Acolhendo pedidos feitos pela Defensoria Pública da União (DPU), o ministro Ricardo Lewandowski suspendeu, na última sexta-feira (24), ordens de reintegração de posse em dois imóveis rurais no Extremo Sul da Bahia: Fazenda Marie, no Município de Itamaraju (BA), e Fazenda Santa Rita III, no Município de Prado (BA), ocupadas e reivindicadas por indígenas Pataxó. O ministro considerou plausíveis os argumentos da DPU nas Reclamações Constitucionais (RCL 58582 e RCL 58600) e entendeu que as ordens de reintegração contrariam decisão do ministro Edson Fachin, no Recurso Extraordinário nº 1017365/SC.
Pouco antes de saírem as decisões, na mesma sexta-feira (24), a DPU havia apresentado, por intermédio do defensor regional de Direitos Humanos (DRDH) na Bahia, Gabriel César dos Santos, e do subdefensor federal Bruno Arruda, que atua nos tribunais superiores, uma nova Reclamação Constitucional (RCL 58697), com pedido de liminar, ao Supremo Tribunal Federal (STF), para impedir a desocupação de indígenas de um terceiro imóvel, a Fazenda Therezinha, que está dentro dos limites da Terra Indígena Comexatibá, em Prado, mesmo local onde, em setembro do ano passado, o adolescente indígena Gustavo Pataxó, 14 anos, foi assassinado por pistoleiros. Essa reclamação ainda não foi distribuída.
Decisões que violam o entendimento do STF
A decisão pela desocupação de área da Fazenda Therezinha foi proferida, na última quinta-feira (23), pelo juiz federal Raimundo Bezerra Mariano Neto, da Subseção da Justiça Federal de Teixeira de Freitas. O mesmo magistrado já havia ordenado, no dia 17 de março, a retirada de indígenas das Fazendas Santa Rita III e Marie, determinações agora suspensas após atuação da DPU. Em suas decisões, o juiz da 1ª instância estipulou o prazo de 72 horas, a partir da ciência, para desocupação das áreas, que estão sob processo de demarcação como territórios tradicionais indígenas.
De acordo com o DRDH na Bahia, as três decisões violam o entendimento do STF, no Recurso Extraordinário nº 1017365/SC. Nele, o ministro relator Edson Fachin determinou, em maio de 2020, “a suspensão nacional dos processos judiciais, notadamente ações possessórias, anulatórias de processos administrativos de demarcação, bem como os recursos vinculados a essas ações, sem prejuízo dos direitos territoriais dos povos indígenas, modulando o termo final dessa determinação até a ocorrência do término da pandemia da COVID-19 ou do julgamento final da Repercussão Geral no Recurso Extraordinário 1.017.365 (Tema 1031), o que ocorrer por último, salvo ulterior decisão em sentido diverso”.
“Revejo a posição adotada”
Em setembro de 2022, a Subseção Judiciária de Teixeira de Freitas proferiu decisão postergando a análise do pedido de reintegração de posse da Fazenda Therezinha. Em junho de 2022 e em janeiro de 2023, o mesmo juízo indeferiu pedidos liminares de reintegração de posse apresentados contra as comunidades de Comexatibá, da Fazenda Santa Rita III, e de Barra Velha do Monte Pascoal, respectivamente, levando em consideração o entendimento do STF.
A partir da semana passada, a Justiça Federal local passou a entender que, até que sobrevenha a definição dos processos administrativos em curso, “é preciso respeitar e resguardar os interesses das pessoas que, de maneira ordeira, eram possuidoras das áreas objeto do esbulho, e nas quais desenvolviam atividades econômica e ecologicamente sustentáveis, geradoras de renda e empregos nos municípios em que localizadas”, diz trecho contido nas três decisões.
Além das três deliberações atacadas pela Defensoria, uma quarta decisão, do mesmo magistrado, pediu a retirada de indígenas de outra área, a Aldeia Quero Ver. Nesse último caso, a reclamação contrária (RCL 58551) foi apresentada pelo Conselho Indigenista Missionário (CIMI), organismo vinculado à Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB). Esta também foi acolhida, na semana passada, pelo STF, quando o ministro Alexandre de Moraes, responsável por apreciar esse pedido, cassou a decisão.
O Ministério Público Federal (MPF) também se manifestou nos processos e apresentou agravos de instrumento contra as decisões pela retirada dos indígenas. O recurso foi interposto pelo procurador da República José Gladston Viana Correia.
Criminalização dos indígenas e demora na demarcação
Para o DRDH na Bahia, as decisões ocorrem em meio a uma “ofensiva”, apoiada por parte da imprensa, que tenta desqualificar e criminalizar os povos indígenas, que lutam, há muitos anos, pela demarcação do seu território ancestral. Essas comunidades estariam localizadas em áreas sob processo demarcatório avançado, fato atestado pela própria Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai) no curso dos processos.
Apesar de adiantados, os processos administrativos demarcatórios estão travados há anos e a demora nesse andamento faz com que esses conflitos se intensifiquem no Extremo Sul da Bahia, região também conhecida pela forte especulação imobiliária. Do ano passado para cá, pelo menos sete indígenas teriam morrido, entre eles, o adolescente Gustavo Silva Conceição, o Gustavo Pataxó, assassinado por pistoleiros em um ataque à ocupação indígena na Fazenda Therezinha.
Para Gabriel César, por suspeitarem do envolvimento de fazendeiros com forças policiais locais e até com indígenas, os membros dessas comunidades já solicitaram apoio da Força Nacional para atuar no local e evitar confrontos. O defensor destaca que, “em alguns processos, já havia até expedição de ofícios para a polícia e para o comando da Força Nacional, pedindo ajuda para cumprir as ordens de reintegração”, afirmou.