Cultura

O HOMEM VERDE DO GINÁSIO, CAP 8: A LUTA DO LOBISOMEM X JOVINO E O GALO

A origem do Lobisomem de Serrinha que foi importado por dom Pedro I na época da colonização do branqueamento europeu no Sul do país e que chegou ao Nordeste
Tasso Franco , Salvador | 12/10/2023 às 07:20
A disputa pelo galo
Foto: J. BORGES
PRÓLOGO, CAP 8, A LUTA PELO GALO
   
Levantou-se, então, um mestiço gigante que se apresentou como sendo Manoel Esão do Nascimento, representante das comunidades dos Treze e da Coruja, e disse ser marceneiro de profissão, afamado por produzir os melhores armários embutidos da Serra, de madeiras de lei, armações em encaixe sem pregos, portas decoradas e janelas com espaços para 12 vitrais, tudo em gavetas e armários, cômodas, camas, mesas e cadeiras, etc. temente a Deus, cristão de frequentar aos domingos a missa na matriz, nas horas vagas cantor de boleros e samba canções daí seu apelido de “Manoel Radiola” e iria falar sobre o lobisomem da Serrinha que mora no pontilhão da Bomba, próximo  sua morada nos Treze, o qual, soube, daria uma entrevista no programa do Flávio Cavancanti, na televisão, dado sua fama de Lubi da Paz.
Solicitei a Esão que falasse de sua origem e de como tomou conhecimento desse afamado lobisomem e se o conhecia.

E assim prosseguiu: - Sou filho do velho Efeso ferreiro que tinha sua forja no povoado da Cabeça da Vaca e subiu pra Serrinha para ampliar seus negócios assim que a estrada de rodagem de Dr. Getúlio, o presidente pai dos pobres, passou na nossa porta, e muitas casas foram construídas na Rodagem usando grades e pai também foi trabalhar com um senhor chamado Oséas que tinha um sitio na entrada da rua. 

Eu ainda era pequeno lá pelos anos 1930, eu e meu irmão Leandro capenga, porque mancava de uma perna, e mais mãe Otávia, que cuidava da gente, pai ajudava seu Oséas tirar leite nas suas vacas e o tempo de sobra trabalhava na forja que colocou o nome de São Benedito, na Rua dos Pobres. e de tarde voltava pra casa montando num burro chotão chamado Roxinho e lá um dia que não me lembro mais de cabeça ele chegou em casa com a conversa de que seu Oséas estava ferido nas pernas e nas costelas diante de uma luta que travou com um lobisomem e pai, depois disso, amuou, não queria mais voltar para a Serrinha com medo do lobisomem temendo que ele pudesse devorar Roxinho porque vocês todos aqui sabem, os mais novos de ouvir falar e os mais velhos como eu, que não estou tão velho assim, mas já passei dos 35 anos de idade, que a seca de 1930 até 1932 foi um inferno, o sol torrou tudo nas roças, os bichos soltos no mato escassearam - codorna, perdiz, raposa, cotia, tatu, rolinha, gato do mato - e, segundo pai, esse lobisomem que morava numa loca do Morro do Fundo também sofreu muito com a estiagem, porque saia a noite para caçar as raposinhas e os gatos do mato, e na falta destes, escassez do cão, porque nossos vizinhos da Cabeça da Vaca comeram todas as traíras e até os cabojes do açude, do fio de água que ainda tinha, mãe atolando os pés na lama para conseguir um caboje, magro que fosse pra nós comer e não morrermos de fomo, esse tal do lobisomem atracou o galinheiro de seu Oséas, que era um homem prevenido, alto, zangado, inteligente, tinha ração na sua roça e cuidava das vacas e das galinhas com todo esmero e lá uma noite esse miserável do lanzudo atacou o galinheiro e quando estava devorando uma franga as bichinhas suas colegas e o galo começaram a cocoricar em desespero e o roceiro acordou, e isso era tarde da noite, acendeu uma lamparina e pegou um facão de 7 polegadas e saiu no terreiro para ver o que estava acontecendo, temia que alguma ladrão de galinhas estivesse furtando suas poedeiras e quando viu foi um vulto enorme, um monstro cabeludo, ainda com o resto da franga entre os dentes e duas ou três galinhas dentro de um saco e arremeteu pra cima dele com o facão em punho e o danado lançou o saco na direção do estanceiro que se abaixou e uma galinha escapou e saiu voando pelos canto do terreiro, mas duas outras ainda ficaram presas com ele, e o lubi, então, mostrou suas garras e Oséas homem valente, destemido, deu-lhe uma ‘facãozada’ e o lanzudo foi ágil como uma cobra cascavel, em bote pulou a cerca e começou a fugir com o saco nas costas e as galinhas pedindo socorro e seu Oséas seguiu atrás dele tropeçando pelos matos, gritando seu miserável você não comerá minhas poedeiras, seus ovos são vitais para minha sobrevivência,  e o demônio pulou outra cerca que dava para a Transnordestina e entrou num bueiro que saia do outro lado da estrada próximo à cerca da fazenda de Jovino e, ai dentro desse bueiro que era largo, coisa de cinema, o sitiante conseguiu alcançar o lanzudo e travou-se uma batalha, dentro do bueiro, sendo que o peludo atingiu o roceiro nas pernas e nas costelas, o sangue jorrou, assim como jorrou sangue do outro lado quando o fação lascou o ombro do bicho e este largou o saco com as galinhas e fugiu em direção roça de Jovino, isso tudo em noite de lua cheia que é a preferida dos lobisomens, e quando pai chegou no outro dia para tirar leite das vacas encontrou seu Oséas ferido e eles foram até a Farmácia de Sêo Trasybulo para os devidos medicamentos e o farmacêutico passou uma atadura nas suas costelas e enrolou as canelas do homem com gases e ele contou o que aconteceu a pai e ao farmacêutico e estes ficaram apavorados e prometeram  levar o caso ao delegado Caria e adotar outras providências.

