Cultura

NORDESTE, LABUTA E SAGRAÇÃO À VIDA, por LILIANA PEIXINHO

Liliana Peixinho é jornalista, ativista humanitária. Faz Imersões Jornalísticas Nordeste -Sertão Adentro- Caatinga Afora. Especialização em Jornalismo Científico, Meio Ambiente e Cultura- Facom- UFBA
Liliana Peixinho , Salvador | 08/10/2023 às 18:20
Liliana com seu pai Peixinho
Foto: Arquivo Pessoal
A labuta começa com o raiá do Sol, continua com o calor e suor a escorrer pelo corpo e adentra a noite, em fé e coragem para não esmorecer diante dos desafios diários.

O Nordestino age, realiza, trabalha, executa, sente, pensa em movimentos ligados à energia do Universo.

Corpo, coração e mente tem conexão divina com um tempo de recomeços, porvir, esperança, fé e muita luta, sem tréguas.

A energia do povo tem uma ligação com a terra, com o ambiente, com o sagrado, com o outro. Não há espaço para o não.
.
A disposição em trabalhar, fazer, refazer é orgânica, no ritmo da necessidade, da sobrevivência, do coletivo, do que é sempre para o agora.

Aprendi com o Ser social do agir, atuar, cuidar, respeitar de Seu Peixinho, meu pai, a valorizar, profundamente, essa vida tão sofrida, corajosa, digna, inspiradora em coragem, dignidade, solidariedade, amor na ação continua, do Ser Nordestino.

Agradecer esse legado de vida ancestral que alimenta os sentidos e é inspiração para o seguir adiante, é reconhecer a grandeza do viver.

A ausência física, morte do corpo, fortalece na alma nordestina uma presença em memórias do fazer concretizado, registrado, marcado em todos os cantos pisados e em testemunhos de pessoas que agradecem pelo feitos de vida em compartilhamento amor-coletivo, sapiência, humildade, coragem, respeito.

A energia Nordestina é de sagração à vida, mobilizada para o trabalho que reforça um cenário rico, diverso projetado em roteiros de filmes, livros, peças de teatro, canções, cordéis, repentes. O ambiente  multidiverso do Nordeste, do Sertão, da Caatinga, é retratado em obras de renomados cineastas, escritores, músicos para o Brasil e mundo afora, onde se verifica, no dia a dia, longe dos holofotes, uma
realidade paradoxal e demasiadamente  desumana.

O Nordeste, o Sertão, a Caatinga, regiões da Bahia como Juazeiro, Pindobaçu, Monte Santo, no interior, ou mesmo em capitais de estados como Pernambuco, Ceará, Sergipe, Alagoas, Rio Grande do Norte, Paraiba, regiões de muito efervescência cultural, integram pesquisas do livro que estou a escrever, desde os anos 80, com a proposta de título: "Beleza e Resistência Nordestina", focada entre a dor e a delícia de vidas incertas.

Tem capítulos especiais, para o Oeste da Bahia, Barreiras e Angical, origem da família de minha mãe, Iracema Sampaio de Almeida, região onde meu pai a encontrou, nos anos 50. E também pesquisa , registros e Imersões em lugares das raízes da família de meu pai, seu Peixinho (Sabino Ferreira Peixinho) no norte da Bahia, Monte Santo, Bebedouro, com povo humilde e repleto de coragem em desafios de viver.

Tem o olhar, sentir sobre uma terra que sempre chamou atenção do mundo por sua fé e luta, com vidas em meio às adversidades de famílias simples e labutadoras na terra.

O exemplo, desde menino, de "Sabino" , de respeito à Natureza como ambiente de sagração diária ao Ser, mais que DNA foi incorporado como sentir no agir, no fazer, no cuidar, observado, silenciosamente.

Numa vida de 87 anos de luta, cravar a marca de quem viveu para defender o valor de preservar e cuidar da Natureza, como a maior das preciosidades da vida, é exemplo a seguir e a agradecer diante de um cenário onde o planeta, devastado pela ação humana de descaso, pede socorro para a vida.

Não tirar frutos do pé antes de amadurecer, não cortar nem um galho de licurizeiro se não fosse para alimentar animais em tempos de seca braba; dar comida para passarinhos em vôos livres de terra batida; construir casa de pedra na roça, são feitos de uma filosofia de vida ancestral, cravada na luta pela excelência do fazer. É muito orgulho e compromisso com esse legado.

Dessa ligação com a labuta na terra e o respeito ao ambiente da vida catingueira de muita luta e coragem para trabalhar, me comprometo em frutificar exemplos como inspiração e compromisso através de ações Imersivas "Nordeste-Sertão Adentro-Caatinga Afora" realizadas pelo Movimento AMA- Amigos do Meio Ambiente.

São Imersões Jornalísticas em campo minado de desafios desde os anos 90 e de forma independente,  em territórios tradicionais identitários como pequenos agricultores familiares, quilombolas, fundos de pastos, indígenas, feirantes, artesãos.

As pautas são orgânicas e os temas espinhosos: miséria, desigualdade, falta de saneamento, desmatamento, insegurança alimentar, modos de vida, questões de gênero-mulher, crianças, educação.

As histórias de vida do Nordeste, do Sertão, da Caatinga, alimentam a cultura no cinema, na política, no teatro, na música, na literatura, na religião, nas lutas sociais num ambiente que se ressente historicamente de atenção e cuidados, valorização.