Na cédula o Brasil se chamava República dos Estados Unidos do Brasil
Tasso Franco , Salvador |
27/11/2025 às 08:42
Reis em moedas e papel, cruzeiro e a poupança da Caixa
Foto: BJÁ
11. O DINHEIRO
Quando meus avós nasceram e durante as duas últimas décadas do século XIX período em que eram adolescentes o dinheiro que circulava em Serrinha era o Réis, o Real português da época da Colônia, que se pronunciava no plural. Ninguém falava “hum mil real” e sim “hum mil reis”. Se escrevia assim: 1$000.
Foi também um período de transição quando o Brasil deixou de ser Império com a queda da monarquia brasileira à frente dom Pedro II (1840 a 1889) e a ascensão da República com o marechal Deodoro da Fonseca, um velho monarquista fiel ao imperador e que, praticamente foi forçado a dar o golpe de estado diante das circunstâncias - a doença do imperador, a apatia de sua filha princesa Isabel e a força do movimento republicano com Floriano Peixoto, o general de ferro comandando nos bastidores, logo depois, “eleito” segundo presidente (1891-1894).
Mas estamos falando de dinheiro não de política, porém, dinheiro e política sempre andaram juntos, de mãos dadas, então, temos que falar dos dois.
A Serrinha nesse período de transição no Brasil já existia há quase 200 anos. O povoado, que nasceu em 1723, ficou um século (até 1823, quando houve a independência da Bahia) sob o regime colonial e a moeda circulante era o réis, em ouro e prata. Havia, ainda, muito escambo (troca de mercadorias uma pela outra; uma vaca por um burro; uma casa por uma fazenda, etc) porque o dinheiro na Colônia vinha de Portugal (Lisboa) e era pouco.
Quando Bernardo da Silva comprou as terras do Sítio Serrinha a Joanna Guedes de Brito, em 27 de setembro de 1723, ele pagou 2:200$000 réis. Bernardo morreu em 1750. Dezesseis anos depois, 1763, a viúva de Bernardo, Josefa Maria do Sacramento, vendeu parte que tinha da Fazenda Saco do Moura ao capitão Apolinário da Silva no valor parcial de 171$428 (réis).
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Como se juntava esse dinheiro e como fazia-o circular novamente?
Creio que vem dessa época a expressão “no pé da meia”. Literalmente, era assim. Guardava-se os réis numa caixa, numa meia, num baú. E quando da compra de imóvel ou uma coisa de maior valor levava-se o baú, contava-se o dinheiro na vista do tabelião (a venda do Saco do Moura o registro foi passado no cartório de Água Fria) e o negócio estava feito.
Como não havia facções criminosas na Bahia nem assaltos o dinheiro recebido era levado como carga num burro e colocado em casa. E ia circulando na medida que, houvessem novos negócios.
Há vários registros no Arquivo Público do Estado da compra de escravos, de dotes pagos com escravos, como a que deu Antônio Manoel da Silva ao seu genro Francisco Joaquim, casado com sua filha Rosa Maria, ...a crioulinha Agostina, em preço de 100$000 réis, o cabrinha Adriano por 70$000, a Francisca pelo preço de 50$000 e 14 oitavas de ouro lavrados e 50$000 em terras da Fazenda Pedra.
O ouro e a prata eram produtos circulantes em moedas ou lavrados. Essa era uma prática comum no período anterior a abolição da escravatura (1888).
Serrinha tinha passado da condição de Arraial (1780) à Distrito de Paz em 1º de junho de 1838 sendo nomeado pelo imperador Pedro II, o juiz de paz Miguel Carneiro da Silva Ribeiro (Pai Geza), principal liderança do Partido Conservador. Em 13 de junho de 1837, o arraial é elevado à condição de vila e se emancipa da Vila de Purificação dos Campos (Irará).
Então, observem que, entre o fim da Colônia (1823) e o início da República (1889) foram 66 anos de existência, que Serrinha passou da condição de povoado para arraial; de arraial a vila e o dinheiro circulante era o mesmo, réis; negócios feitos com pagamentos em ouro e/ou prata; e os escambos.
Quando Serrinha passou a ser cidade (1891) e instalou uma Câmara de Vereadores com intendente (prefeito) nomeado pelo presidente da Província (governador) meus avós eram pequenos e o dinheiro nada valia para eles, pois, se tivessem réis nos bolsos, não tinham onde gastar, salvo comprando algum doce.
