Colunistas / A Boa Mesa
Dom Franquito

Bacalhau a martelo e moqueca de pescada do Moreira para DOM FRANQUITO

O restaurante só abre para o almoço, comida popular de ótimo sabor e preços sem a CPMF
28/08/2015 às 10:07
 Próximo de completar 80 anos de existência no Largo do Mocambinho, área pública sempre precisando de melhorias por parte da Prefeitura, o Restaurante Porto Moreira é o meu preferido na Cidade do Salvador da Bahia. 

   Frequento esta casa há mais de 40 anos, desde idos do saudoso 'Diário de Noticias', jornal onde trabalhávamos na década de 1970 e ficava situado na atual Carlos Gomes de Baixo, onde se encontra o Centro Cultural da Caixa.
   
   Falar sobre as histórias e os causos no Moreira é 'chover no molhado'. São tantas e renomados que daria para publicar um livro. A última, contou-me Antonio Moreira, um dos filhos do 'velho' Moreira português fundador do estabelecimento, em 1938, foi que Raimundinho, ex-jornalista, boêmio de longo curso, deixou de beber. 

   Noticia frugal, sem menor valia, diria. Mas, para os frequentadores históricos do Moreira, noticia relevante. Raimundinho era bom de copo.
 
  Essa, aliás, uma das condições essencias dos clientes do Porto Moreira. O camarada, a donzela, a viúva, o noviço, a freira, o advogado, o escriba, o poeta ou quem por lá se achegue tem que ser bom de copo. E, óbvio, de prato. Nada de naturebas, orgânicos e outros bichos grilos. 

   No Moreira, saborer uma moqueca de carne com camarão seco, pimenta malagueta, farinha e andu tem que apreciar uma pinga, mineira de preferência. A casa é portuguesa, com certeza, mas, nunca faltam uma Seleta, das Gerais, uma Claudionor.
 
  Ir ao Moreira é, também, revisitar um passado da Cidade da Bahia, seus personagens, suas fotos nas paredes, sua ambientação, seu mobiliário, sanitário trancado a chave que fica no balção, como se ainda estivessemos na velha Bahia mundana do Cabaré de Zazá, do inesquecível Tabaris e de Sandoval do Bandolim. 

   Uma cidade que foi sepultada pela violência, que não permite mais se andar pelo centro às noites, salvo se acompanhado por uma patrulha da PM. Até no Pelourinho, centro histórico mais importante do barroco no país, os grupos de turistas têm que ser seguidos por duplas de PMs.
 
   Estarrecedor meu caro leitor. Diferente da velha Lisboa dos Moreira, dos Lemos, dos Maia, dos Fonseca, dos Filgueiras, que continua permitindo que as pessoas frequentem as suas ruas às madrugadas, no Chiado, no Rossio, na Alfama e Castelo, para apreciar uma sardinha frita com vinho ou um bacalhau lagareiro.
 
  Então, pra matar a saudade da velha terra de Camões estive recentemente no Moreira, em familia, para apreciar um Bacalhau a Martelo. Como havia demais na mesa, a senhora Antonia, minha sogra, Agapito, el dios del amor, e la Bion, providenciei junto a Ailton, nosso garçom preferido, um filé de pescada amarela e um filé de rés.
  
 Antonio, o Moreira mais velho (há Francisco, o Moreira mais novo e seu irmão) pilhereia comigo dizendo que Agapito, quando pequeno, comia meio filé. Mas, agora, o próprio Moreira é quem soletra: - Um camarada grande desses tem que comer um filé inteiro.
 
  Claro que Antonio quer 'vender seu peixe' faturar algo mais e tenho que concordar e adicionar: - Um filé inteiro com fritas em separado. O que vale duas faturas.
 
  Faturar é com Antônio, controlar a cozinha e despachar com Chico. Servir com Ailton. 

  A contabilidade do Moreira mais velho só ele consegue controlar. É feita com um monte de papeizinhos onde vai rabiscando os pedidos numas 'comandas' que só ele consegue decifar. E quem há de querer entendê-las! Bisbilhoteá-las! 

  Há questionamentos eventuais de clientes. Mas, todo mundo paga o que ele cobra, porque tem prática na arte de somar, na cabeça, sem máquina de calcular, sem nada. E sem erros, diga-se de passagem. E se alguns houver, claro, a culpa é do cliente.
  
 - Sua mesa foram duas moquecas, 4 cervejas, duas pingas, três ambrosias, duas águas minerais, um doce de leite e é tanto.
 
  Fim de papo. Não há o que contestar.

   Ao lado da nossa mesa estava o jornalista Navarrinho e esposa e o poeta Capinam. Papo de intelectuais. Na mesa da diretoria um grupo de frequentadores habituês. Nas sextas, essa mesa é reservada para a turma de Armando Lemos, Valmar, Raul, Miruca, Lulu  e outros integrantes da velha Bahia.
   
   Estávamos a conversar, dona Antonia admirada com o movimento, com o burburrinho das falas. Nisso chega o vendedor de tabocas. Isso mesmo. Tem também um engraxate sempre a propor um brilho nos sapatos. Vendedor de amendoin! Não entra.

   Restaurante popular é assim mesmo.

   Pousou na nossa mesa as refeições. Alegria geral. Dona Antonia esboçou um sorriso. Agapito ainda não havia chegado, mas, Ailton informa que seu filé já está no fogo.

   As primeiras garfadas são generosas. Afinal, só havíamos comido de entrada o pão sapecado. Pão da Padaria Bola Verde, do Largo 2 de Julho. O sapecamento é feito com o pão espetado no garfo, tostado no fogo. Às vezes fica com um gostinho do gás de cozinha, mas, é sempre delicioso. 
  
   Festança geral. O bacalhau estava apetitoso e a pescada amarela mais ainda. La señora Bião não lhe gusta a pescada. É chique essa madame! Preferiu o norueguês a martelo. As geladas eram servidas à mancheia. 
 
  E, senhoras e senhores, chega Agapito, esfomeado. Tinha acabado de surfar. Comeria um boi quanto mais um filé.
 Esse é o Porto Moreira. Domingo que vem, se vivo estiver, passo por lá.

  Que loucura! Só pode ser vivo. Morto não come Bacalhau a Martelo.
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Restaurante Porto Moreira
Largo do Mocambinho
Rua Carlos Gomes, 489
Fone 71. 3322.4112
Média de preço dos pratos R$35,00 a R$40,00
Aceita cartão de crédio
Se você pagar no efetivo o dono agradece
Ambiente simples sem ar condicionado
Estacionamento no Largo 2 de Julho
Sábado (à tarde) e domingo estacionamento em frente ao Restaurante
Só abre para almoço 
Por gentileza aos boêmios nas sextas fica até 20h por aí
Classificação 4 DONS