Cultura

O HOMEM VERDE DO GINÁSIO, CAP 12: O CAMINHONEIRO E A BRUXA DO REGALO

Motorista de caminhão foi colher espigas de milho montando num jumento pega e se assusta com visagem que fazendeiro diz ser a bruxa do Regalo
Tasso Franco , Salvador | 09/11/2023 às 09:22
Caminhoneiro foi colher milho e desarou-se com uma alma ou bruxa
Foto: Seramov
     AS ESPIGAS DE MILHO, O JUMENTO PEGA E A BRUXA DO REGALO

  Prólogo:

  Sinto pelo semblante dos representantes das comunidades da nossa aldeia serrinhense e faço um adendo para explicar porque gosto de usar a expressão aldeia - de maneira alguma pejorativa - como alguns dos senhores e senhoras possam pensar, entendendo que somos um pontinho nesse imenso planeta e se ainda existem reinos e já há metrópoles, nós somos o grão da terra, o povoado, o distrito, a pequena cidade como há assemelhadas na China, no Japão, na Índia – países mais antigos - e também nos países mais novos como os Estados Unidos, o Canadá e a Argentina e temos nossa contribuição a dar ao mundo, daí que observo a alegria dos presentes, o entusiasmo das pessoas em fazer suas narrativas, e esses três últimos contos, tratando do Nego d’Água do Gravatá, os Meninos da Barão que Caçavam Sapos e o altruísmo dessa Senhora O e seu pavão voador, do valoroso distrito da Manga e seu templo católico para Nossa Senhora de Belém, o qual sabemos da sua importância e de quanto em cereais e fumos exportam seu produtos pela gare do trem, a nossa “Chemin de Fer”, foram contos maravilhosos que retratam a alma do povo, o sentimento do povo, o pensar do povo porque é ele que vive nas roças, na enxada, no arado, que vê o capim cantar, gatos eventualmente latirem, porque a cabeça do povo é soberana e comporta tudo e se existem no mundo aqueles que dizem serem civilizados e se há poetas como Neruda, cantores como Caruso e dramaturgos como Shakespeare, aqui temos o nosso Dwilson seresteiro, o repentista Queiroz, o literato Reginaldo Ribeiro, o maestro Vianinha e não ficamos devendo nada a ninguém. Feito esse comentário a palavra está franqueada a novo contista, arrematei.

Apresentou-se, então, um senhor que usava uma boina estilo moda Paris envergando um terno de gabardine premium branca, gravata borboleta negra, lenço de seda na lapela, e disse que se chamava Faetonte Nereu Sancho, morador do bairro Aparecida e representante desta comunidade e do povoado do Regalo e da gente residente na Estrada da Guanabara, descendente direto do velho Sancho ex-proprietário da Fazenda Lagoinha, área onde floresceu o bairro da Senhora Aparecida graças ao trabalho político dos vereadores Ramalho Ramos e Joanício Álvaro da Silva, que exercia a profissão de médico veterinário na Serrinha, nessas bandas e noutras na direção da Manga, do Pau da Bandeira, do Saco do Moura, Mato Fino e demais, onde era chamado a prestar seus serviços, porém, morava e amava o Aparecida, por sua tranquilidade, seu clima, e que não estranhasse a sua veste e modo de ser uma vez que estivera em Paris, certa ocasião, em meados dos anos 1950, e ficará encantado com a moda, o jeito do francês em se vestir, em se apresentar nos bistrôs, mas era um nativista cultuava os versos dos poetas Castro Alves e  Bilac, daí a inspiração no vestir e se apresentar, e com licença de todos – assim falou - iria narrar o que ouviu de um motorista de caminhão que se chamava Raimundo Evangelista, apelidado de Mundinho do Caminhão, que carreava pedras para construção de muros, casas, galpões e outros, na nossa sede, e ia sempre na pedreira de uma fazenda do Regalo, de propriedade de um homem chamado Epaminondas Barbosa, suponho – obtemperou ele -  parente próximo do nosso ex-prefeito João Barbosa, que tinha casa de morada prazerosa, avarandada nos quatro quadrantes,  e além da pedreira que distava pouco tempo de sua residência a sua fazenda, no geral, a Olhos d’Água era uma maravilha, pois, brotava por detrás da Serra das Pedras minadouros d’água de ótima qualidade que irrigava uma baixada onde havia fartura em capim e leguminosas e o gado se fartava, e ele sempre era chamado para cuidar desse rebanho, vacinar, receitar algum remédio contra mordidas de cobras e outros contra aftosa e desinteria, e havia além dos pastos da cria do gado outros onde plantava milho, feijão, batata do reino e cebola, e foi num dia que não lembro a data certa que seu Mundinho foi carregar o caminhão e enquanto os seus ajudantes demandavam o serviço ele se dirigiu ao seu Epaminondas e solicitou, pediu educadamente, melhor dizendo, se podia colher umas espigas do milho que havia demais e com fartura na Olhos d’Água para levar consigo e assá-los na fogueira que iria fazer em louvor a São João e seu Epaminondas que era um home bom, educado, gostava de fazer um favor e ajudava a nossa paróquia de Aparecida, não só autorizou que Mundinho fosse pegar as espigas de milho como ofereceu um jumento pega que estava selado e amarrado no mourão de sua casa, e mais um saco de linhagem para que pegasse uma boa quantidade de espigas, e Mundinho de bom grado aceitou e lá se foi colher as espigas de milho.

