Esporte

SOU BAIANO, SOU BAHÊA: 50 ANOS DO GRANDE TÍTULO, POR ZÉDEJESUSBARRÊTO

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| 28/03/2010 às 09:04
A equipe que derrotou o Santos no Maracanã em 29 de março de 1960
Foto: ARQUIVO

Se há uma coisa de que o torcedor do Bahia, o tricolor baiano, se orgulha e os adversários morrem de inveja são as duas estrelas sobre o escudo estampado na camisa do time, que representam as duas maiores conquistas na história do clube: a de Campeão da 1ª Taça Brasil, conquistada em 29 de março de 1960, o primeiro torneio nacional oficial criado no país; e a de Campeão Brasileiro de 1989, depois de derrotar o Internacional em Salvador e empatar no Beira Rio, em Porto Alegre.


Dessa última estrelinha dourada muitos ainda se lembram e viram (ao vivo ou pela tevê) e os protagonistas da façanha - como Ronaldo, Tarantini, João Marcelo, Claudir, Paulo Robson, Paulo Rodrigues, Zé Carlos, Gil, Bobô, Charles, Marquinhos, Osmar, Sandro, Edinho ... e o grande comandante Mestre Evaristo de Macêdo estão aí, muito vivos, para contar e reviver as emoções.

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1º Campeão Brasileiro


Mas o que a nação tricolor (uma das maiores torcidas do país) comemora nesse 29 de março, aniversário da Cidade do São Salvador da Bahia, é a primeira das estrelas de ouro, talvez a mais cintilante e surpreendente: a da conquista da Taça Brasil de 1959 (o último jogo já aconteceu em 1960), em pleno Maracanã, contra o todo-poderoso Santos do Rei Pelé, de Coutinho, Zito, Pepe, Dorval, Jair da Rosa Pinto, Pagão, Mengálvio, Dalmo, Formiga... talvez o maior e melhor time de futebol de todos os tempos.


E não foi uma ‘cagada'. O Bahia, depois de vencer seus adversário nordestinos ( o Ceará e o Sport deram muito trabalho), de liquidar o Vasco (de Paulinho, Beline, Orlando, Coronel, Almir Pernambuquinho...) em jogos lá e cá, conseguiu derrubar o Santos em plena Vila Belmiro, com Pelé e tudo, por um placar de 3 x 2, num jogo empolgante.


Pelé fez 1 x 0, de cabeça; Biriba empatou e Leo fez 2 x 1 para o tricolor, no primeiro tempo. O Santos empatou, de pênalti, e Alencar decidiu no final, driblando todo mundo na velocidade, até o goleiro.

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A Sanfona baiana


O Sul arregalava os olhos para o futebol dos desconhecidos Marito, Biriba, Alencar... garotos que assombravam pela técnica, velocidade, garra e, sobretudo, pela graça de um futebol alegre e irreverente em busca constante do gol.

No dia seguinte da vitória na Vila, os jornais paulistas destacavam o ‘esquema sanfona' do time que recuava todo quando não tinha a bola e atacava em massa quando tinha a posse da pelota, em velocidade, pelos lados do campo, driblando e chutando com eficiência.


O Santos foi surpreendido. E vingou-se, fazendo 2 x 0 na Fonte Nova lotada, com um exibição de Rei do ‘negão' Pelé, impossível naquela noite. Até a torcida do Bahia aplaudiu o Rei, de pé. Amigos, eu vi. E arrepiam-me só as lembranças daquele time vestido de um branco absoluto, contra o ‘tricolor de aço' de Nadinho, Henricão, Vicente Arenari, Flávio, Mário, Léo Briglia ... Um duelo de grandes craques em campo. Mas o Santos tinha um semi-deus chamado Pelé, que fazia a diferença.

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A astúcia de Osório


O encontro decisivo foi no Maracanã e o tricolor começou a vencê-lo fora de campo, na astúcia do general Osório Villas-Boas, o presidente do time baiano.


O Santos chegara numa madrugada de sábado de uma excursão penosa à Europa, fizera três jogos numa semana e trouxera Pelé machucado. Queria adiar a partida, ganhar tempo para descansar o elenco e recuperar Pelé, baleado. Mas Osório não aceitou. O jogo estava marcado, programado e aconteceria, o problema era do Santos.


O time santista, com Pelé observando tudo da boca do túnel, ainda suportou bem o primeiro tempo e marcou, com Pagão - que jogou no lugar de Pelé. Mas o Bahia sobrou, técnica e fisicamente - Vicente empatou, de falta, um chutaço na gaveta; Leo desempatou, tabelando com Alencar; e o atacante cearense fechou o caixão (3 x 1), quando o time santista já tinha um jogador a menos, depois da expulsão de Dalmo que não agüentava mais a correria de Biriba e deu-lhe um pontapé por trás, tentando pará-lo.

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Loucura tricolorida


Uma loucura baiana no Maracanã! E em toda a Bahia, uma festa só! Vermelha, azul e branca, como nunca se tinha visto, puro orgulho de ser baiano estampado em cada rosto pela cidade.


Aquele time do Bahia não se intimidava. Muitos conheciam bem o Maracanã, como Nadinho (que jogou pelo Bangu), Henricão e Leone (Flamengo), Mário, Ari e Beto (Botafogo) e Leo (Fluminense).