O certo é que depois desse episódio pai não queria mais trabalhar em Oséas a notícia se espalhou pela aldeia e promoveram uma reunião de lideranças de nossa comunidade e chamaram um especialista em história dos lobisomens para saber donde este tinha vindo para a Serra, um antropólogo chamado Roque Jorge, o experiente professor e historiador Clóvis Mota, Cabinho da Padaria, Jovino Franco, Sêo Godô, Sinfrônio Oliveira e Zé Aras esses cinco últimos moradores das redondezas onde se deu a luta, um camarado conhecedor da cultura popular senhor Merreu, um homem forte e alto que era pintor e morava na Rua dos Pobres, Arnaldão Bocáfria, Merrinho que criava ovelhas nas proximidades do Tanque das Abóboras, um homem que se chamava Benedito Campos é conhecido como Benedito do Jegue e fizeram um encontro com o delegado Caria para cujo lema foi “prevenir melhor do que remediar” e o douto em lubis disse que era provável que esse lanzudo e sua família que moravam no Morro do Fundo chegaram a nossa aldeia provindo da Transilvânia, a terra dos vampiros e lubis na Hungria e que foram arregimentados esses e outros europeus para povoar o Sul do Brasil por determinação de Dom Pedro I, o qual trouxe açorianos e alemães, em 1824, e depois seu pai Pedro II trouxe mais alemães e italianos, em 1875, para Santa Catarina e Rio Grande do Sul, e é provável que várias famílias de lubis se transferiram para o Brasil nesta época e alguns deles tenham vindo para o Nordeste e não é só em nossa aldeia que tem lubis, no Nordeste todo tem, em Portugal também tem, na Espanha, então o DNA desse lubi da Serra era da Hungria, daí que ele era altão, descendente dos hunos, meio alourado e depois ficou com o pelo toda escuro devido ao sol do sertão e foi ai que Seo Jovino pediu a palavra e disse que também já tinha lutado com esse lubi no seu terreiro e que na época pensou que era uma assombração de um galego, coisa do outro mundo, levantou a jaqueta e a camisa que usava e mostrou uns lanhos no corpo que foram feitos por ele e na época desse embate lutou para que ele não devorasse o único galo pedrês que possuía, o lanzudo alourado entrando em discussão de luta corporal quando conseguiu desferir um tiro com sua lazarina nos cornos do bicho que foi atingido com duas bolotas de chumbo e ‘chuliadeiras’ que havia carregado sua arma e soube depois, que esse mesmo miserável, tinha ido na Farmácia do Povo, de seu Cosme, para fazer uns curativos e disse ao farmacêutico que sua ‘garruncha’ havia disparado sem querer o atingindo, o que era mentira, isso para passar de bonzinho quando a gente vê, hoje, que se trata de ladrão de nossas galinhas e galos, uma ameaça as nossas vidas – palavras dele – porque quando faltar comida em bichos ele pode até devorar um homem, o que foi prontamente rebatido pelo especialista, o qual disse que os lubis não eram antropófagos como os tupinambás, não comiam gente de ensopado ou guisado, mas que deveria ser preso e levado para a penitenciária da capital da Bahia visto que na cadeia da Serra só tinha duas celas e mal dava para acomodar os arruaceiros locais, visto que nossa comunidade é de paz e sequer há um homicida preso, porque o povo daqui é santo, só morre de velhice e de fome, sendo que o único crime existente se deu na época do pai Geza, quando ainda éramos vila. 

