Cultura

MORRE EM SERRINHA PERSONAGEM DO CRONISTA TF O POPULAR CARLINHOS AVIÃO

Carlinhos Avião era eterno sonhador e sem sonhadores não existe poesia e amor. A Serrinha perde uma grande figura popular.
Tasso Franco , Salvador | 29/12/2024 às 18:15
No livro "O Homem Verde do Ginásio" é descrito como "Marlinhos Avião"
Foto: Seramov
   Morreu hoje em Serrinha, um dos personagens do meu livro "O Homem Verde do Ginásio", José Carlos Lima de Oliveira", conhecido por "Galego Avião" ou "Carlinhos Avião", conto que denominei "Marlinhos Avião e o Jeep Voador" publicado também no BahiaJá e no site canadense de literatura www.wattpad.com no dia 24 de julho de 2024.

  Carlinhos era da minha idade (79) e ia completa 80 anos em novembro de 2025. Irmão de Josenito dentista, meu colega no GERN, conheci-o bastante suas aventuras e sonhos, seus galenteios e boemia. E o imortalizei no meu livro, pois, personagens como "Carlinhos Avião" ou "Marlinhos Avião" vão sempre existir na nossa história da velha Serrinha. (TF) 

   O CONTO MARLINHOS AVIÃO E O JEEP VOADOR
  
Prólogo:

Senti que este conto sobre os pescadores e o tubarão elevou a autoestima do grupo e transbordava um sentimento de alegria, de entusiasmo na távola e verifiquei de acordo com minhas anotações, que só faltavam cinco pessoas para interpretarem seus contos e já ia convidar o representante da Cooperativa de Caminhoneiros e Mecânicos – COOPERCAM – para se pronunciar quando a senhora Zabelinha levantou-se e solicitou um minuto da atenção. E assim falou: - Estou entusiasmada com esse conto dos pescadores, maravilhada, e sinto não ter presenciado a exposição desse tubarão em praça pública, creio que seria objeto de reportagem do Diário da Bahia, jornal do digníssimo ex-governador Sátiro Dias e manifesto que o Conselho de Vereança de nossa aldeia deveria conferir a esses três insignes e bravos heróis pescadores a comenda da Ordem do Mérito Bernardo da Silva e que seja erguida uma estátua desse tubarão e colocada na Luís Nogueira entre o obelisco e a fonte com a boca de jacaré de ferro. É o que tinha a dizer.

  De imediato, o senhor Marcolino Abacaté, representante distrital de Barrocas, protestou dizendo em alto e bom som que até aceitava e apoiava que fossem conferidas as comendas aos pescadores, embora não visse nada de heroísmo no gesto dos aventureiros, mas reprovava a ideia de colocar uma estátua de um tubarão na praça principal até porque já existia um jacaré representando a nossa fauna e isso poderia abrir um precedente perigoso porque contistas iriam reivindicar colocar outros bichos e como já astuciamos neste encontro, já tivemos uma cobra gigante que engoliria até o coreto, uma perua que punha ovos de prata, um cavalo de duas cabeças, um rasga mortalha, um pavão voador, daqui a pouco a praça poderia virar um zoológico, o que seria um absurdo.

  Apoiado – obtemperou o representante do comércio, Dão Damião Dedal – mas faço a ressalva que ditos pescadores conforme falou a senhora Zabelinha, de fato, podem ser considerados heróis, pois, esse maldito tubarão poderia ter engolido várias crianças da Cabeça da Vaca inocentes criaturas que se banham naquelas mansas águas, daí que prestaram um inestimável serviço, e sugiro que seja feita uma varredura no açude a caça de outros predadores.

  Fui obrigado a intervir nesses debates sinetei o bronze e passei a palavra ao representante da COOPERCAM – Sinésio Epicuro Agrião – homem de estrutura alta e forte pela largura dos ombros, proprietário de dois jeeps de praça e um caminhão Chevrolet, para uso em aluguel de cargas, casado com a contabilista Giordana, cabelo liso com brilhantina que refletia na luz do candeeiro, creio nos seus 70 anos ou pouco mais, voz de pato anasalada, óculos de grau tipo tartaruga portando uma veste parecendo um macacão de mecânico.

