Cultura

LITERATURA: ROSA DE LIMA COMENTA DIAS NA BIRMÂNIA, DE GEORGE ORWELL

Durante o romance Orwell mostra todo seu repertório de conhecimento sobre a Birmânia ele que nascera por lado foi educado em Londres, porém, retornou a Ásia como policial,
Rosa de Lima ,  Salvador | 15/06/2024 às 08:58
Literatura, Dias na Birmânia, de George Orwell
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   Quando citamos o nome de Eric Arthur Blair poucas pessoas conhecem ou já ouviram falar quem é. E quando falamos de George Orwell, pseudônimo que Eric usou para se identificar como escritor, muita gente sabe que se trata do escritor inglês, jornalista e ensaísta político, nascido na Índia Britânica no início do século passado e famoso pelos livros intitulados "1984" e a "Revolução dos Bichos".

   Eric e Orwell são a mesma pessoa. Sua obra é marcada por analisar as injustiças sociais e as forças totalitárias no planeta, sobretudo na Ásia e na África, numa época em que esse tema era pouquíssimo abordado e os europeus controlavam boa parte desses dos povos desses dois continentes como exploradores cruéis e sanguinários e usavam mãos de ferro (armas de fogo) para controlar possíveis insurreições.
 
   Sua hostilidade ao "Stalinismo" - de Josef Stalin - e ao socialismo autoritário soviético está inserida no romance satírico A Revolução dos Bichos que escreveu durante a II Guerra Mundial. Nessa fábula, como na história real os ditadores não tomam o poder para larga-lo. O poder – portanto – na visão de Orwell é um fim e não um meio.

  Orwell é considerado um dos melhores cronistas da cultura inglesa do século XX e também trabalhava textos em ficção, artigos jornalísticos, crítica literária e poesia. Seu mais conhecido romance é “1984” escrito em 1949, onde aborda as consequências do totalitarismo, da vigilância em massa e da lavagem cerebral na sociedade. Veja que o livro foi escrito em 1949 quando ninguém sonhava com a internet, a robótica, a IA e outros mecanismos existentes na atualidade da lavagem cerebral das massas. 

   Nós vamos comentar deste autor o livro "Dias na Birmânia" (Editora Camelot, Barueri, SP, romance de 327 páginas, R$38,00 nos portais) livro escrito entre 1928 e 1929, em Paris, e publicado inicialmente nos Estados Unidos com receio de possíveis retaliações por causas as críticas ao Império Britânico, e no qual aborda a atuação dos britânicos numa localidade da Birmânia (atual Mianmar) com crueldade, racismo, autoritarismo e força militar.

   O livro, lançado em 1934, portanto, bem antes de suas obras mais famosas "1984" (1949) e "Revolução dos Bichos (1945) tem como enredo um romance do personagem John Flory, inglês de Londres com sofrimento deste a infância, mal amado, com uma feia marca de nascença no rosto (assim ele se achava) e que era funcionário de uma madeireira na Birmânia, o qual vai se apaixonar por uma jovem inglesa (Elisabeth) deserdada ou arrima de família e que que vai morar com os tios na Birmânia, sofre assédio do tio e paixão de Flory. 

   Elisabeth, no entanto, enamora-se de um policial, finge aceitar Flory em casamento, mas, desconfia dele por ter uma amante indiana (cara preta), também finge contornar o assédio do tio sem revelar nada a tia, e a trama se desenrola com cenas explicitas de racismo, xenofobia, corrupção, preconceitos de toda natureza, bem típicos dos colonizadores com os colonizados, segundo os britânicos incultos, sujos, negros e selvagens.

    Claro está que no jogo de sustentação dos estrangeiros ingleses (minoria) num país selvagem, onde exploravam madeira e ouro entre outros recursos naturais, o compadrio com estruturas locais das lideranças e autoridades municipais - e sobretudo com um magistrado subdivisional U Po Kyin corrupto até a medula, rico, também explorador dos seus patrícios, e cujo desejo maior era entrar no clube dos ingleses. Ou seja, ser aceito com um inglês, jogar cricket e participar das rodadas de gim e uísque.

    Sim, a comunidade inglesa se misturava com os nativos (alguns deles com Flory) só para possuírem serviçais e fornicarem as mulheres. O madeireiro tinha seu cacho, sua escrava, a qual dispensou quando se apaixonou pela inglesa e virou um tormento, a mulher batendo em sua porta cobrando indenização, a mando de U Po Kyin, o magistrado querendo ver a desgraça do inglês, este, por apoiar um médico indiano amigo para o clube (Veraswami).

   No final da trama, dramática, Flory não suporta a rejeição da inglesa e a insistência da nativa Ma Hla May em extorqui-lo e estorou os miolos com um tiro, matando também sua cachorra de estimação; U Po Kyin consegue ser aceito no clube e receber a comenda de vice-comissário assistente, morrendo de apoplexia; a tia da inglesa desaparece de cena e abre espaço para que a sobrinha não retorne a Londres e aceite casar-se com o tio.

   Durante o romance Orwell mostra todo seu repertório de conhecimento sobre a Birmânia ele que nascera por lado foi educado em Londres, porém, retornou a Ásia como policial, lutou na guerra civil espanhola contra Franco e era um crítico mordaz ao imperialismo britânico enquanto escritor e jornalista, e em Dias da Birmânia expõe todas essas mazelas a elite inglesa encastela num clube - comum em todas as colônias e na Bahia (na colônia portuguesa) tivemos e temos até hoje o Bristh Club na rua Banco dos Ingleses, Campo Grande, o racismo explicito pois tratavam os indianos como negros, sujos, selvagens, caras pretas, abominavam sua cultura e seus costumes.

   No livro Orwell revela alguns hábitos dessa cultura, tipos de indumentárias – logyid, htamein, etc – a dança do  pwe – muito vista hoje no TikTok – as investidas do jornal Patriota Birmanês, a revolta dos indianos contra os ingleses, enfim, como uma comunidade inglesa vivia nesse fim de mundo da Terra (assim entendiam) explorando as riquezas naturais de um povo. Por ter conteúdo tão forte, inicialmente, este livro foi publicado nos EUA, Orwell temendo ser censurado e até preso pelo governo imperial britânico.

   Para quem deseja conhecer um pouco da cultura deste país e da exploração britânica na Ásia, Dias da Birmânia é recomendável.