É claro que isso exigiria um esforço dos três poderes - federal, estadual e municipal - com cursos técnicos e faculdades voltadas à essa finalidade e que fossem especificas para essa população.
Seria necessário, também, um engajamento das universidades - pública e privadas - das Fedeações da Indústria, Comércio e Serviços, dos Poderes Legislativo e Judiciário, das instituições de direitos humanos e do empresariado de maior porte.
Criar projetos duradouros com a finalidade de qualificação da mão de obra para poder competir em nível de igualdade com a elite dominante.
Darei aqui um exemplo do que isso significaria para melhor entendimento dos leitores, ou seja, como um morador do Bairro da Paz, comunidade nascida na década de 1980 com o nome de uma guerra Malvinas (confronto Reino Unidos x Argentina) e que se expandiu bastante, poderia sair desse gueto e ir morar num apartamento da Pinto da Aguiar.
É dessa mudança que estamos falando e esse exemplo é apenas ilustrativo, mas, ainda assim serviria para toda a cidade.
Veja, por outro exemplo, o que está acontecendo na Barra - bairro classe média estruturado onde moro - e que, nos últimos dois a três anos está tendo um 'boom' de construções civis subindo 25 a 30 novos prédios, majoritariamente de 1 e 2 quartos, quase todos já comercializados, porém, em pesquisa rápida que fizemos, nenhum apartamento foi comprado pelos moradores da Roça da Sbaina, do Calabar e do Alto das Pombas três assentamentos de baixa renda.
E por que isso aconteceu? Porque as familias desses locais não têm poupança e nem renda suficiente para isso e seguirão nos seus guetos e alguns deles vão apoiar essas construções depois de concluidas como porteiros, garagistas, eletricistas, faxineiras, passadeiras, etc.
É um ciclo que vem se repetindo há séculos e não muda. Aí está o fulcro da questão. Como mudar esse quadro, como inserir essa população de baixa renda, num patamar mais elevado e que possa, ao menos se igualar a classe média.
Nos anos finais de década de 1970 eu coloquei uma produtora de conteúdo em comunicação no Victória Center, Chame-Chame, e convidei os jornalistas Otto Freitas e Nice Melo para trabalhar comigo. Tinhamos uma secretária (classe média) e um 'office-boy' (Roberto, baixa renda morador do Calabar).
Posteriormente, desisti do negócio, fui para o exterior, e eles fundaram a Dizer e ficaram com Roberto. Pois bem, esse jovem ficou adulto com o decorrer dos anos, a Dizer fechou nos 1990, Roberto se casou com outra baixa renda de sua comunidade, teve filhos e até hoje (já quase velho) segue morando no Calabar na mesma baixa renda.
Ora, quando o governo do estado inaugura uma obra como aconteceu ontem ligando a Av. 29 de Março a Cajazeiras com um investimento de R$72 milhões promove uma melhoria significativa na mobilidade, porém, não muda a vida em renda do morador de Cajazeiras, salvo exceções.
Obras como esta e outras que estão sendo feitas na cidade são relevantes. O Minha Casa e Minha Vida é o mais importante delas porque faz uma mudança substancial retirando os cidadãos dos guetos dos afavelamentos e leva-os para uma morada de melhor qualidade com saneamento e área de lazer.
Este é um programa que muda, que altera a vida, mesmo que haja dificuldades para algumas familias se manterem nos apartamentos e há casos e mais casos daqueles que vendem os imóveis e voltam para os guetos.
Evidente que ai entra a questão cultural, a baixa renda, possiveis endevidamentos, etc, numa complexidade enorme para se entender.
Vale observar que essa massa populacional 1.700.000 entre 70% e 80% dos individuos são negros e mestiços que veem sofrendo desde a época da escravidão e não tiveram programas de suporte e apoio quando do fim formal da escravatura, em 1888.
Esse contigente só teve um apoio mais substancial no final do século XX com a politica de cotas e outros programas, ainda numa escala que não acompanha (nem de longe) o crescimento populacional.
Já falamos aqui e repetimos: Salvador pulou de 1.000.000 em 1970 para 2.600.000 (app), em 2025. Ou seja, a cidade levou 336 anos para atingir o primeiro milhão de habitantes e em 55 anos anos quase triplica com mais 1.600.000.
E muitos desses novos moradores foram retirantes das secas e gente que veio de outros estados sem qualificação profissional no 'boom' industrial e da infra baiano a partir do Polo Petroquimico de Camarai, quando também mudou a face da economia o cacau passando a um segundo plano.
O fumo e o cacau superaram o açucar - o ouro dos séculos XVI e XVIII; a industria têxtil avançou em Salvador no século XIX; e a Petroquimica domina no final do século XX. E, Salvador, segundo os técnicos em urbanismo virou cidade dormitório.
E não houve (nem há) um projeto de grande porte para qualificar esse pessoal. Nos EUA, só lembrando foram criadas 34 universidades e cursos técnicos para os negros já século XIX após a guerra da Secessão (1861/1865).
O maior projeto industrial em implantação na Bahia, na RMS, é a fábrica chinesa de veiculos elétricos da BYD, que substituirá uma planta da Ford. É uma empresa nova, porém, substituta. Perderam-se os empregos com o fechamento da Ford e esse empregos (e outros) serão recuperados com a BYD.
Mas se trata de uma empresa de alta tecnologia, excelente para o estado, porém, não chegará para o morador da baixa renda de Salvador, salvo um ou outro serviço auxiliar. Esse exemplo, pode parecer um tanto grosseiro, mas é a realidade.
Como o morador do Calabar ou da Sabina vai trabalhar na BYD? Impossível. Ele não tem qualificação profissional e a culpa, olhando-se numa perspecitva maior, não é dele. Não ofereceram a ele condições para isso.
E assim está a maioria da população da capital baiana atuando na zona intermediária, nos serviços axuliares, nos apoios, como técnicas em labs e auxiliares de enfermagem, etc.
Vou dar um outro exemplo bem significativo: a rede hospitalar e clínica de Salvador (a pública e privada) não funcionaria sem essa turma da baixa renda, que se vira nos 30 e tem dois a três empregos para sobreviverem. A rede privada (ao que diz) não consegue pagar as Enfas com nível superior o piso de R$4 mil; e a turma de baixo ganha em média R$2 mil mês.
Acompanhei as falas do governador do estado, JR, na Assembleia, 2025; e prefeito BR, na CMS, e ambos falaram exatamente nesse ponto que é a melhoria da qualidade de vida da população e dos esforços e dos projetos que seus governos desenvolvem. Não mentiram, é verdade. Mas, só atingem os alvos (a população de baixa renda) com ajudas, adjutórios, salvo, no estado, o programa dos colégios em tempo integral (que é estruturante) e o Mané Dendé, na PMS.
Fora disso, melhoram a mobilidade (metrô e outros), melhoram o social, o aporte à saúde também está de melhor qualidade, mas a pobreza da população segue impávida e crescente. Parece contraditório, mas não é. O "enigma baiano" detectado por Mangabeira, em 1950, de um esgtado rico e o povo pobre não mudou. (TF)