  E assim narrou Sinésio: - Quero, em primeiro plano, cumprimentar “O Serrinhense” por esse benigno e louvável encontro (alguém pigarreou em zombaria) e dizer que, o que vou narrar, eu vi, eu presenciei, portanto, não tem esse negócio de afirmar que foi alguém que me contou, assim como vi quando aqui pousou o primeiro avião com os engenheiros do DNOCS que construíram o açude Gravatá, como também presenciei que nos visitou o senhor Ademar de Barros, candidato à presidência e pousou num avião bimotor enorme que parecia uma águia gigante, ademais sou do ramo da mecânica e do transporte e acompanhei, já portando alguns fios de barba no queixo, a chegada dos primeiros Ford de bigode à nossa aldeia, importados dos Estados Unidos e desembarcados na gare do trem com as presenças das autoridades, dos representantes do comércio e da indústria, da valorosa Filarmônica 30 de Junho, e quero dizer aos magnânimos senhores e senhoras – desculpem se uso adjetivos mirabolantes – que os coronéis da guarda Getulina e os fazendeiros e doutores eram aqueles que possuíam esses veículos e desfilavam na Luís Nogueira e arredores, levavam suas esposas e filhos para a missa de domingo, para casamentos na matriz de Sant’Anna e saraus dançantes no Hotel da Leste e certa ocasião o doutor Graziano de Freitas foi, como era de seu costume, para a Fazenda Pau ferro e como já tinha aposentado o jumento pega de quase dois metros de altura que usava nos deslocamentos da nossa sede para a fazenda, fazia-o de Ford, e sendo um fim de semana chuvoso num novembro de trovoada lá se foi o longânime senhor – desculpem o uso desse adjetivo – acompanhado de sua digníssima esposa passar o fim de semana na fazenda e ao mesmo tempo , inspecionar a roça, correr a roça a cavalo, porque todos aqui devem saber que o olho do dono é que engorda o boi, e quando chegou faltando coisa de menos de meia légua para a porteira da Pau Ferro na boca de uma ladeira que se chamava Pirâmide havia uma poça d’água mais larga e o doutor parou o carro nas proximidades, desceu do assento, astuciou o melhor local para passar, retornou ao volante e engatou uma primeira, acelerou o automóvel e lá se foi atravessando a poça, porém, quando chegou do outro lado, o motor do Ford começou a pipocar, a trepidar, a bufar, a soltar uma fumaça estranha, e dona Ilé Anna, sua esposa, retirou um terço da bolsa e começou a rezar, e não teve jeito do veículo sair do lugar, e instantes depois passou o fazendeiro Odegard do Pombal, o qual sentado numa mula atravessou a poça e tentou prestar-lhe socorro acionando a manivela do carro várias vezes e nada, e então foi até a sede da fazenda e avisou ao vaqueiro Silvano de Querdó a situação em que se encontrava seu patrão e disse pra ele selar uma égua mansa e o jegue pega para dar socorro ao doutor Graciano e assim foi feito e sempre numa situação dessas as coisas só fazem piorar e começou a chover e trovejar e dona Ilê Anna abriu logo uma sombrinha importada de Paris e se acomodou, em seguida, no interior do veículo, e passada a chuva chegou Silvano com os animais e socorreu o fazendeiro que seguiu para a sede da fazenda, sendo que no outro dia com o tempo firme, mandou que o vaqueiro providenciasse uma junta de bois e que rebocasse o veículo até sede da fazenda, o que foi feito por ambos, Dr Graciano no volante para não haver contratempos, atropelos na traseira dos bois, e o carro foi estacionado embaixo de uma cajazeiras e lá ficou até que, dias depois, Dr. Graciano já na sede de nossa aldeia procurou saber do coronel Pocindônio Hortélio também proprietário de um modelo Ford de luxo, e este disse que quando precisava trocar a polia do seu automóvel recorria a um mecânico de Alagoinhas chamado Elpídio e passou-lhe o endereço e disse que o contato era feito via telégrafo da estação do trem, vis a vis falando da Rio Branco para a São Francisco e lá, em Alagoinhas, um agente chamado Adelson Montenegro acertaria com Elpídio a data que poderia vir e o preço a cobrar, e que, desde já explicasse pelo telégrafo o que acontecera no seu carro, e tudo isso foi feito e Elpídio só pode vir a nossa aldeia um mês depois desse enguiço e também exigiu que só consertaria o Ford se ele estivesse na sede da aldeia e Dr. Graciano trouxe o automóvel da sede de sua fazenda para cá, 6 léguas, o veiculo puxado por uma junta de 4 bois sendo que Silvano precisou da ajuda de um auxiliar chamado Zé Potó e vieram nesse sufoco e quando chegou na ladeira do Oiterinho, Silvano teve que assumir o volante do veiculo para frear o carro e não atropelar os bois e chegando acá estacionou na rua da Estação e Elpídio chegou de Alagoinhas como combinado conduzindo uma maleta enorme de madeira, um baú na verdade, trazendo ferramentas, polias, lubrificantes, um radiador novinho em folha e uma roda dentada e pós mãos à obra e começou a juntar gente na rua da Estação para ver o mecânico trabalhar e o jornal “A Vanguarda” de Ernesto, fez logo uma reportagem e ai foi que juntou mais gente quando a notícia correu, o mecânico ficou famoso e estava gostando disso tanto que atrasou propositadamente a conclusão do defeito do carro até que Dr Graciano já puto dentro das calças chamou-o as falas e disse que tinha que terminar o conserto em 24 horas senão ele voltaria para Alagoinhas sem nenhum centavo do acordo ao pagamento e Elpídio, no outro dia, acionou a manivela e colocou o Ford em funcionamento e deu até uma volta na praça Luís Nogueira como teste e foi aplaudido pelo povo, e nunca mais voltou para Alagoinhas montando a primeira oficina de autos em nossa aldeia.