Eu gostaria de um aparte a V.Sa. permita lhe tratar assim disse a senhora Zabelinha - creio, já de olho na simpatia do veterinário - e desejaria saber, antes da conclusão do seu conto, onde seu pai colocou esse nome na sua pessoa, pois, sendo antiga na Serrinha e no meu querido Lamarão, já vi falar em Eustáquio, Nozinho, Diomedes, Píndaro, Ademildes, Anatólia e outros nomes esquisitos, mas esse de Faetonte é a primeira vez que ouço e com o saber da minha pouca erudição já lia a bíblia, o Novo Testamento, de frente pra trás e de trás pra frente e não me lembro desse nome.

- Ora, minha digna e bela senhora, meu saudoso pai era apaixonado pela cultura grega e certa ocasião também fiz-lhe esse pergunta porque meu nome era objeto de caçoagem na escola do professor Piedade, onde estudava, e chamado de Panetone, de Fatotone e outros apelidos, e ele me disse que lendo um clássico da literatura grega encantou-se com esse nome do filho Apolo e da ninfa Climente e Faetonte era a luz por dirigir o carro do sol, portanto, seria eu também iluminado, e como meu irmão mais velho já tinha o nome de Apolo ele me registrou no cartório de dona Nyanza dessa forma e, hoje, adoro meu nome, pois, também sou um iluminado ou ao menos meus raios de sol em olhares iluminam essa beleza que é a senhora
- Rubra, sorridente, encantada, Zabelinha agradeceu.

Faetonte prosseguiu: - E lá se foram Mundinho montado no jumento de passo elegante, firme, para colher as espigas de milho e quando chegou na boca da baixada a meia distância de uma cancela, Mundinho sentiu que havia alguém na garupa do jumento, que vocês sabem é uma animal raçado, alto e forte, quase uma mula, e quando olhou pra traz havia uma mulher vestida de branco dos pés à cabeça, cabelos da cor de cinzas e ele ficou apavorado, mas seguiu adiante pois estando perto da cancela saltaria para abri-la e quando foi se aproximando da porteira a dita mulher estava lá, em pé, parecia uma santa ou uma bruxa, não soube dizer ao certo, e abriu a cancela e ele tocou no vazio do pega dando meia volta, tremendo feito vara verde, começou a gritar pedindo socorro a Senhora Aparecida, a Jesus de Nazaré, a Santo Expedito e tentou surrar o jumento com uma chibata e a bruxa ou não soube dizer o que era, segurou a chibata com as mãos e não dizia palavra, parecia nervosa, seus cabelos ficaram empinados. e ai foi que Mundinho - segundo me contou - se borrou de medo e o pega disparou numa correria doida – não soube dizer se o pega também se assustou com aquela alma - para o terreiro da fazenda e adentrou numa velocidade tal que Mundinho, sem milho, apenas segurando a saca vazia, pulou do animal e caiu esparramado na varanda da casa da seu Epaminondas , o qual, calmo, o esperava com uma moringa d’água gelada em mãos e lhe ofereceu um copo do precioso líquido mexido com açúcar perguntando o que acontecera, onde estavam as espigas de milhos e ele contou do medo que teve da visagem da mulher da roupa branca, que ela estava na garupa do jumento, que ela abrira a cancela e, ele olhou pro pega já amarrado no mourão e não havia ninguém na garupa, e seu Epaminondas caiu na risada e assim falou: - Ela já pegou a vassoura que estava atrás desta porta – apontou - e voou para o povoado do Regado e Mundinho, mais calmo, confortado, após pagar o devido da carga das pedras ao dono da fazenda, em efetivo, dirigiu seu caminhão em direção a Serrinha.

Faetonte terminou seu conto e ainda poetizou: - Fica a lição, quem vai comprar pedras não colhe milho; quem dirige caminhão não pilota avião.

*** Próximo capítulo: O boi barbatão da Fazenda Capitão