Direito

DIREITO DO CONSUMIDOR: SOBRE IMÓVEIS ATRASADOS, POR HENRIQUE GUIMARÃES

VIDE
| 25/10/2011 às 09:00
 

No último dia 26 de setembro de 2011, o Ministério Público de São Paulo firmou um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) com o Sindicato das Empresas de Compra, Venda, Locação e Administração de Imóveis Residenciais e Comerciais de São Paulo (SECOVI-SP).

A notícia naturalmente gerou algumas dúvidas para os consumidores: O que é um TAC? Ele se aplica à Bahia? O que ele mudou? Aqui responderemos a estas e outras questões pertinentes ao tema.


O QUE É UM TAC


TAC, é um termo, acordo, formalizado onde o particular (pessoa física ou jurídica) se compromete a adotar determinada conduta especificada pelo Ministério Público e, em contrapartida, deixa de responder à uma ação civil pública por parte deste.


É importante esclarecer aos consumidores, no entanto, que o TAC funciona como garantia mínima, ou seja, na realidade ele não restringe nem reduz direitos.


Os demais direitos dos consumidores com obras atrasadas que não fizeram parte do TAC podem ser pleiteados judicialmente de forma normal. E aqueles direitos que fizeram parte do TAC de forma reduzida também podem ser pleiteados em juízo de forma mais ampla.


Em resumo, o consumidor com obra atrasada continua podendo pleitear judicialmente:

  • 1) Aluguéis por cada mês de atraso da obra, no valor de 1% sobre o imóvel em atraso;
  • 2) Juros de mora por cada mês de atraso da obra, no valor de 1% sobre o imóvel em atraso;
  • 3) Multa de mora de 2% sobre o valor do imóvel;
  • 4) Danos morais;
  • 5) Restituição em dobro do valor de corretagem;
  • 6) Congelamento do saldo devedor durante o período de atraso;
  • 7) Anulação da cláusula de tolerância;
  • 8) Restituição de taxas condominiais cobradas antes das chaves;
  • 9) Restituição de juros remuneratórios cobrados antes das chaves.
  • 10) Restituição de outras taxas abusivas como taxa de assessoria jurídica, Taxa Sati, de administração, de interveniência, etc.

DE QUE TRATA O TAC


O referido TAC objetivou proceder a um regramento no que diz respeito à cláusula de tolerância, aquela que estica o prazo para as construtoras entregarem a obra, geralmente por mais 180 dias além do prazo inicial.


PORQUE O TAC NÃO É INTERESSANTE PARA OS CONSUMIDORES?

  • 1) Simplesmente porque ele busca regulamentar uma cláusula que é ilegal à luz dos princípios do Direito do Consumidor (cláusula de tolerância), já que viola o equilíbrio das relações de consumo;

  • 2) Porque as penas previstas para os casos de descumprimento são muito mais brandas, terminando até por servir mais como estímulo do que como freio para os atrasos. Vale registrar que os tribunais brasileiros de forma geral tem concedido aluguéis, juros de mora, multas, danos morais etc, que têm impacto muito maior contra as construtoras e beneficiam muito mais os consumidores;

  • 3) Pode ter o efeito indesejável de induzir juízes a aceitarem a cláusula de tolerância como legal.

PROJETO DE LEI NA CÂMARA (Nº178/11)
PROPÕE FIM DA CLÁUSULA DE TOLERÂNCIA


A prova de que a sociedade já não suporta mais os atrasos das construtoras, constatando a inoportunidade deste TAC, é a existência do Projeto de Lei 178/11, que Tramita na Câmara, do deputado Eli Correa Filho (DEM-SP). Ele torna nulas as cláusulas contratuais que instituírem tolerância para atraso na entrega de imóvel.


Segundo o texto, em caso de atraso a construtora terá de pagar ao comprador multa correspondente a 2% do valor do contrato. A multa deverá ser atualizada monetariamente e acrescida de juros de 1% ao mês, até a data da efetiva entrega do imóvel.

A falta desta lei faz com que as construtoras continuem utilizando esta cláusula abusiva e obrigando os consumidores a irem a juízo buscarem a sua anulação.


O TAC do MP DE SÂO PAULO
SE APLICA À BAHIA?


Felizmente o TAC mencionado neste artigo não se aplica ao Estado da Bahia. Para que isso aconteça, o MP da Bahia terá que referendá-lo, assim como os demais estados da Federação que tiverem interesse. Esperamos que isso não aconteça, para o bem dos consumidores.


POR QUE A CLÁUSULA DE TOLERÂNCIA É ILEGAL?