Para seus país, no entanto, não só eles, mas toda a comunidade serrinhense, dar ao filho ou filha uma pulseira ou argola de ouro além de servir como status era um investimento. Ouro sempre foi (e ainda é) muito valioso.
Até mesmo quando meus avós eram jovens e estavam se preparando para se casarem na primeira década do século XX, o dinheiro era importante para se ganhar e guardar, o tal “fazer o pé de meia”, sobretudo para comprar uma casa. Havia um ditado reinante que era levado ao pé da letra: “quem casa, quer casa”.
Nessa época, as primeiras décadas do século XX (1910-1920) – quando meu pai nasceu (1910) os jovens e adultos já tinham mais locais para “gastar” dinheiro em diversões nos cine-teatros, nas festas, nas serestas, nos bufettes e buvettes (comidinhas, salgadinhos e bebidas alcoólicas), em sapatos, roupas, instrumentos musicais e outros.
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O dinheiro passou a circular mais, porém o papel moeda ainda era importado de Portugal. Embora o papel moeda tenha surgido na China, durante a dinastia Song por volta do ano 1000 d.C. as primeiras cédulas começaram a circular na Europa, em 1661, quando Johan Palmstruch criou a primeira cédula que funcionava como um "recibo" para quem depositava ouro ou prata no Banco de Estocolmo.
No Brasil, os primeiros bilhetes de banco, precursores das cédulas atuais foram emitidos pelo Banco do Brasil em 1810.
O Banco do Brasil foi fundado por Dom João VI, em 12 de outubro de 1808, Rio de Janeiro, quando da transferência da corte. O BB (pasmem) demorou 140 anos para chegar em Serrinha com a inauguração da agência em 1943. Antes, em 1936, foi instalada na praça Luís Nogueira, uma agência da Caixa Econômica Federal.
A essa altura, meus avós já estavam velhos, e foram seus filhos que usaram os serviços bancários e não eles.
A Caixa modificou os hábitos da comunidade serrinhense e sepultou (em parte, o pé de meia, os mealheiros) e as pessoas passaram a depositar seus recursos numa caderneta de poupança rendendo juros. Foi um alvoroço na cidade, mas, meus avós não se abalaram com isso, porém, meus pais, quando os filhos começaram a vir ao mundo a partir da década de 1940, tiverem suas cadernetas.
O impacto do Banco do Brasil foi ainda maior porque abriu concursos regionais e várias gerações de jovens serrinhenses ingressaram no BB e se aposentaram por lá. Ser bancário era uma profissão supervalorizada. E ser bancário do BB era o máximo. Não podia ser demitido, pagava um excelente salário e o banco cpnferia inúmeras vantagens, até plano de saúde.
Ainda no tempo dos meus avós se instalaram em Serrinha, o Banco Econômico (1949) e o Bancoda Bahia (1955).
Serrinha era o centro financeiro da região e os bancos chegaram (a exceção da Caixa) com uma nova moeda – o Cruzeiro, uma inovação chamada cheque, um papel que valia dinheiro. Nessa época, anos 1940/1950 possuir um talão de cheques era sinal de status. As pessoas tinham orgulho de chegar numa loga, comprar um objeto e sacar o talão de cheques.
Houve também uma mudança de hábitos no comércio com placas dizendo “aceita-se dinheiro ou cheque”. Era chique. Mas, também surgiram os cheques sem fundos de pessoas que compravam objetivos e quando o lojista ia ao banco buscar o dinheiro o caixa informava que não havia fundos.
O comércio também começou a vender no crediário com cheques pré-datados. Um cliente comprava uma cama por 200 cruzeiros, dava uma entrada de 100 cruzeiros e dois cheques de 50 cruzeiros cada para 30 e 60 dias.
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O Réis circulou (também pasmem) até 1942. A pergunta que se faz até os dias atuais é a seguinte: Por que o Brasil independente de Portugal desde 1822 e com uma República instalada em 1889, não tinha uma moeda que pudesse ser chamada de sua?
Há algumas especulações em torno desse tema: a herança colonial atrelada ao mercado financeiro controlado pela Europa (Londres) - por muitos anos o ouro brasileiro ia para Portugal, mas, como este país devia fortunas a Inglaterra, o ouro tinha como destino final Londres -, a apatia política brasileira no plano financeiro muito atrelada ao oficial (Banco do Brasil) e a Corte e a República Velha, a falta de uma visão empreendedora.
O Réis vigorou no Brasil por todo o período colonial, sendo mantido com o mesmo nome por mais de um século após a independência. O Réis chegou a ter 56 cédulas diferentes em circulação.
