Economia

CODEBA, PRIVATIZAÇÃO ENVERGONHADA? COMENTA WALDECK ORNÉLAS

Waldeck Ornélas é especialista em planejamento urbano-regional. Autor de Cidades e Municípios: gestão e planejamento.
Waldeck Ornélas , Salvador | 15/09/2025 às 11:52
Porto de Salvador ascendente, ultrapassado o Porto de Aratu-Candeias em volume de carga
Foto: BE

Depois de haver sido retirada da lista de privatizaçõesremanescente do governo passado, a Companhia Docas do Estado da Bahia (Codeba), agora autodenominada Autoridade Portuária da Bahia, de âmbito federal, volta à tela em audiência pública promovida pela Agência Nacional de Transportes Aquaviários (ANTAQ), com o suporte do BNDES, para um inusitado projeto de concessão que desagradou a gregos e troianos.

A Bahia é um estado cuja economia e processo de desenvolvimento tem sido fortemente prejudicado pela carência de infraestrutura. Em um movimento recente, coube justamente ao Complexo Portuário da Baía de Todos os Santos (BTS-Port) romper a inércia que afeta a economia baiana, e o fez pela ampliação e modernização de suas principais instalações portuárias, bem como pela abertura da Rota Bahia-Ásia, ainda assim apenas ajustando-se à demanda presente.

É precisamente neste setor que a alteração do status quoda Codeba vem interferir, trazendo muitas dúvidas e nenhuma certeza. São três os portos da Codeba, todos enfrentando grandes desafios: Salvador e Aratu-Candeias, na Baía de Todos os Santos (BTS), e Ilhéus – o antigo porto do cacau, construído pela Ceplac, com recursos da lavoura – no Litoral Sul do Estado. Adicionalmente, aempresa acaba de assumir responsabilidades em relação à Hidrovia do Rio São Francisco.

O desempenho do Porto de Salvador é ascendente, a ponto de, no primeiro semestre deste ano, pela primeira vez, ter ultrapassado o Porto de Aratu-Candeias em volume de carga, graças à movimentação de contêineres e carga de projeto.

Neste porto, o Tecon Salvador – recém adquirido pela MSC – prepara investimento da ordem de R$1bi, para ampliação do pátio de contêineres, permanecendo, no entanto, carente de retroporto. A operação com navios New Panamax, de 366m e capacidade para 15.000 TEU,tornou-se viável graças ao calado de 15,6m na maré baixa, o que possibilitou a criação de rota para a Ásia, mudando o curso do algodão do segundo estado maior produtor, que descia, em 95%, para Santos.

Sem acesso ferroviário, o porto tem o seu acesso rodoviário (Via Expressa) ameaçado de congestionamento pela implantação da ponte Salvador–Itaparica. Pelo mar, aproposta sequer visualiza um calado de 18,0m na maré baixa.

O Porto de Ilhéus, onde foi recuperado o calado de 10,0m e está sendo reativado um moinho de trigo, enfrentagrandes limitações na relação cidade-porto e carece de retroporto. Requer redefinição estrutural e funcional, considerando-se a implantação do Porto de Aritaguá, no sistema da Ferrovia de Integração Oeste-Leste (FIOL).

Essas questões certamente poderão encontrar solução emum futuro terminal intermodal – ainda não estudado – integrado à FIOL, abrindo oportunidade para novas cargas, dinamizando a economia regional.

Neste contexto, o Porto de Aratu-Candeias é o único com áreas de retroporto disponíveis, mas carente de novos berços e dragagem de aprofundamento, para ampliar sua capacidade e incorporar novas cargas, diversificando a linha de produtos. O recente arrendamento de duas áreas para granéis sólidos vem recebendo investimentos significativos, ampliando a capacidade de movimentação.Precisa ser elevado a um novo patamar.

Há, portanto, um conjunto de desafios a que a Codeba precisa responder. E, diante deste cenário, a proposta de concessão parcial apresentada não tem qualquer qualificação do ponto de vista econômico.

Uma alteração no modelo operacional da empresa só se justificaria se houvesse um propósito, uma estratégia e um plano de ação. E a proposta apresentada sequer responde às necessidades que os portos apresentam em uma perspectiva já visível no horizonte. Mas falta, sobretudo, visão de futuro.

Na Bahia, o desafio atual é preparar a BTS para a grande revolução logística e geoeconômica que está a ocorrer, para ser um dos mais importantes hub-portsdo Atlântico Sul e um grande porto nacional de cabotagem.

Neste sentido, um bom desafio para a Codeba, para além da redefinição dos seus atuais portos, seria o desenvolvimento de um novo porto no interior da BTS, tendo como referência a Ponta do Dourado, em Salinas da Margarida, com calado natural capaz de receber os maiores navios do mundo, e vasta área para retroporto. Isto sim, exigiria um reaparelhamento da Codeba.

Pobre do ponto de vista econômico, a proposta apresentada representa um retrocesso do ponto de vista institucional. Antes, reflete, claramente, que não está sendo adotada uma política uniforme em relação aos portos públicos brasileiros. Entre a privatização pura e simples – caso da Codesa, no Espírito Santo – e a criação de uma nova estatal – anunciada para Itajaí, em Santa Catarina – a modelagem proposta para a Codeba mais se assemelha a uma privatização envergonhada. Afinal, que modelo é este?

Tampouco há ganhos na estrutura de governança. Até muito pelo contrário. Prevalecendo nos portos organizados do Brasil o modelo landlord, que sentido faz, no caso da Codeba, secar as receitas da empresapara atravessar um intermediário entre a estatal e os seus novos arrendatários?

São tantos e tais os questionamentos sobre o pretenso novo modelo apresentado que, se é para manter a Codeba, que o seja íntegra, em suas atuais competências e funções,mas que lhe sejam dadas as condições para atender às demandas que a Bahia tem.