O flash: o boleiro negão de riso alvo, em estado de graça, segundos depois de estufar as redes adversárias com um chutaço certeiro de direita. Arrematara em velocidade pelo meio da zaga, carimbando em golaço o preciso passe do camisa 10, rasteiro, no tempo certo, aquela metida de canhota inesperada que o afinado centroavante pressente com o rabo do olho e arranca fulminante deixando pra trás os marcadores... E lá estava ele, o artilheiro, genuflexo, os braços abertos de felicidade, à espera para beijar com toda reverência o santo pé esquerdo do companheiro que lhe enfiou aquela bola tão redonda, a bola do jogo, aos 40 minutos daquele segundo tempo de uma disputa renhida no campo do inimigo, um a zero decisivo.
É talvez a mais contundente e emocionante das tramas do futebol: o exato lançamento longo rente a grama no exíguo espaço entre os defensores para que o atacante dispare no tempo certo, ganhe pela agilidade de corpo dos marcadores diretos e dispare com a bola na frente, pegando-a em cheio com o peito do pé sem dar a menor chance para o goleiro que sai da meta atarantado e cresce adiante fechando o ângulo do chute.
O estufar da rede é como uma explosão no estádio, o grito de gol da torcida aos pulos, o coração do goleador a sair pela boca...
E
, no meio daquele orgasmo coletivo, a humilde compreensão, o reconhecimento do ídolo : Nada aconteceria, não fosse o passe perfeito e genial do companheiro, obra de arte de inspiração divina! No meio daquela euforia inteira, ninguém, apenas ele, o artilheiro, sabe que a glória daquele instante nasceu e foi possível somente a partir daquele toque de esquerda na bola que matou a zaga e tirou o fôlego de todos os que viam o jogo. Sagrada canhota!
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Desde menino, apreciando e brincando de jogar bola fui fascinado pelo passe perfeito, pela metida exata, pelo lançamento que desconcerta e decide. No jogo de bola o passe é o maior dos fundamentos, aquele que garante a posse da bola e o domínio das ações em campo. A Espanha campeã do mundo de 2010 deu o exemplo.
Desculpem, eu vi Zizinho jogar na Fonte Nova. Vi Didi, Jair da Rosa Pinto, Gérson, Rivelino, vi Ari, Mário Araújo, Pinguela, Otoney, Elizeu, Fito, Sanfellipo, Douglas, Leo Oliveira... Vi Mengálvio, vi o semi-deus Pelé em campo! Eram craques que passavam meses sem errar um passe em campo. Isso faz a diferença. Um meio-campo que não erre passes é o fundamento de um grande time.
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Hoje, tenho visto, aqui e ali, jogos do Bahia e do Vitória. Como erram passes! O Bahia deve se classificar para a primeira divisão (Deus queira!) muito mais pelo clamor de sua torcida aos céus do que pela bolinha que vem jogando, um horror de trapalhadas em campo. Já o Vitória, alterna algumas partidas razoáveis com apagões de timeco. Daí ...