Waldeck Ornélas é especialista em planejamento urbano-regional. Autor de Cidades e Municípios: gestão e planejamento
Waldeck Ornelas , Salvador |
06/10/2025 às 11:23
Trem Salvador-Feira em projeto
Foto: Diário do Transporte
Maior cidade do interior da Bahia – incluídos os municípios da Região Metropolitana de Salvador – e maior cidade do interior do nordeste brasileiro – excluídas as capitais e suas regiões metropolitanas –, Feira de Santana é o maior entroncamento rodoviário e logístico da macrorregião brasileira, mas não conta com serviço de transporte ferroviário, seja de passageiros ou de cargas. Portal do Nordeste, Feira é a 34ª cidade
mais populosa do país.
Convergem para Feira – e aí se tocam – a BR-116 e a BR-101, as duas mais extensas e sobrecarregadas rodovias longitudinais do país, unindo o Brasil de norte a sul pelo litoral, o eixo de maior ocupação populacional e industrial.
A BR-324 – que liga Feira de Santana a Salvador – é, na prática, o único acesso rodoviário à capital baiana. Trata-se de uma via duplicada, com duas faixas de tráfego em cada sentido, inteiramente saturada, haja vista o grande fluxo de transportes de carga, de transporte coletivo interurbano e de veículos de passeio, tornando-a um ponto nevrálgico da ligação da capital com todo o interior do estado e o resto do país.
Tendo recentemente o Ministério dos Transportes demandado à Infra – sua empresa de suporte técnico – o estudo de alguns trechos para transporte ferroviário de passageiros intercidades, em número de seis em todo o país, naturalmente a ligação Salvador-Feira de Santana foi incluída entre eles.
O Brasil não conta com uma política para o transporte ferroviário de passageiros, sendo a iniciativa do Ministério dos Transportes um primeiro passo para sua estruturação. Estados e municípios têm, no entanto, avançado na implantação e operação de sistemas ferroviários dedicados ao transporte de passageiros, agora também intercidades.
Na Bahia, onde a Região Metropolitana de Salvador é fortemente marcada pela primazia da Capital do Estado, o Sistema Metropolitano Salvador-Lauro de Freitas tem uma única parada fora da capital baiana – a estação Aeroporto, situada na outra margem do rio canalizado que limita os dois municípios, apenas para ganhar o status metropolitano. O mesmo ocorre com o VLT do Subúrbio, em implantação, que
também terá uma única estação fora de Salvador, na Ilha de São João, em Simões Filho, que, aliás, não é ilha.
O projeto do VLT ganhou grande dimensão, deixando de ser apenas do antigo Subúrbio Ferroviário para atender da Calçada à Ilha de São João, de Paripe a Águas Claras – onde se integra com o metrô e a nova Estação Rodoviária Intermunicipal, e daí até Piatã, na Orla Oceânica. Da Calçada, virá também até o Comércio.
É neste contexto que se insere o Pedido de Autorização feito à Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT) por um grupo empresarial baiano, para implantação do trem Salvador-Feira de Santana. Em análise, o pedido foi submetido ao Ministérios dos Transportes para manifestar-se quanto à compatibilidade com a Política Nacional Ferroviária. Mera formalidade, uma vez que foi o próprio Ministério o demandante de
estudos para o transporte ferroviário de passageiros nesse trecho.
Com 95,9km de extensão, o estudo da Infra tem um trecho de 59,5km greenfield, aproveitando 36,3km da ferrovia existente, com apenas 2 paradas entre as estações Feira de Santana (SIM) e a integração com o VLT na Ilha de São João (Simões Filho). Já o projeto do pedido de autorização tem uma extensão total de 98km de extensão, inteiramente greenfield, com oito estações de passageiros e duas de carga, integrando-
se em Águas Claras (Salvador).
Coincidindo com a recomendação do estudo da Infra, também o pedido de autorização contempla um traçado novo, que deixa de lado a interligação com a Ferrovia Centro Atlântica (FCA) em Conceição da Feira, para dirigir-se a Amélia Rodrigues e Santo Amaro, em demanda a Salvador, seguindo um certo paralelismo com o traçado da BR-324.
Divorcia-se da antiga malha baiana, hoje administrada pela FCA, ao optar pela bitola larga, apostando na hipótese de novas futuras ferrovias, com as quais se integrará, visando o transporte tanto de passageiros como de cargas. É uma aposta otimista. A utilização parcial da via existente – com a modernização pela qual deverá passar – ajudaria a viabilizar o projeto.
O projeto do trem de passageiros Salvador-Feira de Santana precisa, necessariamente, integrar-se com o sistema de transporte de massa da Região Metropolitana de Salvador, a saber, o metrô ou o VLT, a depender das características técnicas que venha a adotar.
Observe-se que o Estado vem investindo em transporte de passageiros sobre trilhos. Para tanto, inclusive, criou a Companhia Baiana de Transportes (CBT), e tem planos de expandir o VLT, a partir de Paripe, para Simões Filho e Candeias, superpondo seu curso com parte do traçado do Pedido de Autorização.
Dessa forma, é indispensável que, já nesta etapa ainda preliminar do projeto, seja feita a articulação necessária para integração dos dois projetos, ocasião para a discussão dos ajustes tecnológicos para, numa solução ideal, permitir inclusive a interoperabilidade e integração tarifária. Havendo, como certamente haverá, a necessidade de subsídio, é importante que isto seja de logo concertado. Há, também, notícias de uma MIP apresentada pela CCR Metrô Bahia para o trecho Salvador-Feira.
Independente da ferrovia de passageiros proposta, Feira de Santana – por sua condição de centro industrial e polo logístico macrorregional – necessita de uma ligação com a Ferrovia Minas-Bahia. A curta distância, à altura de Conceição da Feira, a interligação é uma short-line de indiscutível viabilidade e será, muito provavelmente, um ramal imperativo tão logo se esboce a recuperação da Ferrovia Minas-Bahia, no âmbito da renovação antecipada da concessão da FCA.
Isto é indispensável para a interligação ferroviária de Feira de Santana com o Sudeste do país, preenchendo uma lacuna no sistema de transporte de cargas – insumos e produtos – para esse importante centro industrial e polo logístico.