Cultura

SERRINHA NO TEMPO DOS MEUS AVÓS (1880-1960) 9: VIDA SEM TELEFONE E TV

Estávamos, pois, razoavelmente bem servidos em termos de comunicações tanto do ponto de vista das relações sociais; quanto na tecnologia.
Tasso Franco , Salvador | 13/11/2025 às 08:53
Os meios de comunicações da época - telégrafo sem fio, boca a boca, jornal e alto falantes
Foto: SERAMOV
  9. AS COMUNICAÇÕES: COMO ERA A VIDA SEM TELEFONE E TV

  
   Tenho escrito nos capítulos iniciais deste livro que embora o tempo dos meus avós se situou no final do século XIX até meados do século XX (1880-1960) quando já estava em curso a III Revolução Industrial (1945-2011), os americanos já tinham lançado duas bombas atômicas no Japão, automóveis circulavam nas cidades, etc, em Serrinha, interior do semiárido da Bahia e distante apenas 180 km de Salvador, vivíamos, em parte, como os judeus que moravam na Palestina na época da dominação romana. Ou seja, há mais de 2.105 anos.

   Isso porque bebíamos água de poço e de tanques como Jesus, o qual era até privilegiado porque tinha próximo de Nazaré o Rio Jordão, na Galileia; não havia energia elétrica e usávamos candeeiros e velas para clarear as residências às noites.

   No campo das comunicações, no entanto, estávamos ombreados com o que existia de mais moderno no mundo ocidental com o telégrafo da estação do trem de Dom Pedro II, o primeiro jornal local começou a circular em 1917, o cinema em 1910 e ouvia-se emissoras de rádio do Rio de Janeiro em ondas curtas a partir da década de 1930.

   Estávamos, pois, razoavelmente bem servidos em termos de comunicações tanto do ponto de vista das relações sociais; quanto na tecnologia. 

   E, eu, quando menino, ficava invocando como era que o funcionário da Leste conseguia captar as mensagens via Código Morse, cujos pulsos produziam cliques ou marcavam uma fita de papel permitindo ao telegrafista decodificar a mensagem.

   Vale observar, no entanto, que, a semelhança ao tempo de Jesus a comunicação mais utilizada no tempo dos meus avós era a boca-a-boca. Isto é, a informação (ou noticia) passada de pessoa a pessoa que, de uma forma geral, era confiável. Mas também existia a fofoca, as mexeriqueiras, pessoas que espalhavam “fake news” (notícias falsas) ou levantavam suspeitas sobre determinados procedimentos que, eventualmente, eram verdadeiros.

   - Soubeste que fulano de tal está frequentando a casa da Maricota? – dizia uma a outra amiga. – Não me diga ... não quero nem saber, mas ele é bem simpático (alongava a conversa querendo saber mais detalhes). – Não conte a ninguém (era a dica para espalhar) ontem à noite se encontraram e ela se entregou, ouviu-se gritinhos na vizinhança. – Vixe, quem lhe contou isso? – questionava a amiga. – Ah! É segredo, mas que é verdade, com certeza é.

   Pronto estava armada a fofoca. 

   O “Jornal de Serrinha” tinha uma coluna intitulada “Perfil Masculino” que era alcoviteira.
   
   Veja o que dizia a coluna de número XXI, de outubro de 1918: - Todos conhecem muito bem o nosso popularíssimo perfilado de hoje. Alto e jocoso, andar compassado, passadas largas, moreno, bigode cheio, pés grandes, ora metidos em folgadas botinas, ora em chinelões sem elegância; usa palitot pardo muito comprido e um chapéu cartola que já deveria ter requerido sua aposentadoria. Não é abelhudo, mas gosta de saber dos fatos () De uma feita viu-se em sérios apuros por ter esquecido em sua banca, uma receita de Dr. Calumby de Mattos”

   Mas, claro, nem toda noticia boca-a-boca era fofoca. A maioria era verdadeira e os negócios, os acertos financeiros, os conchavos políticos, etc, se faziam assim. Se uma pessoa desse a palavra. Era o que valia. A palavra e o bigode, certa ocasião, se equiparavam. Homem de bigode era homem de palavra. Tinha até a expressão “cofiar no fio do bigode” que significava confiar ou palavra assegurada.

   Então, a palavra através do boca-a-boca foi a primeira fonte de divulgação das informações no tempo dos meus avós. 

   Lembrando que Jesus Cristo usou a palavra para difundir suas mensagens, porém não teve meios de amplifica-las. Salvo em sermões com limitada quantidade de pessoas.