O time do Bahia que foi campeão era fantástico. Tanto que foi vice-campeão brasileiro mais duas vezes (em 61 e 63), vencendo o grande Vasco da época; o Botafogo de Garrincha, Zagallo e Nilton Santos, e passeando pelo Norte e Nordeste. Perdeu os dois títulos apenas para o Santos de Pelé ( que se vingou, com doloridas goleadas).


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Era um timaço!


O goleiro era Nadinho, baiano, que começou no Vitória na primeira metade dos anos 1950, foi para o Bangu do Rio e voltou em 58 para o Bahia, onde atuou até 1968. Um goleiro calmo, seguro, um dos melhores , senão o melhor, dos que já vestiram a camisa um do tricolor. É advogado, vive em Salvador.


Na lateral direita Leone, carioca, veio do Flamengo, vive no interior de Minas. Clássico, tranqüilo, uma liderança em campo. Beto era seu reserva e jogou a final.

Henricão , o zagueiro, era um negão de quase dois metros que jogava na bola, antecipando-se, sem dar porrada. Um gigante, garantia nas bolas altas. Vez em quando arriscava uma subida, para delírio da torcida. Fez história no tricolor.


O outro zagueiro era magrinho e eficiente, duro, uma dos melhores que vi jogar: Vicente (ele e Roberto Rebouças disputam , pau a pau, quem foi o melhor de todos os tempos na posição). Vicente, o capitão do time, foi vendido para o Palmeiras logo no começo dos anos 1960/61 (Roberto ocupou seu lugar). Inesquecível, um líder dentro e fora de campo.


O lateral esquerdo era Nenzinho, veio de Pernambuco. Florisvaldo, ainda bem jovem, era o reserva.


O meiocampista marcador era Flávio, um ótimo marcador de grande domínio de bola, excelente passe, bom fôlego. Atuou antes no Botafogo baiano, ao lado de Nelinho, Roliço, Zague e, depois do Bahia, foi também vendido para o Sul. Bombeiro era seu reserva imediato.


O meia de ligação titular era Mário Araújo, o maior camisa 10 que vi jogar no Bahia em todos os tempos (Melhor que Elizeu, Fito...acreditem). Era carioca, um negão espadaúdo, meio zambeta, com visão absoluta de campo, incrível domínio de bola, o dono do jogo, sempre, escondia a pelota do adversário, usava o corpo como ninguém e driblava com facilidade. Seu reserva imediato era também muito bom, o crioulo Ari, que jamais perdeu um pênalti em toda a carreira.


Na direita (ou esquerda), indo e vindo feito um azougue, o pequeno lourinho Marito. Fantástico ! Baiano, está vivíssimo. Em campo era raçudo, veloz, driblador, finalizador, ambidestro e incansável. Antes de atuar pelo Bahia foi do Ipiranga. Uma lenda.

O atacante finalizador de velocidade era o cearense Alencar. Batia forte e certeiro com as duas, inteligentíssimo, um raio na área. Um dos maiores artilheiros da história do clube. Saiu do Bahia e foi titular do Palmeiras (SP).


Ao lado de Alencar, jogava Leo Briglia, baiano de Itabuna (ainda inteiro) que atuou no Fluminense do Rio ( em 1956/57) ao lado de Castilho, Pinheiro, Telê, Valdo, Escurinho... Veio para o Bahia para ser campeão brasileiro, reforçando o timaço com sua experiência. Inteligente, manhoso, goleador...


Na esquerda (ou direita, batia com as duas) o genial e tinhoso Biriba, o pequenino ‘neguinho' pescador de Itapuã, que só vestiu na sua vida profissional uma camisa - a do clube amado, seu Bahêa! Veloz, driblador, abusado, goleador, não tinha medo de cara feia. Foi fundamental na campanha, um recordista de títulos pelo tricolor. Ídolo eterno do clube, xodó da torcida. Endiabrado dentro das quatro linhas.

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Os treinadores da campanha 59/60 foram Geninho (um carioca, paizão, estilo Joel Santana) e o argentino Carlos Volante (exigente e chato).

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Orgulho tricolor


O torcedor do Bahia, mesmo que ainda menino, precisa conhecer e se orgulhar desses feitos, desses atletas, que, às vezes com salários de cinco, seis meses atrasados, davam a vida em campo, por puro amor à torcida que é ‘do povo o clamor'! O Bahia é devoção.


Talvez os próprios jogadores, atletas de hoje, diretores atuais ... precisem também ler um pouco, saber um pouco dessas histórias de superação do time. Porque o Bahia nunca foi um clube, nem será. É e sempre foi um time de futebol, desde que foi criado em 1931. Um time de massa, um time do povo. Nunca foi um clube de elite. Tão somente um time que tem história, muitas histórias de grandes conquistas dentro de campo.


Não se torce apenas pelo Bahia. Se nasce Bahia, se é Bahia. Essa é a diferença. Paixão, coisa de alma, fado... não se explica. Vive-se.

É hora de retomar o prumo. A mística. Reacender a estrela.


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E mais:

Quem não tem história, não tem passado ... não tem nem sabe o ‘porquê' da vida.