Cultura

A ALMA DA SENHORA AVENIDA SETE, CAP. 30: AS 12 BAIANAS DO ACARAJÉ

As baianas estão situadas na área do Porto da Barra e entre as Mercês e o Relógio de São Pedro
Tasso Franco ,  Salvador | 28/11/2024 às 10:27
Tabuleiro da baiana Sofia no Relógio de São Pedro
Foto: BJÁ

 A Avenida Sete é uma via gastronômica. Nos seus 4.6 km existem mais de 30 restaurantes entre os classe A onde um filé a cavalo custa R$120,00; os da classe média e para turistas com peixe frito vermelho para dois com salada e arroz valendo R$90,00; os populares (a maioria no estilo coma a kilo) com média de preço para uma refeição R$30,00; e as tendas armadas na rua que comercializam uma refeição tipo ‘pf’ (prato feito) no isopor entre R$8,00 e R$12,00. E, no meio de tudo isso, se espalhavam (fixos e andantes) os vendedores avulsos de lanches (pasteis, empadas, queijo coalho, sanduiches, cocadas, alfeles, morangos em caixa, etc) e as baianas do acarajé.

   Vê-se, pois, que se trata de uma disputa intensa, pacífica, cada qual atuando no seu espaço. Ademais, se esses restaurantes existem e são frequentadas há anos (O Veleiro do Yatch tem 30 anos), o Savoy do Relógio de São Pedro (vai completar 50 anos em 2025), a baiana Edna está na avenida há 50 anos no ponto do Rosário, é porque há público para tudo. 

   E quando falo da “Alma da Senhora Avenida Sete” estou falando da essência, da psiqué, do modo de vida dos baianos e a gastronomia é um retrato do povoamento da avenida, no sentido de circulação das pessoas, com traços distintos das classes sociais. 

     Uma pessoa que almoça um “pf” sentada numa cadeira de plástico na avenida pagando R$10,00 é completamente diferente de uma pessoa que almoça no Egeu da Ladeira da Barra contemplando a Baía de Todos os Santos e pagando R$250,00 com o vinho. São públicos distintos, de classes sociais diferenciadas, os quais conhecemos pelo andar, pelo vestir e assim por diante. Normalmente, os clientes do “Sette” ou do “Veleiro”, na Ladeira da Barra chegam aos restaurantes usando veículos caríssimos; enquanto os comensais da Sete comercial usam ônibus ou metrô.

   Não estamos colocando aqui como referências discriminatórias, apenas, constatando uma realidade do que se apresenta na Avenida Sete. Os trabalhadores das tendas de comércio e serviços levam suas “quentinhas” (marmitas em plástico) de casa e almoçam nesses locais, numa boa, sem qualquer cerimônia. Trata-se de um ato (e fato) normal, corriqueiro. 

  As baianas que são o foco de nosso tema de hoje são um total de 12 que atuam na avenida propriamente dita sem contar as outras 12 do entorno e que trabalham na areia da praia (Porto da Barra), Campo Grande (lado oposto da Sete nas proximidades do TCA), entrada do Canela, Direita do Forte), Carlos Gomes, Largo da Piedade (lado oposto na Rua Direita da Piedade e Joana Angélica adjacente a Sete). 

   Vamos nos concentrar nas 12 que atuam na avenida a mais antiga, Edna, cujo tabuleiro fica no Rosário (em frente a Casas Bahia) e tem 50 anos de avenida, contemporânea ainda do tempo em que Getúlio e o cartunista Nildão tinhaM a livraria Literarte na galeria do Edifício Santo Amaro, década de 1970, e ela já trabalhava no local. 

   Getúlio conta que conheceu Edna nos anos 1970/1980, ainda jovem, e os clientes iam à sua livraria e também aproveitavam para saborear as delícias do seu tabuleiro. “Quando acontecia um lançamento de livro, então, a turma também se concentrava no tabuleiro onde ela está até os dias atuais vendendo seus produtos como a mesma qualidade de antes, por isso mesmo tem uma clientela cativa”, comenta.

   À primeira vista Edna parece um restaurante. Tem mesinhas e bancos para os clientes e seu acarajé é delicioso. Não é de muito conversar e comanda seu tabuleiro com a ajudante de uma auxiliar e comercializa além do acarajé, o abará, cocadas e bolinhos de estudante.

   Outra baiana bem antiga na Sete é Neinha conhecida como a baiana das Mercês cujo tabuleiro fica em frente ao Palacete das Mercês, antiga residência dos governadores e onde J.J.Seabra residiu quando governador e desbravador da Sete. O prédio está abandonado e já serviu, recentemente, de instalações do Sebrae. É uma pena que esteja na situação em que se encontra. 

