A contratação de obras e serviços de engenharia por pregão causa dúvidas e incertezas nos gestores públicos. O pregão é uma modalidade de licitação, regulada pela lei no 10.520/02, que foi concebida para dar maior celeridade e eficiência às contratações públicas, sob a alegação de que as modalidades previstas na Lei de Licitações (no 8.666/93) não traziam a agilidade necessária às contratações da Administração.
O pregão foi inicialmente previsto na modalidade presencial (decreto no 3.555/00) e posteriormente, também na forma eletrônica (decreto no 5.450/05). Desde então, tem sido largamente utilizado pelos administradores públicos, tendo o TCU (Tribunal de Contas da União) sido enfático quanto à sua utilização nas contratações, quando cabível.
Contudo, nem toda contratação pode ser feita por meio dessa modalidade. O objeto desse tipo de licitação é a aquisição de bens e serviços comuns, cujo desempenho e qualidade são definíveis objetivamente pelo edital, por meio de especificações usuais no mercado.
As características essenciais do objeto devem ser claramente divulgadas para dirimir incertezas dos interessados, como forma de garantir a igualdade de tratamento dos concorrentes. Esta licitação deve se limitar à aquisição de bens e serviços, claramente identificados. Assim, a licitação para contratação de obras não poderia ser realizada por meio de pregão, uma vez que a Lei de Licitações diferencia obra ("toda construção, reforma, fabricação, recuperação ou ampliação") de serviço (que pode ser "demolição, conserto, instalação, montagem, operação, conservação, reparação, adaptação, manutenção, transporte", dentre outros).
Controvérsias
Há, certamente, aqueles que defendem a aplicação do pregão para obras consideradas comuns, porém, o tema é ainda bastante controverso e não possui ampla aceitação nos tribunais. O primeiro óbice para esta contratação é o disposto no decreto no 3.555/00, que foi editado anteriormente à lei no 10.520/2002, pois regulamentava a Medida Provisória que instituiu o pregão, posteriormente convertida em lei. O decreto no 3.555/00, que permanece vigente, em seu artigo 5o, expressamente veda o pregão presencial para as contratações de obras e serviços de engenharia.
Em contrapartida, a alegação dos que defendiam a utilização do pregão nesta situação era de que o próprio decreto havia permitido, em seu Anexo II, a utilização do pregão para a manutenção predial, que é considerada serviço de engenharia. Logo, a proibição contida em seu artigo 5o não seria absoluta, tanto que o decreto previa uma exceção.
Todavia, este argumento perdeu o seu embasamento jurídico a partir da promulgação do decreto no 7.174/10, que revogou expressamente o anexo II decreto no 3.555/00, excluindo a previsão de que os serviços de manutenção predial são de natureza comum. Portanto, hoje, não haveria mais exceção à regra.
Reviravolta
Contudo, a disposição que veda a utilização do pregão presencial para serviços de engenharia exposta no decreto no 3.555/00 deve ser relativizada, como entende a jurisprudência mais recente, bem como o TCU. Isto porque a lei no 10.520/02, de data posterior, condiciona o uso da modalidade pregão somente aos bens e serviços comuns, sem excluir quaisquer espécies de serviços, inclusive os de engenharia. Ou seja, de acordo com a lei, caso haja serviço de engenharia de natureza comum, sem maiores especificidades, em princípio, seria permitida a adoção do pregão.
Ora, se a lei não exclui o pregão, o decreto, de hierarquia normativa inferior e com o propósito específico para regulamentar a sua execução e a concretização, não o poderia excluir.
Além disso, o decreto no 5.450/2005, que regulamenta o pregão na forma eletrônica, estabeleceu apenas que esta modalidade não é aplicável às contratações de obras de engenharia. Esta disposição serve para reforçar dois entendimentos já expostos: (i) como a lei no 10.520/02 restringe o pregão a bens e serviços, não podem ser contratadas obras, e (ii) é possível a contratação de serviços de engenharia na modalidade de pregão eletrônico, por não haver expressa vedação legal; portanto, seria um contrassenso vedar a utilização do pregão na forma presencial.
Cuidados
Desta forma, a dúvida que permanece para os gestores públicos é sobre quais serviços de engenharia seria possível a contratação pelo pregão. A resposta não é simples. Não há uma lista prevista de serviços na legislação sobre o que poderia ser considerado serviço comum, o que faz com que a decisão seja discricionária do administrador público. Ademais, a jurisprudência não está consolidada a este respeito, existindo decisões de tribunais tanto acatando a tese de que serviço de engenharia pode ser contratado por meio de pregão, como a rejeitando.
A decisão dependerá da análise do caso concreto, devendo ser verificada a complexidade ou não dos serviços do ponto de vista técnico-jurídico, bem como as decisões dos Tribunais sobre a matéria. De todo modo, é recomendável que os gestores públicos, se utilizarem o pregão para serviços de engenharia, que usem-no exclusivamente para serviços simples, com padrões e desempenho de qualidade facilmente e objetivamente definidos em edital e que não exijam conhecimentos muito especializados ou tecnologia diferenciada, a fim de evitar qualquer questionamento que atrase e até mesmo impeça a realização das contratações públicas.
* Lucas Pessôa Lapa advogado do departamento de infraestrutura da Felsberg e Associados