A senhora representante da comunidade espírita, Olivia Celeste, pediu a palavra e perguntou a Esão, o que foi feito depois desse encontro, se o delegado Caria prendeu o lobisomem, o que aconteceu com ele?

Esão retomou a palavra e disse que o bicho sumiu, diria que metade bicho e metade homem, porque no embate com seu Oséas ele falou umas palavras em estrangeiro, sinal de que conhecia as letras do seu país de origem, o húngaro, e pelo que se soube, segundo conversa de barbearia na tenda de seu Joãozinho, que vocês conhecem - a Vila Nova da Rua Direita – estaria morando com sua família no povoado da Sucupira e se adaptado bem por lá e com a volta das chuvas adquiriu e plantou uma roça de milho e feijão, tinha um criatório de cabras e voltou ao normal só comendo bichos do mato que, milagrosamente, reapareceram após as trovoadas de novembro, parece até que as raposas e os gatos do mato caíram do céu, o lubi prosperou e botou casa na Serrinha, mobiliada, decente, na pontilhão da Bomba lá perto de nossa comunidade, os Treze, e diria mais, colocou ordem na barragem onde jovens que fumavam maconha toda noite e vendiam ‘charos’ para os viciados filhos de papais ricos que iam lá comprar - os chamados ‘corujões da Bomba” - desapareceram do local.

Voltou a inquirir a senhora Olivia Celeste: - Em sendo assim, o distinto representante dos Treze conhece esse lobisomem

- Claro, minha senhora, respondeu Esão, como marceneiro que sou, produzimos eu e Zé de Maninha os armários embutidos de sua casa, a mobília da sala que tem a nossa marca Esão, em mogno, a mesa central com tampo largo de uma peça de jaqueira, as portas, as janelas, tudo sob encomenda e pagos os serviços em dinheiro vivo o que o que significa dizer que esse lubi tem bons recursos, seus negócios na Sucupira evoluíram e ele tem um fabrico de telhas que, salvo engano, já cobre e maioria das casas da Serrinha, e mais lhe digo que – isso foi ele que me contou - que sua esposa, o casal – ele e sua Ester Loura  - frequenta a missa da matriz aos domingos e seus netinhos estão matriculados no Grupo Escolar Graciliano de Freitas, na Praça da Estação, alunos que são da professora Eneida Ferreira que todos vocês conhecem.

Pede a palavra o padre Demôndaco Ulisses: - Quero vos dizer que a senhora Ester Loura nós conhecemos, devota de Maria, não falta a missa aos domingos, mas este senhor citado como lubi não tivemos, ainda, a oportunidade de contempla-lo com a eucarística dizendo aos presentes, no entanto, que na Casa de Deus todos têm acento e são acolhidos de bom coração e se este senhor é um bicho homem do bem será louvado, gloria a Deus.

Prosseguiu Esão: - Ora, minha distinta senhora Olivia Celeste e honrado Demôndaco Ulisses se estou narrando esses fatos é porque tenho conhecimento da causa e se antes, os avós e os pais desses lobisomens comiam bichos do mato e as galinhas alheias o faziam não por maldade, mas pelo espírito da sobrevivência, e agora estão aculturados, civilizados e se integraram às comunidades, não só os que existem nos Treze e na Sucupira, mas outros espalhados em nossa território, na Bela Vista, no João Vieira, no Regalo e digo-vos mais, já há uma proposta do vereador – salvo engano – Pedro de Sindé conferindo o título de cidadão serrinhense a este lubi, solenidade que não perderei se de fato acontecer. E assim, encerro meu conto, deixando a lição para todos nós, de que as pessoas não devem ser julgadas pela aparência e muitas vezes alguns que a gente pensa que são boas são más; e más são bons.