   Neinha tem mais de 45 anos na avenida e conta com a ajuda de uma pessoa cadeirante que trabalha no bater a massa do feijão e de uma neta para atende os seus clientes que são muitos. Já experimentei os acarajés dessas duas baianas – ambos deliciosos – e não me arrisco a dizer qual deles é o melhor ou mais saboroso. 
   Aliás, essa é uma questão mais ampla e pergunta que está sempre circulando na cidade “qual o melhor acarajé servido em Salvador?”, já aconteceram concursos, pesquisas, etc, há citações de vencedoras, porém, nunca houve um consenso. Portanto, não vou meter meu bedelho em assunto tão complexo. Há uma outra baiana nesta área, a Jú, cujo tabuleiro se situa depois do Beco da Quebrança.

   O que posso dizer é que as 12 baianas que trabalham na Avenida Sete todas são adeptas do candomblé e integram o povo de santo da cidade, se vestem com batas, saias rendadas e colares que remetem aos dias dos santos, na sexta, todas se vestem de branco, embora nos outros dias nem sempre são rigorosas nesse preceito, a exigir vestes no vermelho (Iansã) e verde (Oxóssi) nos seus respectivos dias. 

  O acarajé, como se sabe, é uma comida que nasceu nos terreiros dos candomblés e a receita chegou a Bahia proveniente do Golfo do Benin, África Ocidental, e significa em iorubá: akará (bola de fogo) e jé (comer). E, de fato, literalmente, o acarajé parece uma bola de fogo e quando ingerido com pimenta, se torna ardente e queima (como fogo) a garganta.

   O acarajé típico é oval imitando um cágado - seu animal preferido - e é confeccionado com feijão-fradinho artesanal temperado com cebola e sal e depois frito em azeite de dendê. É vendido dessa forma, simples – corresponde ao volume contido numa colher de pau média - (R$10,00) e recheado com vatapá, camarão seco, caruru e salada (o completo, R$15,00). Há todo um preceito antes da venda do acarajé, mas, nem todas as baianas seguem. Não cabe aqui detalhar esses pormenores.

   Na Avenida Sete as baianas da área da praia vendem o acarajé no prato de isopor esse, sim, no modelo ‘bolinha de fogo’, menores, arredondados, com acompanhamento de vatapá, camarões e salada e custa, em média R$20,00 contendo 8 a 10 unidades. As quatro baianas do Porto da Barra são Sônia, Nice, Rosineide e Emilia. Os preços são cartelizados em R$10,00 e R$15,00 e, ao contrário da Sete Comercial, os dias de maior movimento de clientes são sábados e domingos, especialmente nos domingos.

   Nos dias de chuva não trabalham e diferente da Sete Comercial há duas temporadas bem distintas para seus negócios: baixa estação do turismo (abril a junho) e a alta estação (julho a março). Na alta, claro, os negócios são melhores, especialmente nos finais de semana – sábados e domingos. 

   Na Sete Comercial há baianas que vendem os acarajés a R$4,00 (o simples) e R$6,00 (completos) e todas elas se situam na área do Relógio de São Pedro. São elas: Sofia (tabuleiro em frente à Loja da Sacoleira); Nalvinha (tabuleiro em frente ao prédio do antigo INSS); Dinha (em frente à loja Nova Chic, 25 anos na avenida); Nalva (tabuleiro em frente a agência da Caixa); Grace, em frente ao Edifício Politécnica, cuja slogan é: “Agindo Deus, quem impede”.

    O abará também segue esse preço R$4,00 e R$6,00 e algumas vendem cocadas (R$5,00) e bolinho de estudante (R$3,00). São preços mais populares típicos dessa área da avenida. As baianas da Sete Comercial não trabalham aos domingos.

    Há, ainda, só para citar, uma dupla de baianos que comercializa acarajés e abarás a R$1,00 e R$2,00 no Largo da Piedade, em frente ao prédio do Instituto Português de Leitura.

   Aqui também não vamos discutir o mérito e os sabores desses produtos mais baratos e como essas baianas conseguem vender acarajés e abarás com preços tão baixos. O certo é que vendem e muito. 

   Existe a Associação Nacional das Baianas de Acarajé, Mingau e Receptivo (ABAM) que regula esse comércio. A entidade existe desde 1992 e fornece um “selo de qualidade” as baianas (e baianos) e atesta que existem 4.000 filiadas com núcleos nas cidades de Alagoinhas, Caetité, Camaçari, Cruz das Almas, Dias D´Ávila, Ilhéus, Itaparica, Jaguaquara, Lauro de Freitas, Mar Grande, Maragogipe, Santo Amaro da Purificação, Santo Antônio de Jesus, Saubara, Simões Filho e Vera Cruz e também em Brasília, João Pessoa, Manaus e Porto Alegre. Já as cidades de Fortaleza, Rio de Janeiro e São Paulo contam com uma estrutura própria de associações como a ABAM.