Em “Uma Colher Caindo”, Taurino Araújo produz sentido onde o mundo não produz mais nada.
Tasso Franco , Salvador |
25/10/2025 às 23:46
Colher caindo
Foto: Taurino
Em 2025, Taurino Araújo nos entrega mais um de seus gestos visuais mínimos e devastadores. Na obra “Uma Colher Caindo”, pertencente à série Assemblage, o artista visual transforma o ordinário em símbolo — e, com isso, reescreve o sentido das coisas.
O que vemos é, à primeira vista, uma folha de palmeira ressecada, deitada no chão, encostada a um muro de concreto. Mas o olhar atento percebe mais: sua ponta fibrosa e alongada lembra o cabo de uma colher em queda. E é aí que tudo muda.
Com um simples título, Taurino desloca completamente a leitura da imagem. A folha já não é mais vegetal. É utensílio. A cidade, com seus muros sujos e pisos gastos, deixa de ser apenas cenário — torna-se fóssil do agora, memória silenciosa de um mundo que já não escuta mais nada.
A obra confronta matéria e metáfora com precisão simbólica. O vermelho vibrante da folha, manchado de sombras, parece uma pincelada expressionista lançada pela própria natureza. Ela cai, mas não se desfaz. Resiste, mesmo abandonada. É uma denúncia calada. Uma oração orgânica. Um manifesto vegetal.
A colher — objeto íntimo, doméstico, familiar — surge aqui largada no chão da cidade, cruzando o privado com o coletivo, o natural com o construído, o doméstico com o público. O gesto é poético e filosófico. Não há recursos complexos, nem composições elaboradas para a construção dessa Obra de Arte. Há apenas o essencial: um fragmento do mundo e um olhar capaz de ouvi-lo.
Em “Uma Colher Caindo”, Taurino Araújo produz sentido onde o mundo não produz mais nada. Faz do quase nada um absoluto de Obra de Arte. E isso é o que poucos conseguem: dizer o indizível com o mínimo.