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Para comemorar o Dia Internacional da Mulher, o programa Globo Reporter da última sexta-feira (6) apresentou uma série de matérias sobre as mulheres, entre elas, uma que contou a história de um grupo de mulheres na Paraíba que decidiram fundar uma cooperativa de flores.
Veja a seguir a íntegra da reportagem apresentada no programa:
Vencedora
Vítimas da violência doméstica conseguem independência financeira, mas continuam com medo. Produção de flores despertou ciúme dos maridos. Desistir ou lutar até o fim, com a cabeça erguida? Na Paraíba, Karla Cristina Rocha tomou uma decisão. Gérberas, crisântemos e rosas têm seus caprichos. Para cultivar tamanha delicadeza, mulheres fortes, que aprenderam a voar sozinhas enfrentando muitos desafios."Graças a Deus, eu me considero uma vencedora", comemora a produtora de flores Marilene Paulina dos Santos.
LibertaçãoPara essas mulheres, a luta da semana inteira não é sinônimo de cansaço e sim de libertação. Elas criaram uma cooperativa para plantar e vender um produto até então estranho no brejo paraibano. E a novidade despertou ciúmes. "Alguns maridos não aceitavam a idéia da mulher conseguir a independência financeira. Eles trabalhavam na plantação de banana e de cana-de-açúcar, ou seja, uma plantação totalmente oposta a de flores. Mas nós estudamos, nos capacitamos e abraçamos a causa de que a flor seria nosso refúgio", conta Karla, que é presidente da cooperativa.
CoraçãoO trabalho diário nas estufas conquistou o coração das donas de casa. No local elas se abrigaram do machismo. "Ele não acreditava, dizia que não ia dar certo. Mas eu não liguei para isso e fui em frente. Trabalhei dez meses de graça. Plantamos e colhemos. Quando eu cheguei em casa com o dinheiro, ele acreditou", lembra a produtora de flores Maria Cristina dos Santos.
CrescimentoA cooperativa cresceu, fez clientes em três estados. Cada uma das 36 produtoras de flores passou a receber até dois salários-mínimos por mês. Hoje, 90% delas hoje sustentam marido e filhos. Mas, para algumas, o sucesso profissional veio acompanhado da intolerância. "Ele não tinha condições de sustentar a mim e aos meus filhos porque aqui o pessoal ganha de R$ 30 a R$ 40 por semana. Quando eu peguei meu dinheiro, foi um problema. Teve um dia que ele partiu para agressão. Ele pegou um cabo de vassoura, e eu peguei outro. Foi então que a gente se separou", lembra Marilene Paulina. "Discussões, muitas ameaças e chantagens. É horrível viver em um mundo de pressão, de chantagem, de ameaças", diz Karla.
AmeaçasQuanto mais flores brotavam mais o casamento de Karla afundava. A fase do amor incondicional pareceu murchar quando o trabalho desabrochou e trouxe vida nova para as mulheres. Karla tornou-se exuberante profissionalmente, mas ainda não encontrou a paz que procura. "Certo dia as meninas estavam com medo porque à noite tinha havido uma invasão, com tiros, na cooperativa. Então, elas se reuniram e se abraçaram comigo. Juntas, fomos procurar a Justiça. Ele passou uma semana preso.
Não sei se vai resolver o problema, porque ele continua me ameaçando", conta Karla, que trabalhou dobrado nos últimos anos, certa de que, dona do próprio dinheiro, se tornaria dona do próprio destino. Separada, mudou-se para a cidade e agora vai à cooperativa poucas vezes. A plantação é vizinha à fazenda em que viveu e onde o ex-marido ainda mora. "Não temos como arrancar as estufas porque são fixas. Tem todo um histórico, um investimento, um trabalho enraizado aqui", explica Karla.
CompanheirismoForte também é o companheirismo entre essas mulheres. A luta de Karla é a luta de todas. "No começo, foi uma dificuldade muito grande para ela vir aqui. Hoje, com a graça da Deus, nós estamos botando o barco para andar. Mas isso depende um pouco de cada uma de nós. Cada qual fazendo o seu papel, chegamos lá", diz uma das produtoras de flores. Como tantas outras mulheres, Karla aprendeu o que é dormir com o inimigo. E hoje sabe que para encontrar a liberdade é preciso apostar em si mesma. "Quero ajudar outras mulheres que estão passando pelo que estou passando e que talvez não tenham a mesma coragem que eu tive. Sigam para frente. Para frente é que se anda. Criem seus filhos, trabalhem, deem uma boa educação, porque não tem como plantar milho e colher feijão. Se você plantar o bem, vai colher o bem", ressalta.
SonhoO bem para ela é inspirador como o laranja. "É fruto de um sonho que foi colocado em prática, um sonho está acontecendo nas nossas vidas", diz Karla. A melhor parte do sonho é simplesmente branca: tem a cor da paz e a companhia feliz da filha.