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Neymar, a esperança do Brasil, isolado e sem participar de jogo solidário
Foto: FP
O fato mais importante do futebol para os brasileiros, neste ano que se finda, foi sem dúvida a goleada do Barcelona (4 x 0) no Santos pela final do Mundial de Clubes, agora em dezembro. Pela sacudidela geral que deu nos atletas, nos treinadores, nos dirigentes, na mídia esportiva, nos clubes, na seleção verde-amarelo que se prepara, renovada (?), para a Copa das Confederações e a Copa do Mundo em 2014 no Brasil.
Foi um show de bola, uma porrada segura na nossa arrogância. Caiamos na real. Já há algum tempo não somos ‘os melhores do mundo', não praticamos um futebol digno de se ver e competitivo, nem nos times e menos ainda na seleção. Paramos no tempo, regredimos porque o foco de nosso futebol, já há algum tempo, voltou-se apenas para o ganhar dinheiro vendendo atletas jovens para o exterior. Nossos times fracassam em torneios continentais diante de equipes do Chile, do Equador, do Paraguai, Uruguai. No âmbito das seleções, a hegemonia do continente está com o Uruguai de Forlán, Suarez, Rodrigues... Nos engasgamos com Paraguai, Venezuela ...
Não temos equipes. A busca do lucro e dos resultados imediatos, a qualquer custo, não permite a formação de bons conjuntos, de uma escola, um padrão de jogo. O nosso recente campeão brasileiro, o Corínthians, joga um futebol feio e pragmático de marcação, chutões e bolas alçadas na área adversária para que grandalhões decidam no trompaço. Os treinadores só cuidam das ‘bolas paradas', adoram. Jogamos igual e erradamente, do Oiapoque ao Chuí... taticamente no 4-4-2 ou num 3-5-2, sem imaginação, sem ousadias... é um ‘bumba meu boi'! A grande maioria das partidas não dá pra ver.
Aqui e ali aparecem um Neymar, um Lucas, um Leandro Damião ... que não deslancham por aqui, no meio da mediocridade, dos esquemas de jogo ultrapassados, medrosos, de arbitragens pusilânimes, de vícios absurdos como o ‘cai-cai', a pedir faltas e cartões amarelos a cada instante, usando a falsa catimba, a tal da câimbra (por que jogador europeu não sente câimbra?) como recurso , as simulações seguidas, a máscara, a falta de combatividade e de altruísmo em campo, o estrelismo, o foco do atleta e de seus agentes sempre na câmara da tevê, o olho gordo dos empresários e dirigentes, os interesses ($$$) fora de campo escalando times Brasil afora, os treinadores se agarrando aos empregos... E a ‘grande imprensa' esportiva incensando a infâmia, repetindo chavões, querendo migalhas.
Aula de bola
Do fiasco de Yokohama ficaram-me algumas frases bem ditas. A primeira do garoto Neymar, após a derrota: "Foi uma lição, tomamos uma aula de futebol'. Espero que esse menino bom de bola vá além das palavras, da reflexão e tome atitudes: baixe a bolinha do deslumbramento, queira de fato ser um atleta, um jogador de bola, assuma-se um craque e não uma celebridade, diminua as presepadas (tipo o cabelinho, por exemplo), jogue um pouco mais coletivamente, encare cada partida como uma batalha a ser vencida junto com seus companheiros. E pare de simular faltas, jogue bola, pois Deus lhe deu um imenso talento. Espelhe-se em Messi, simples e objetivo. E que a lição, a aula de futebol tenha chegado a todos, jogadores, treinadores, dirigentes, comentaristas ... Al? Mano Menezes! Al? Muricy , Tite, Joel Santana, Luxa ... Vamos trabalhar!!!
Outra frase que não me sai da cabeça foi dita pelo treinador Guardiola, com toda a humildade de um vencedor: ‘... Meus avós me diziam que o Brasil jogava assim, antigamente, tocando, tendo a posse de bola'...
Os avós do moço Guardiola viram e se deliciaram com os vários Santos de Pelé, o Botafogo de Garrincha, o Cruzeiro de Tostão, a academia do Palmeiras, os escretes de 58, 62, 70... Quem sabe viram também o Flamengo de Zico, o São Paulo e a seleção de 82 de Telê Santana. E mais a Hungria de Puskas, o Real de Di Stefano, o Benfica de Coluna e Eusébio, o Ajax de Cruiff, o carrossel da Holanda em 1974, aquela Alemanha de Beckenbauer ... O jogo solidário, a bola no chão, o deslocamento, a objetividade...
