MP apresenta estudos mas não diz que instituição fez o trabalho e como chegou a conclusão preliminar de 100.000 sepultados
MP BA , Salvador |
24/10/2025 às 18:23
Análise carece de um estudo mais aprofundado
Foto: MP
Estudos apresentados no Ministério Público do Estado da Bahia indicam que antigo cemitério, localizado no estacionamento da Pupileira, na Santa Casa de Misericórdia, em Salvador, abriga os corpos mais de 100 mil pessoas escravizadas. Resultado de uma pesquisa arqueológica, os dados foram apresentados no dia 21 em reunião no MPBA.
Os estudos indicam que os mais de 100 mil escravizados enterrados ali eram pessoas que viviam à margem da sociedade, como pobres, indigentes, não-batizados, excomungados, suicidas, prostitutas, criminosos e insurgentes. "É um tema de relevância para a formação da memória social e coletiva da Bahia e do país, pois estamos falando de séculos em que pessoas foram retiradas de seu território de maneira forçada para serem escravizadas e que tiveram seus laços quebrados e memórias apagadas", ressaltou a arqueóloga Jeanne Almeida, que liderou as pesquisas.
Atualmente, o local onde se encontra o antigo cemitério funciona como estacionamento. Como próximos passos, o MPBA, tendo por base a recomendação apresentada pelo Iphan durante a reunião, irá emitir uma recomendação para que a Santa Casa suspenda o uso do local como estacionamento. "Entendemos que o próximo passo é garantir a proteção do local enquanto sítio arqueológico de memória sensível e promover uma escuta social dos movimentos sociais, lideranças religiosas e espirituais a fim de iniciarmos um processo de reparação histórica, rompendo um ciclo de silenciamento e apagamento desses grupos, para irmos construindo caminhos possíveis para o local" afirmou o promotor de Justiça Alan Cedraz, coordenador do Núcleo de Defesa do Patrimônio Histórico, Artístico e Cultural (Nudephac).
Ao lado do promotor de Justiça Alan Cedraz, conduziram o evento as promotoras de Justiça Cristina Seixas e Lívia Sant’Anna Vaz. A reunião contou ainda com a participação de representantes da Santa Casa de Misericórdia — incluindo a assessoria jurídica da instituição e seu corpo técnico que também acompanhou toda a realização da pesquisa arqueológica —, a arquiteta urbanista e pesquisadora Silvana Olivieri, a arqueóloga Jeanne Almeida e o advogado e professor Samuel Vida. Também marcaram presença representantes do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), da Fundação Gregório de Matos (FGM) e do Instituto do Patrimônio Artístico e Cultural do Estado da Bahia (Ipac).
A arqueóloga Jeanne Almeida, responsável pela pesquisa arqueológica, apresentou os resultados do levantamento realizado entre os dias 13 e 23 de maio deste ano, descrevendo as etapas e os processos da pesquisa, que identificaram materiais e fragmentos ósseos humanos considerados potenciais vestígios do antigo cemitério. Ela detalhou também os procedimentos laboratoriais e as análises em andamento, ressaltando a importância do cumprimento dos cuidados técnicos nas atividades de campo e do compromisso institucional firmado para a preservação e condução responsável das intervenções no local.
Para arquiteta e pesquisadora Silvana Olivieri e o professor Samuel Vida, o resgaste deste acervo arqueológico tem um papel fundamental para a construção da memória dos legados populares e sua reparação histórica. Silvana também reforçou o pedido para que o local não seja utilizado como estacionamento e seja reconhecido como 'Sítio Arqueológico Cemitério dos Africanos', solicitação já encaminhada ao Iphan que, por ocasião da reunião, apresentou o parecer técnico recomendando a homologação do antigo cemitério do Campo da Pólvora para reconhecimento como sítio arqueológico e proteção da área, recomendando que seja vedado o uso como estacionamento de veículos. O documento foi encaminhado ao Centro Nacional de Arqueologia (CNA). A equipe propôs como direcionamento, a partir das conclusões da pesquisa, a escuta pública a fim de promover uma discussão ampliada sobre o uso do espaço.
O levantamento arqueológico é fruto de um conjunto de ações que teve início em dezembro de 2024, com a instauração de procedimento administrativo pelo Nudephac, que teve como um de seus desdobramentos principais a celebração do termo de cooperação técnica entre a Santa Casa, o grupo de pesquisadores e o MPBA viabilizando, assim, o início da pesquisa arqueológica, que ainda contou com a realização de um ato inter-religioso, reforçando o compromisso institucional do Ministério Público da Bahia em assegurar que a pesquisa e a gestão do espaço não reproduzam o mesmo silenciamento histórico que o apagamento do cemitério simboliza.