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O Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu, na última quinta-feira (5/5), equiparar as relações entre casais homossexuais às uniões estáveis entre homens e mulheres. Na prática, a união homoafetiva foi reconhecida como um núcleo familiar como qualquer outro.
"Esta decisão inédita representa um marco na jurisprudência nacional, pois se reflete no reconhecimento de uma série de direitos aos casais do mesmo sexo, tais como direito à herança, direito à adoção, percepção de pensão alimentícia, inclusão como dependente em plano de saúde, entre outros", destaca a advogada responsável pelo ajuizamento, em 2005, de uma das primeiras ações com vistas ao reconhecimento de união homoafetiva no Tribunal de Justiça da Bahia, Sabrina Batista Moreira.
Ao julgar procedentes as ações que pediam o reconhecimento da relação entre pessoas do mesmo sexo, os ministros do STF decidiram que a união homoafetiva deve ser considerada como uma autêntica família, com todos os seus efeitos jurídicos. A partir da decisão, os ministros destacaram que o Congresso Nacional deve deixar de ser omisso em relação ao tema e regular as relações que surgirão a partir da decisão do Supremo.
21 PROJETOS
Atualmente tramitam no Congresso Nacional 21 projetos de Lei sobre o tema, que aguardam julgamento desde o ano de 1995. "Como em outras situações, o Poder Judiciário se antecipa ao Poder Legislativo e põe fim a uma situação de total insegurança jurídica, haja vista que com o julgamento pelo Supremo Tribunal temos uma uniformização dos julgados futuros. Até então, cada Juiz poderia decidir de forma distinta a mesma matéria", explica Sabrina.
Constitucionalidade A advogada acrescenta que a interpretação do Supremo reconheceu a quarta família brasileira. A Constituição prevê três enquadramentos de família: a decorrente do casamento, a família formada com a união estável e a entidade familiar monoparental (quando acontece de apenas um dos cônjuges ficar com os filhos). Agora, há a família decorrente da união homoafetiva.
O Código Civil refere-se a "homem" e "mulher". A interpretação do Ministro do STF, Ayres Brito, baseou-se no artigo 3º, inciso IV da Constituição Federal (CF), que veda a discriminação, qualquer que seja. Assim, ninguém pode obter tratamento diferenciado ou discriminatório em função da sua opção sexual. No julgamento, afirmou o Ministro que "o sexo das pessoas, salvo disposição contrária, não se presta para desigualação jurídica", concluindo com o argumento que qualquer depreciação da união estável homoafetiva colide, portanto, com a CF.
"Por consequência, é possível aferir que nada impede que o núcleo familiar seja constituído por pessoas do mesmo sexo, pois o elemento que as une é o afeto, a ajuda mútua e a vontade de permanecerem juntas", aponta Sabrina.
Pedido Duplo O julgamento do Supremo foi feito com base em duas ações: uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) e uma Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF). A ADPF foi transformada em ADI depois que se verificou que um de seus pedidos, o reconhecimento de benefícios previdenciários para servidores do estado do Rio de Janeiro, já havia sido reconhecido em lei.
A ADI foi ajuizada pela Procuradoria-Geral da República com dois objetivos: declarar reconhecimento da união entre pessoas do mesmo sexo como entidade familiar e estender os mesmos direitos dos companheiros de uniões estáveis aos companheiros nas uniões entre pessoas do mesmo sexo.
O argumento principal da ADPF transformada em ADI, proposta pelo estado do Rio de Janeiro, foi o de que o não reconhecimento da união homoafetiva contraria preceitos fundamentais constitucionais como igualdade e liberdade e o princípio da dignidade da pessoa humana. Os dois pedidos foram acolhidos.
Justiça da Bahia "Na Bahia, antes mesmo desta decisão do STF, já possuíamos julgados reconhecendo a união homoafetiva e seus direitos, seguindo uma tendência mundial. Infelizmente, a jurisprudência brasileira se encontrava ultrapassada, definindo a união homoafetiva como uma sociedade de fato, um negócio, o que negava o direito à herança, por exemplo. A partir da decisão do STF, o casamento civil entre pessoas do mesmo sexo será permitido e as uniões homoafetivas passam a ser tratadas como um novo tipo de família", reitera Sabrina Batista.
Para a advogada, a decisão do STF deve ser aplaudida na medida em que confere uma interpretação à Constituição compatível com os princípios da igualdade e da dignidade do ser humano. "Trata-se de um fato presente na vida da sociedade brasileira e que merecia reconhecimento pelo Judiciário no sentido de garantir os direitos decorrentes de uma situação semelhante a da união estável, que por sua vez, só passou a ter previsão legal expressa com o Código Civil de 2002", conclui.