Quando chegou à Bahia, para vestir o manto tricolor, Juvenal trazia um coração cheio de mágoas e tristeza. Tristeza, que se acoitou em seu peito para sempre, pela tragédia da perda do campeonato mundial em 1950, Maracanã novinho e pleno, 2 a 1 para a Celeste Olímpica do Uruguai de Gighia, Obdúlio Varela e Schiaffino. Um timaço que venceu na raça e no grito um esquadrão que tinha Barbosa, Danilo, Zizinho, Ademir Menezes, Jair da Rosa Pinto e cia. E mais todo o Maracanã festejando o título por antecipação e um Brasil inteiro de ouvido grudado no rádio a torcer. Foi um choro convulsivo.
Mais que a tristeza, o rosto de Juvenal Amarijo trazia vincos de mágoas que os anos foram aliviando mas não apagaram de todo. Mágoas das críticas que quase lhe tiraram a felicidade de viver. Ele, Bigode e Barbosa, os três negros/mulatos do timaço de 50, foram acusados pelo país inteiro como culpados pela derrota e a perda do título. Bigode, o lateral esquerdo, porque levou um passeio de Gighia, o arisco ponta uruguaio que marcou o segundo gol decisivo, sem ângulo, depois de levar o nosso vigoroso lateral na velocidade. Barbosa, um dos maiores goleiros da história do nosso futebol, porque deixou o arremate certeiro de Gighia passar entre ele e a trave, sem reação. E Juvenal, o zagueiro de área, porque não saiu na cobertura de Bigode em tempo de travar o chute fatal que calou o Maracanã e o país.
Em 54, aos 30, Juvenal chegou à Bahia, junto com Oswaldo Baliza, um goleiro de mãos imensas e quase dois metros de altura e o meia Maneca. Os três da seleção da Copa de 50. Depois de perder o título de 53 para o Vitória - e que timaço tinha o rubro-negro: Nadinho, Valvir e Alírio; Purunga, Gago e Joel; Tombinho, Quarentinha ( o mesmo que jogou depois no Botafogo de Garrincha), Juvenal "Jegue Alemão", Alencar e Ciro - , o Bahia armou um timaço que foi campeão em 54 e 56. A base do time de 54 era : Oswaldo Baliza, Bacamarte e Juvenal Amarijo; Rui, Job (Ivon) e Raimundo; Fontoura, Naninho, Lierte, Ruivo e Izaltino. Tinha ainda Carlito e Marito bem garoto.
Juvenal era um zagueirão alto, classudo, chegava junto e nunca foi banco em time nenhum que jogou. Era gaúcho de Santa Vitória do Palmar e atuou 11 vezes como zagueiro titular vestindo a camisa do escrete brasileiro. Mas amou a Bahia e aqui se estabeleceu, morando anos e anos defronte da praia de Itapuã. Certa feita, quando ainda tinha pernas pra bater meus babas, disputei uma peladinha de praia ali defronte da Sereia contra o velho Juvenal. Já claudicava, a perna meio endurecida, o joelhão estourado de artrose, resultado de tanto esforço e medicações danosas.
Só, desamparado e sem tostão no bolso, Juvenal penou nos anos de 2006/7, com mais de 80 anos, numa cama de hospital, sem "sustança" nas pernas para se por de pé. Logo as pernas, que sempre foram fortes como pilastras, e lhe deram o sustento e fama. Juvenal, um ídolo, um craque, titular absoluto de uma seleção histórica e quase campeã do mundo, a pedir clemência, ajuda para um tratamento adequado, para a compra de remédios. Ele disse na ocasião que queria apenas voltar a andar. O Dr Luis Carlos Menezes, o grande Lapão - que foi quarto zagueiro dos bons do Botafogo baiano nos anos 60- , cuidou dele à época, de graça.
Ele, um ‘monstro sagrado' do nosso futebol, encolhido na sua grandeza, sonhando com uma tevê de 14 polegadas para que pudesse ver, quem sabe pela última vez, os jogos de uma Copa do Mundo, a de 2006. Queria torcer também e, no fundo da alma, relembrar, pela trilionésima vez os lances fatídicos daquela tarde de 50 no Maracanã. "Será que dava pra chegar no Gighia, quando ele arrancou pra cima do Bigode e chutou quase da linha de fundo?". Nunca viria saber.
Aos 86 anos, no dia 30 de novembro de 2009, quinta passada, o extraordinário zagueiro Juvenal Amarijo nos deixou. Morreu de complicações respiratórias, mal agravado pela fumo e pela bebida anos seguidos, no Hospital Geral de Camaçari. Passou os últimos tempos de vida numa casinha simples, pobre, de tijolos crus, em Jauá (RMS), onde morava com o filho mais novo, Juvenalzinho (de 37 anos) e a última mulher, dona Alvanira. Tinha mais quatro filhos, todos vivos, de outros relacionamentos.
Juvenal Amarijo foi enterrado neste sábado (31 de novembro) pela manhã, no cemitério de Vila de Abrantes (Camaçari).
Mas as novas gerações precisam conhecer a sua história. Foi um dos grandes zagueiros que vi jogar e tive a felicidade de conhecer. Defensor de um estilo que quase não se vê mais nos campos de futebol de hoje. Era duro nas divididas e elegante com a bola dominada.
Foi o último dos remanescentes daquela seleção que, de fato, nos abriu os caminhos das grandes conquistas em Copas do Mundo.