Em 1 de novembro de 1942, o Réis deixou de existir. Surgiu, então, a primeira versão do Cruzeiro. A nova moeda surgiu para unificar a moeda brasileira, reduzindo a quantidade de cédulas diferentes em circulação. Mil Réis passaram a valer um Cruzeiro (Cr$ 1).
As cédulas do Cruzeiro foram as primeiras a serem produzidas no Brasil. Até então, as notas eram importadas da Europa e dos Estados Unidos.
Esse Cruzeiro que foi a segunda moeda do tempo dos meus avós e a moeda de minha geração (1945) sofreu várias mudanças que vou apenas citar: Cruzeiro Novo (1967) – CR$ 1 mil passaram a valor NCr$1; Cruzeiro (1970) – NCr$1 para Cr$1); Cruzado (Plano Cruzado, 1980) – CR1.000 passaram a CR1; Cruzado Novo (1989). Cruzeiro (com Fernando Collor, 1990); Real (Plano Real, governo Itamar Franco, 1994), ainda hoje a atual moeda.
No dia 1º de julho de 1999, entraram em circulação as cédulas de R$ 1, R$ 5, R$ 10, R$ 50 e R$ 100. A cédula de R$ 2 foi lançada em dezembro de 2001 e a de R$ 20 surgiu em junho de 2002.
Em julho de 2010, foi lançada a segunda família de cédulas do Real, com as notas de R$ 50 e R$ 100. Em 2012, entraram em circulação as novas notas de R$ 10 e R$ 20. No ano seguinte, surgiram as novas versões de R$ 2 e R$ 5. A cédula de R$ 200 foi lançada em 2020.
Atualmente, há 7,5 bilhões de cédulas em circulação no Brasil, que totalizam R$ 326,4 bilhões. Já as 30,1 bilhões de moedas somam pouco mais de R$ 8 bilhões. Além disso, há 83 modelos de moedas comemorativas, com cerca de um milhão de unidades e valor somado de R$ 3,6 milhões. No total, todas as cédulas e moedas em circulação no Brasil no dia 8 de setembro de 2023 somavam o valor exato de R$ 334.470.696.055,44.
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No tempo dos meus avós, 1 conto de réis (1:000$000; mil mirréis) – hoje, corresponde a 123 mil reais - era muito dinheiro. Quem tinha contos de réis eram chamados de ricos.
Mas, como quantificar ou saber disso se não havia bancos até meados da década de 1940, em, Serrinha?
Sabia-se pela palavra e por compra de fazendas o único bem que superava 1ou mais contos. Uma fazenda que custasse R$10 milhões, hoje (exemplo aleatório) a pessoa tinha que pagar 100 contos de réis. Em Serrinha, ninguém tinha esse dinheiro.
Meu avô Jovino quando comprou o chalé da Praça Miguel Carneiro a transação foi de 12 contos de réis e ele pagou 6 contos à vista e 6 contos no escambo de uma casa na praça Manoel Victorino, isso em 1923.
Quando havia transparência na gestão municipal, a Prefeitura publicava no Jornal de Serrinha, mês a mês, o balancete da receita e despesa. Veja o de junho de 1919, gestão Luiz Osorio Rodrigues Nogueira. Receita 8.370$100 (ou seja: 8 contos de réis), sendo que a maior parte era de valor locativo 3.227$320; indústrias e profissões 3.765$500. Na parte de despesas servidores 1.117$098 (o intendente ganhava 66$666); asseio da cidade 285$560; iluminação pública de acetileno 317$800.
Então, nessa época (1919) em que meus avós estavam na faixa de 30 a 40 anos e meu pai tinha completado 9 anos de idade, quanto custava um sapato?
Sapato era considerado um produto de luxo (os que vendiam nas lojas), mas tinha os artesanais todos de couro variavam entre 400$000 a 2.000$000 (400 a 2000 réis).
A remuneração dos trabalhadores no final do século XIX e meados do XX até que Getúlio Vargas, por lei, criou o salário mínimo, em 1940, no valor de R$300 (cruzeiros) variava de região para região, capital e interior.
Serrinha era interior e havia uma variação na zona rural e urbana: um vaqueiro poderia ganhar 20$000 mais a meia (em cada x bezerros que nascessem na fazenda 1 era dele); e um comerciário poderia ganhar 25$000. Em São Paulo, na década de 1930, um comerciário ganhava entre 200#000 a 300$000.
