeonato Brasileiro, duas greves no CT do Fazendão, passeata de protesto de 50 mil tricolores no Centro de Salvador (em dezembro de 2006), ao mesmo tempo em que dois dos seus principais aliados – Guimarães e Maracajá – viviam
momentos difíceis: o primeiro preso pela Polícia Federal, na Operação Jaleco Branco; e, o segundo, sob investigação do Ministério Público Estadual e do COAF, do Banco Central.
Para salvar a oligarquia, o então deputado federal Marcelo Guimarães Filho resolve retomar das mãos de Maracajá o poder no ECB. Sai candidato nas eleições marcadas para 11 de dezembro de 2008. O engenheiro Fernando Jorge Carneiro mais uma vez saiu candidato pelas oposições e conseguiu, na véspera, suspender o pleito. A liminar foi cassada e as eleições transcorreram. Mais uma vez sem lisura, sem transparência. Não se sabia quem podia votar ou ser votado. E pela primeira vez na história, uma candidatura peitava na Justiça a oligarquia Tricolor.
O jornalista Samuel Celestino, no site Bahia Notícias, advertia: “A manifestação dos tricolores, a primeira de um série contra o continuísmo e a oligarquia que comanda o Bahia e o destrói, há 40 anos, agora com a conotação hereditária que passa de pai para filho, de Marcelo Guimarães para o filho deputado com o mesmo nome, é um sinal de advertência. Guimarães Filho será eleito pelos mesmos conselheiros eleitos ou nomeados pela mesma oligarquia. O Bahia, ao invés de se unir para demonstrar a sua força é submetido na sua maioria, a arquibancada, pelos cardeais-conselheiros
que vêm dos anos 50, da época de Osório Vilas Boas, e se perpetua com Maracajá, Guimarães pai, Guimarães filho e seus marionetes que pontificaram nos intervalos entre um oligarca e outro, mas submetidos aos mandos de cima”.
Escrevi, assim, para este ecbahia, no dia 16 de dezembro de 2008: “Não respeitamos Marcelo Guimarães Filho como presidente do Esporte Clube Bahia porque sua vitória não é legítima: ao contrário, é amoral, obscura e antidemocrática. Continuaremos lutando na Justiça, e principalmente, continuaremos acreditando no poder saneador dela. Não posso, portanto, Marcelo Filho, desejar-lhe feliz êxito em sua empreitada. Não torcerei
nunca contra o meu clube, não me bandearei nunca para as hostes de Canabrava, não renunciarei nunca ao meu direito de ser sócio, mas não me permito acreditar em algo que nasce podre”.
E continuei (e é por isso que fiquei algum tempo sem escrever - repetia o óbvio): “Já escrevi por diversas vezes que não é difícil ser profeta diante da mediocridade. Sua gestão não irá dar certo porque seus laços com o passado são justamente mais fortes que suas amarras com o futuro. Você não foi eleito para mudar, mas, ao contrário, justamente para manter o protetorado de Maracajá. É a ele a quem você deve sua eleição, porque este sistema corrupto e ditatorial foi concebido por ele e para ele. A primeira medida, eficaz e urgente para a reconstrução de um Bahia forte passa
pela necessária incorporação dessa imensa torcida ao clube”.
Nas eleições de 2011, os grupos de oposição resolvem não coonestar a farsa e deixam de disputar as eleições, mas ingressam com uma ação judicial.
O pleito já ocorria desde o final da manhã do dia 6 de dezembro, quando a oficial de justiça Cláudia Morais chegou com uma liminar do juiz Paulo Albiani, da 28ª Vara Cível de Salvador, designando o jurista Carlos Rátis como administrador do Bahia.
Na madrugada de 7 de dezembro, o plantão judiciário do TJ-BA anulou a intervenção no Esporte Clube Bahia. De acordo com a Resolução 71 do Conselho Nacional de Justiça, só há jurisdição em plantão nas hipóteses de emergência inadiável e comprovada. Ou seja, a parte e o plantonista não podem usar suposta urgência da decisão para questionar algo que poderia ser discutido por outras vias ou à luz do dia.
Portanto, a atual intervenção no Bahia começou em 2011 e não, como disse um dos beócios à frente do Tricolor, por causa de goleadas para o Vitória (5 X 1 e 7 X 3), em 2013.
No dia 21 de dezembro de 2011, no restaurante Grande Sertão, grande encontro de apoio a MGF, com as presenças de Pernet, Petrônio, Maracajá e, até, Orlando Aragão. “Ajudei a eleger Marcelinho (no primeiro pleito, há três anos) e não me arrependo, porque vi uma nova liderança surgindo naquele momento. Temos que apoiar Marcelinho, porque fazer oposição a ele hoje é fazer oposição ao Bahia”, disse o presidente do TCM.
Nesse encontro, um certo sabujo de MGF pede a expulsão de Jorge Maia e Emanuel Vieira do quadro de sócios e a declaração de "persona non grata" a Fernando Jorge, Fernando Passos e Nestor Mendes Jr.
A ação de dezembro de 2011 se desenrolou através do tempo. Em março de 2012, foi decretada nova intervenção, em que o presidente Marcelo Guimarães Filho respondeu com um deboche e um achincalhe contra a torcida, a sociedade e a Justiça. Depois que se suspendeu mais uma vez a sentença, pelo Twitter, MGF zombou: “Ôoooo, a CPU voltou, ôoooo!”, em uma referência direta ao sumiço do computador e das listas dos sócio do Bahia, que havia escondido do interventor Carlos Rátis.
Pois é, Doutor Kakay: a voz da Nação Tricolor que se rebela e ecoa, agora com mais de 13 mil sócios, é para nos libertar da opressão eterna, da falta de respeito não só com os valores caríssimos da democracia e da justiça, mas com o desrespeito contumaz à história grandiosa do nosso próprio clube.
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Nestor Mendes Jr., jornalista, é autor de Bahia Esporte Clube da Felicidade