   No tempo dos meus avós, com as fases II e III da Revolução Industrial em andamento, a amplificação se dava através das emissoras de rádio desde a descoberta por Guglielmo Marconi (1899) com primeira transmissão em 1901; e no Brasil, em 1922, Roquette Pinto, que transmitiu (RJ) o discurso do presidente Epitácio Pessoa. 

   Essa inovação demorou para chegar em Serrinha. Embora a Rádio Sociedade da Bahia tivesse sido fundada em 1924 e a Sociedade de Feira, em 1948, não havia energia na cidade e o rádio a bateria só surgiu na década de 1950. 

   Quando o Brasil venceu a Copa do Mundo em junho de 1958, na Suécia, e surgiu o fenômeno Pelé nós só ficamos sabendo tempos depois. Eu tinha 13 anos de idade e meu pai que era editor de “O Serrinhense” só publicou a noticia mais de uma semana depois, quando os jogadores já tinham retornado ao Brasil e a revista “O Cruzeiro” destacara a conquista.

   A primeira emissora de rádio local “Difusora” só foi instalada em 1969 e meus avós já tinha falecido. Portanto, nem eles nem as outas pessoas da época em que analisamos (1880-1960) curtiram músicas e foram informadas pelo rádio, salvo exceções, a partir dos anos 1950.

   Em Serrinha, por posto, antes do rádio surgiram os serviços de alto falantes com o Comercial no final dos anos 1940, com apenas uma boca na sede do PRP, na avenida Getúlio Vargas (hoje, Pinheiro da Mota).

   Essa amplificação da palavra, no decorrer dos anos 1950 e na primeira década dos 1960, com a chegada da energia, se ampliou com vários serviços de alto falantes, alguns políticos; outros religiosos como “A Voz da Verdade”, do padre Demócrito Mendes de Barros, até o mais famoso deles “Urubixaba” e que foram desaparecendo com as instalações das emissoras de rádio locais (AM e depois FM) e a popularidade do rádio, o barateamento de um aparelho na medida em que o chamado radinho de pilha era vendido em qualquer armarinho. 

  Com a chegada dos automóveis a partir dos anos 1930, abertura da Transnordestina, surgiram na década de 1950, os serviços de alto falantes em autos, que não me recordo quem foi o pioneiro, porém, o mais famoso e que marcou época o de Aldemário.

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   Mas esse tempo que teve forte influência em Serrinha, sobretudo na política, a partir das eleições de 1970, não é objeto de nosso comentário.

   Fiquemos, pois, com as comunicações até 1960 e o que amplificou a palavra foram os serviços de alto falantes, as reuniões politicas (comícios em espaços reduzidos), as missas, os sermões nos templos evangélicos e as aulas dos professores e professoras.

   A propagação além disso se dava pelo boca-a-boca.

   Havia uma forma de relação do comércio com a sociedade através da palavra e da escrita. O fiado que tanto se popularizou no Brasil nessa época e foi, posteriormente, condenado como pernicioso, era comum alguns comerciantes venderem através de anotações em cadernetas e as famílias pagavam no final do mês. 

   A escrita ganhou muita força em Serrinha a partir de 1917 quando surgiu o Jornal de Serrinha, dirigido por Reginaldo Ribeiro. A comunicação (informações diversas) passou a ter um veículo que, embora fosse semanal, tudo o que saia nele era uma novidade e tinha credibilidade porque contendo notícias locais, as pessoas viam, conferiam. Se o jornal dissesse que o cemitério estava mal cuidado ou a praça suja era fácil verificar.

   O jornal foi também o primeiro veiculo a fazer propagandas das lojas locais e dos produtos farmacêuticos que eram importados do Rio e SP e vendidos nas farmácias. 

   A primeira loja a fazer propaganda no “Jornal de Serrinha” foi a “Sapataria Popular”, de José Cândido da Silva Ramos, cita na Rua conselheiro Virgilio Damásio. O comercial dizia que a loja estava “aparelhada para atender todas as exigências dos clientes”. Falava também que tinha “optimo stock de aviamentos para sapateiros.

   Entre os profissionais liberais o primeiro a fazer propaganda foi Aristóbulo Gomes, que era o redator chefe do jornal. A propaganda dizia: “Aceita nesta e em outras comarcas o patrocínio de causas cíveis e criminais” e a indicação: “Pode ser procurado todos os dias úteis na redação deste jornal”.

