Direito

BOICOTE DOS CONSUMIDORES AO TRIBUNAL PARALELO, por SÉRGIO SÃO BERNARDO

Sérgio São Bernardo é Advogado e Professor da Uneb.
Sérgio São Bernardo , Salvador | 14/05/2021 às 10:20
As vitimas do crime
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  Nesse momento, estamos acompanhando o caso do assassinato de duas pessoas negras, que, ao tentarem furtar produtos de um supermercado na cidade de Salvador, foram sumariamente levados ao “tribunal paralelo do crime” para pagarem pela suposta infração cometida. 

  Existe um argumento de que, através de um suposto laço entre prepostos da empresa varejista e o crime organizado, há uma sofisticada engrenagem para matarem pessoas sem o devido processo legal e sem qualquer observação aos direitos humanos. Esse método privado de resolução de conflitos e combate à criminalidade é cada vez mais recorrente. 

   Para além das medidas já tomadas pela empresa e o rumo que as investigações estão tomando, tudo indica que a justiça penal poderá ser insuficiente para coibir uma prática social instalada na própria história escravocrata e genocida do nosso país. 

   A questão que busco refletir aqui é: como os consumidores devem responder à situações em que fornecedores de bens e serviços não se comprometem com as regras éticas de respeito à dignidade e a integridade das pessoas e coisas? Sabemos da existência de casos análogos em outros países, em que o repúdio a estas práticas se dá pela atitude de não adquirir determinado produto, serviço ou marca.

    Nesse caso, o boicote é um instrumento eficaz para aquilo que os defensores da doutrina da indenização têm como máxima: "a parte que mais dói no corpo é o bolso". Uma outra dimensão, é aquela em que o ato inconformista dos consumidores faz questionar a credibilidade das empresas.

   Quando compramos um produto ou serviço nos fidelizamos a uma marca, como se nela estivessem inscritos valores associados ao modo de como queremos que seja o mundo e as relações entre as pessoas. Boicotar uma marca, produto ou serviço tem sido uma arma poderosa num cenário em que muitas corporações parecem não atentar ao respeito às pessoas, às coletividades e à sustentabilidade planetária. 

    Para além das manifestações dos movimentos sociais na busca da justiça política e estatal, temos que pensar na responsabilidade social das corporações e na responsabilidade de toda sociedade no combate a uma situação cada vez mais banalizada ou tratada com indiferença. 

   As diversas manifestações (ruidosas ou silenciosas) não surtem efeito sem atos que interfiram na lógica das coisas. A responsabilidade do consumidor como ato político tem que alvejar o sentido do mercado e as suas estruturas desumanizantes. Boicote é a resposta dos consumidores para que a justiça seja feita.