  Concluiu seu conto senhor Rufino Barragem assim nos parece, comentei sendo interrompido por Lúcio Élio, representante da Filarmônia 30 de Junho que assim analisou: - Sou testemunha também desses fatos e certa ocasião, anos depois dele ter colocado a oficina, levei um jepp Willys para ele consertar o carburador que esta entupido diante a gasolina adulterada que se vendia em nossa aldeia.

   - Senhor mediador permita-me concluir meu conto que, na verdade, ainda não falei do principal.

  - Dou-lhe no máximo dez minutos para finalizar, sinetei.

   - Então voltando a minha narrativa, havia um jovem na nossa aldeia que era parente próximo do doutor Zenilton dentista, que tinha consultório também na rua da Estação e este jovem desde pequeno quando presenciou a chegada do avião do DNOCS e sobrevoou nossa aldeiam, correu atrás imitando um avião e cresceu assim com essa ideia tanto que, quando ficou rapaz, comprou um jeep Willys igual ao que o coronel Nenenzinho tinha, que  os fazendeiros João Barbosa e José Bacelar possuíam, foi na oficina de Sêo Eládio casado com dona Kamia do salão e pediu para colocar duas asas sobre o teto e mestre Eládio fez o que pode e depois este mesmo jovem esteve na oficina de Zecão e encomendou uma rampinha de ferro na largura das rodas do seu veículo e numa tarde de domingo que a rua estava mais vazia, Marlinhos, assim se chamava ele, subiu a rua Barão de Cotegipe numa velocidade de cruzeiro passou pela Alfaiataria de Sêo Titi e pela Movelaria Matos voando e aterrissou em frente ao Café Gonzaga num oitizeiro da Luís Nogueira, mas não desistiu e noutra ocasião teve um coquetel na CRM, Companhia de Recursos Minerais, que estava prospectando ouro e Marlinhos tomou umas duas a mais da conta e se despediu dos amigos dizendo que iria para a sede voando e saiu da mineradora que ficava numa fazenda próximo das terras de Novais e arrancou deixando poeira para trás e adiante havia uma cancela e uma rampinha de barro próxima, embalou o jeep-avião na rampinha e passou por cima da cancela e quando chegou na entrada de nossa aldeia saltou do carro e colocou a rampinha de ferro que adquiriu em Zecão na altura da casa de Sêo Adelmário Varjão, na praça Luís Nogueira, e já do outro lado da praça após a sede da Caixa, na altura da tenda de Vidros de Sêo Sindé arrancou com o veículo na velocidade tal que Sêo Moacir Bacelar ia saindo de casa e ficou assustado com o que viu e na altura do Jardizinho fez uma manobra a esquerda e por pouco não atropelava dona Nanu Mota que estava sentada em frente de casa, o veículo se chocou no oitizeiro e dona Nanu saiu correndo e Marlinhos engatou a ré, reposicionou o veículo em frente da casa de Juca Campos e dona Diva do Cartório que morava ao lado saiu para ver que trovão era aquele e Marlinhos abriu as asas do jeep acelerou o mais que pode e decolou jogando pra trás duas pedras do calçamento e quando chegou na rampinha de ferro as rodas passaram pelo local sinalizado e na altura da casa do vereador Totonho da Gata o jeep alçou voo e passou em frente da sede do Paço e Conselho a meia altura e ganhou força e mais altura em frente a matriz de Sanmt’Anna, vinha saindo um casamento da igreja e Marlinhos com seu jeep-avião passou por cima do povo entre a igreja e uma cruzeiro que havia no local e foi aterrissar depois do Casablanca de Gó freando com força total até que o bólido se chochou levemente num oitizeiro que havia próximo da loja de calçados de Sêo Vadinho, e ele saltou do carro ileso, feliz da vida e aplaudido pelo povo, dando entrevista a Paulo Teíú do Serviço de Alto Falante “A Voz do Sertão” sendo que a partir desse dia ficou conhecido em nossa aldeia com Marlinhos Avião. Muito obrigado senhor mediador, finalizei.

Moral da história: Quem não tem colírio usa óculos escuro diz um cantor moderno que apareceu agora chamado Raul Seixas.