   Mas, é preciso observar que, nos anos que estamos analisando, início do século XX até 1955 (já com O Serrinhense) a população urbana girava em torno de 1.000 a 4.000 pessoas (2.765, censo de 1940, área urbana) e haviam muitos analfabetos. Portanto, a circulação do jornal era restrita a uma elite letrada, provavelmente entre 150 a 300 pessoas liam as notícias, porém, isso era complementado pelo boca-a-boca que espalhavam as informações.

   - Você viu o que saiu n’O Serrinhense, falava uma pessoa a outra, a morte da esposa de Dr Pedreira? – Não vi. – Pois ele morreu de febre amarelo e o caixão está fechado – retrucava a alcoviteira.

  A pessoa contava a outra e a noticia ia se espalhando. Era comum, por exemplo, a curiosidade de saber quem estava aniversariando na cidade e o jornal tinha uma coluna só para esses registros.

   Nos anos 1940/1950, meu pai Bráulio Franco que a essa altura era o dono da Tipografia e Livraria Serrinhense” e editava o “O Serrinhense” nas épocas das campanhas política escrevia panfletos utilizando o pseudônimo de Zifirino Catingueiro defendo o seu grupo político. Também fazia versos politizados e outros, até para testamento de Judas.
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    Outras formas de comunicação eram as cartas, as páginas musicais no serviço de alto falante, os cartões, a catequese na igreja católica e os sinos da matriz, os editais da PMS e da Justiça. As imagens do cinema também tinham algum significado na comunicação e influenciava na indumentária, na moda.

   Houve uma época -anos 1930/1940 que algumas mulheres e homens usavam boinas, populares na Europa, e que foram divulgadas nas imagens dos filmes.

   Os sinos da matriz é que regulavam a abertura e fechamento do comércio na hora da Ave Maria, havia toques que significavam a hora da missa, toques para sinalizar mortes e assim por diante. Ao meio dia o sacristão badalava 12 batidas fortes no sino e era a hora do comércio fechar as portas para o almoço, o que mesmo acontecendo as 18 horas para fechar as lojas. 

   Quando as batidas no sino eram lentas, sofridas, significava que alguém tinha morrido. Quando eram batidas bem apressadas aos domingos pela manhã significava que a missa iria começar. Na catequese – momento de fazer a cabeça de uma criança para ser católica – a igreja distribuía um livrinho e santinhos. Imagem em comunicação sempre foi muito importante para fixar na memória o ensino. 

   Era assim que as coisas aconteciam. E toda criança que fizesse a primeira comunhão deveria tirar uma fotografia bem vestida e segurando uma vela. Essa foto era preciosa e guardada no álbum da família.

  Toda família – mesmo as mais pobres – tinham um álbum de fotografias e algumas fotos penduradas nas paredes das casas e esse álbum era objeto de desejo e servia para mostrar a parentes e outras famílias os registros de vários momentos, desde nascimentos a casamentos. Só não se fazia fotos de sepultamentos.

  As cartas ou missivas eram muitos comuns entre as pessoas alfabetizadas para dar informações da família, correspondências comerciais, as amorosas e assim por diante. O Correios é uma instituição brasileira da época da colônia, século XVI, e chegou em Serrinha no inicio do século XX, o que representou uma grande novidade em termos de comunicações. 

  Já o telefone, que foi testado pela primeira vez por dom Pedro II, na Expo Filadelfia 1876, a invenção de Alexander Graham Bell, e chegou ao Brasil, Rio, no final do século XIX, só surgiu em Serrinha com a inauguração da Companhia Telefônica de Serrinha – COTESE – na década de 1960, meus avós já tinha falecido e não se utilizaram deles, aparelhos pretos enormes instalados nas casas. Daí resultou a Telebahia, que comprou as teles municipais, e depois a Telebras.

   Outra maneira de comunicação era feita pelos donos do cinema em tabuletas que eram afixadas nos oitis da praça Luís Nogueira com o nome do filme em cartaz, fotos, horário e dados complementares. Todo dia um funcionário do cinema vinha com essa tabuleta, pela manhã e colocava no pé do oiti ao lado da matriz de San’Anna e no final do dia recolhia.

   Essa informação era valiosa. Às vezes, a tabuleta trazia o letreiro: “Breve! Seriado de Tarzan, domingo, dia tal”. Era um ouriço.

    Os editais do juiz de direito eram afixados nas paredes do salão do fórum e as portarias e leis da Prefeitura e da Câmara de Vereadores num quadro no andar térreo da Prefeitura.

    Por fim, os livros também passaram a ser consumidos pela população, mas, esse é um capitulo que faremos à parte, quando tratarmos da educação.
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*** No próximo capitulo as atividades culturais.