Gentil Cardoso, um extraordinário treinador dos anos 50/60 ensinava aos meninos nos treinamentos: ‘Meu filho, quem se desloca recebe, quem pede tem preferência'! Regra básica, fundamento, dois toques no máximo na bola, o passe preciso, olhos abertos, triangulações, nada de rifar a bola.
Juro, até aqui na Bahia, na Fonte Nova, já jogamos assim, tocando bonito, gostoso de ver. O Bahia que foi o primeiro Campeão Brasileiro era isso, com Flávio, Mário, Vicente, Leo, Marito, Biriba. O Vitória de Pinguela, Otoney, Enaldo, Teot?nio, Nelinho... jogava o fino da bola. O Bahia de Evaristo na década de 70 (Roberto, Douglas, Baiaco, Fito, Picolé, Natal...) , o Vitória de Osni, Mario Sérgio, Almiro, Gibira ... O Galicia de Nelinho, Valtinho, Nelson,Josias, Raul ... Pois, a meninada de hoje precisa saber: aqui na Bahia já se jogou um belo futebol, daquele jeitinho que joga o grande Barcelona, com toques, dribles, golaços, posse de bola, a pelota rolando na grama, tratada com carinho e elegância, sim sinh?!
Mas voltemos a Guardiola, o treinador do melhor time do mundo. Perguntado, antes da partida, como ele pretendia parar Neymar, ele simplesmente disse: ‘Evitando que a bola chegue nele, tendo a posse de bola o maior tempo possível em campo, para que ele toque pouco na pelota'. Pois o bom Neymar quase não viu a cor da bola, pouco tocou nela, e quando o fez, solitário, tinham sempre dois a marcá-lo. Saiu cabisbaixo, de bico, olhos arregalados.
Outra lição: a ocupação dos espaços em campo. O Barcelona joga compacto, todo mundo juntinho, encurtando o campo de ação do jogo, marcando pressão assim que perde a bola, coletivamente, com o intuito de retomá-la, logo, pois só joga quem tem a bola; quem não a tem corre atrás e cansa rápido, só aprecia.
O Barça jogou todo tempo dentro do campo do Santos, porque jogamos com três zagueiros lentos dentro de nossa área (é assim no Brasil inteiro), o meiocampo correndo atrás sem ver bola (Ganso jogou?) e dois atacante lá adiante, distantes, à espera dos chutões. Os laterais santistas não passaram da linha divisória preocupados com os jogadores que atuaram abertos, em cima da linha lateral, de um lado e do outro, ora Dani Alves, ora Fabregas, ora Xavi, ora Tiago, ora Iniesta, Abidal ... E três zagueiros para marcar o centroavante deles... mas quem era o centroavante? Hum? Messi, Dani, Xavi, Fabregas, Iniesta, Piqué?... ou todos eles, revezando, rodando, abrindo espaços, tocando ?
E agora, Mano Menezes? Já escolheu seus três cabeças-de-área? Vai prender Daniel na lateral, fixo, inútil? Ainda pensa em Ronaldinho Gaúcho como ‘solução'? Ora, me deixe!
É hora de reformular conceitos, repensar desde a base, retomar os fundamentos do jogo: dois toques, zagueiros leves que saibam sair jogando, meio campo que apóie, que penetre e chute, que passe bem a bola e marque em bloco, atacantes que joguem pelas laterais feito ponteiros, driblando, passando, sem essa de cruzamentos à toa, atacantes que tenham mobilidade, troquem de posição sempre, se mexam, voltem para retomar a bola perdida; que tenhamos um time compacto, solidário, com fome de bola, e pratiquemos o passe, a posse da bola como beabá, naturalmente, com inteligência ... Queremos o drible, mas em função do gol, sempre. Sem firulas, sem rebolados, com objetividade!
Ou seja: É hora de retomar a nossa vocação, jogar à brasileira. Rever Zizinho, Pelé, Zito, Gerson, Tostão, Falcão, Bebeto ... Voltar a ter gosto de jogar bonito e de vencer... Futebol é um jogo coletivo e só é possível jogar quando se tem a bola. Vamos reaprender a brigar pela bola, retomar a pelota ainda no campo adversário, mais perto da área inimiga, mais próximo do gol ... como ensinava o mestre Evaristo de Macêdo:
‘Quem tem medo de perder não ganha!'
Será que ainda dá tempo de retomar o caminho ... ou vamos passar um vexame nacional (bem maior do que em 1950) em 2014? O fiasco do Santos nos abriu os olhos.