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A série de réis em moedas de prata na época da Colônia eram nos valores de 20, 40, 80, 160 e 320 réis, e moedas de ouro de 1000, 2000 e 4000 réis cunhadas na primeira Casa da Moeda de origem lusitana, em Salvador, 1694, época em que os primeiros pioneiros foram habitar o território de Serrinha.
A moeda de 320 réis era popularmente chamada de pataca. Entre 1810 e 1834 foi cunhada uma outra moeda de prata, que valia 960 réis ou 3 patacas, era o chamado patacão.
A Casa da Moeda da Bahia foi transferida para o Rio, sede da Colônia a partir de 1763.
As diferentes moedas do Brasil ao longo do tempo dos meus avós foram: real português (1568-1833); real brasileiro (1833-1942); cruzeiro (1942-1967).
Como estamos falando só do tempo dos meus avós (1880/1960) em 1942 o Cruzeiro surgiu e levou esse nome por conta da constelação do Cruzeiro do Sul. Inicialmente só era emitido em cédulas pela dificuldade de obtenção de metais durante a Segunda Guerra Mundial.
O principal motivo da substituição do réis pelo cruzeiro foi a diminuição de “zeros” das cédulas. Isso acontecia pelo descontrole inflacionário da economia, que tornava o valor das mercadorias excessivamente alto, sendo necessário um grande volume de moedas para adquiri-las.
A estampa da cédula de um Cruzeiro, de 1942, com a efígie do Almirante Tamandaré em clássico medalhão oval numismático. O design era espetacular. No fundo tem uma foto da Escola Naval e a frase Estados Unidos do Brasil e o local onde a cédula era impressa: American Bank Note Company. A cédula de 5 cruzeiros trazia a imagem do Barão do Rio Branco e no fundo uma gravura da conquista do Amazonas.
Havia moedas 10, 20, 50 centavos, 1, 2, 5, 10, 20 e 50 Cruzeiros. Notas 1, 2, 5, 10, 20, 50, 100, 200, 500, 1 000, 5 000 e 10 000 cruzeiros.
Eu sou desse tempo e quando menino já na terceira série do primário, alfabetizado, 1955, aos 10 anos de idade, pedia a meu avô paterno 5 cruzeiros para comprar gibis.
Estava em moda entre os meninos ler gibis – revistas em quadrinhos, especialmente as de cowboy - Roy Rogers, Búfalo Bill, Zorro – as de Mandrake, Tio Patinhas e Tarzan e eu possuía várias e levava comigo para a porta do cinema com o objetivo de praticar escambo com outros meninos, ou vende-las a 10/20 centavos, a depender do exemplar.
Quando meu primo Franklin Fiúzaa trouxe de Salvador os primeiros exemplares de ficção mais moderna, com Flash Gordon, que competia com o gibi de Buck Rogers, um gibi desses com naves espaciais e pistolas de laser valia 1 cruzeiro (ou mais) e era disputado a tapas.
Tempo, tempo, tempo.
Tempo em que tudo que se comprava era no dinheiro vivo – o picolé, o pão, o remédio, a sandália, etc, etc – e era importante ter uma bolsinha de couro para colocar as nicas (moedas), mas também era um tempo da palavra.
Lembro que quando passei na admissão e ia entrar no ginásio, 1957, meu pai mandou eu ir na sapataria de Pirulito fazer um sapato. Exigia-se sapato de couro, fechado. Cheguei na loja e falei para Pirulito: - Meu pai mandou o senhor fazer um par de sapatos. – Você é o Bralinho filho de Brálio (ele falava rápido, engolia a vogal u e assoviava quase ao mesmo tempo). – Não. Eu sou Tasso. – Venha: sente aqui. Ele colocou um papel mediu e desenhou meus pés, cubou a altura do peito do pé com a fita métrica e disse: - Pronto, volte numa semana pra moldar.
Eu perguntei: - Quanto é Sêo Pirulo o preço dos sapatos. – Pode deixar que eu acerto com seu pai.
A cidade era pequena, todo mundo se conhecia, a loja de Pirulito ficava a 70 metros de “O Serrrinhense” a loja de meu pai e era o caminho de Pirulito para ir ao Recreio, bairro que morava depois da Bomba. O acerto era assim. Ele passava lá e recebia a “gaita”.
Tempo, tempo, tempo...volta.
*** Próximo capitulo as religiões e a fé em Deus
*** Na montagem dessa ilustração cédulas de 1 e 5 cruzeiros (do autor), a caderneta de poupança da Caixa (do autor) e cédulas e moedas em réis.