O direito do consumidor tem entre os seus princípios o do equilíbrio das relações de consumo, da equidade, a se refletir na bilateralidade dos contratos de consumo. Ou seja, isso quer dizer que a relação de consumo tem que ser equilibrada, na sua balança de prestações e contra-prestações, não podendo pender com a desigualdade de benefícios para uma das partes. Neste sentido o art. 51, IV do CDC:


Art. 51 -São nulas de pleno direito, entre outras, as cláusulas contratuais relativas ao fornecimento de produtos ou serviços que:

I - impossibilitem, exonerem ou atenuem a responsabilidade do fornecedor por vícios de qualquer natureza dos produtos e serviços ou implique em renúncia ou disposição de direitos. (...);

III - transfiram a responsabilidade a terceiros;

IV - estabeleçam prestações consideradas iníquas, abusivas, que coloquem o consumidor em desvantagem exagerada, ou sejam incompatíveis com a boa-fé ou a equidade;


Vale também a lição de Felipe Peixoto Braga Netto:


"Serão inválidas as disposições que ponham em desequilíbrio a equivalência entre as partes. Se o contrato situa o consumidor em situação inferior, com nítidas desvantagens, tal contrato poderá ter a sua validade judicialmente questionada, ou, em sendo possível, ter apenas a cláusula que fere o equilíbrio afastada". (Felipe Peixoto Braga Netto, in Manual de Direito do Consumidor, Salvador: Edições Juspodivm, 2009)


Por outro lado o Superior Tribunal de Justiça recentemente reconheceu a:


 "imposição de um novo paradigma de boa-fé objetiva, equidade contratual e proibição da vantagem excessiva nos contratos de consumo (art. 51, IV)" (STJ, REsp.437.607, rel. Min. Hélio Quáglia Barbosa, 4ª T., j. 15/05/07, DJ 04/06/07).


Qualquer cláusula em contrato de consumo igualmente não pode ofender os princípios constitucionais da razoabilidade e proporcionalidade:


"NÃO PODE A ESTIPULAÇÃO CONTRATUAL OFENDER O PRINCÍPIO DA RAZOABILIDADE, E SE O FAZ, COMETE A ABUSIVIDADE VEDADA PELO ART. 51, IV,DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR. ANOTE-SE QUE A REGRA  PROTETIVA, EXPRESSAMENTE, REFERE-SE A UMA DESVANTAGEM EXAGERADA DO CONSUMIDOR, E AINDA, COM OBRIGAÇÕES INCOMPATÍVEIS COM A BOA-FÉ E A EQUIDADE" (STJ, RESP 158,728, REL. MIN. CARLOS ALBERTO MENEZES DIREITO, 3ª T., J. 16/03/99, P.DJ 17/05/99)


Assim, a maioria das entidades de proteção dos consumidores entende que na medida em que o contrato confere à construtora o direito de atrasar o cumprimento de sua obrigação (entregar a unidade imobiliária), o mesmo direito deve ser conferido ao adquirente, de modo a ter um "prazo de carência" para o cumprimento de suas obrigações - realização dos pagamentos.

Assim, se o contrato concede esse direito à construtora, e não o defere ao adquirente, pode-se concluir que houve desrespeito à exigência do CDC no que se refere ao equilíbrio contratual.



A jurisprudência já vem re conhecendo essa realidade:


"PROMESSA DE COMPRA E VENDA DE IMÓVEL - ATRASO NA ENTREGA DA OBRA - INDENIZAÇÃO POR LUCROS CESSANTES - TEORIA DA IMPREVISÃO - INAPLICABILIDADE PRORROGAÇÃO DO PRAZO DE TOLERÂNCIA - CLÁUSULA ABUSIVA - CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR.

(...)

3. A cláusula que faculta à construtora o adiamento da entrega da obra por doze meses após o prazo previsto, sem qualquer justificativa para tanto, é abusiva e nula de pleno direito, por configurar nítido desequilíbrio contratual, rechaçado pelo Código de Proteção e Defesa do Consumidor.

4. Recurso do autor provido parcialmente. Recurso da ré improvido. Decisão unânime."

(TJ/DF - 5ª T. Cív.,Ap.Cív. nº48245/1998, Rel. Des. Adelith de Carvalho Lopes, julg.08.03.1999)


"EMENTA - COMPROMISSO DE COMPRA E VENDA DE IMÓVEL A PRESTAÇÃO PRAZO DE ENTREGA DO IMÓVEL COMPROMISSADO. INADIMPLÊNCIA DA COMPROMISSÁRIA VENDEDORA. PRAZO DE TOLERÊNCIA PRVISTO NO CONTRATO.


Considera-se inadimplente a construtora e compromissária vendedora quando não faz entrega do bem compromissado no prazo previsto no contrato, autorizando o acolhimento do pedido de rescisão feito pelo compromissário comprador, com devolução de todas as parcelas pagas, devidamente corrigidas, mais juros de mora e outras penalidades previstas em contrato.

O prazo de tolerância previsto em contrato somente é justificativa para a prorrogação do prazo contratual de entrega do imóvel compromissado quando ocorrer caso fortuito ou força maior devidamente comprovado nos autos."

(TJ/MJ - 7ª C. Cív., Ap. Cív. Nº361743-8, Rel. Des. José Afonso da Costa Côrtes, julg. 06.06.2002).




CONCLUSÃO


O TAC por enquanto não se aplica à Bahia e, sinceramente, esperamos que não seja referendado pelo MP baiano, pelos motivos já apresentados. Também não reduz nem restringe os direitos que os consumidores possuem em face do atraso de obras, de modo que quem se sentir prejudicado por tais situações continua podendo exercer na plenitude todos os direitos de consumidor aqui já relacionados, através da via judicial.

Fique atento, consumidor inteligente é consumidor bem informado!