No quarto dia da viagem, o turista fez uma lista de lugares a percorrer digna de atletas que irão a França, em 2024, competir nos Jogos Olímpicos. Escondido das meninas passou sebo nas canelas usando um "dauf arnica" gel massagem e sentou-se para atualizar o Bahia Já.
A lady Bião sabendo que aprecio donuts serviu-me dois açucarados - açúcar e sal em doses certas são dois produtos admiráveis para o corpo humano - e mais ovos e pães. Minha neta já se apresentou maquiada à semelhança da Amy Winehouse oferecendo seu bom dia a Lisboa.
Depois do desjejum partimos. - Perguntou-me Luna no corredor do flat: - Onde iremos? - A Feira da Ladra, respondi. - Com esse nome deve ter muitos ladrões por lá, comentou a madame. - Não diria isso, mas, sempre é bom ter atenção com as bolsas, pois são milhares de pessoas a andar em ruas no Campo de Santa Clara, bairro da Alfama, ponderei.
Tendo algum conhecimento em pesquisas expliquei as meninas que existem várias teorias sobre o topônimo da feira. Uma delas diz que o nome “Ladra” vem de um piolho, conhecido como “piolho ladrão”, que é encontrado em feiras do gênero e em velharias.
Outra, explica que o nome pode ter origem nas feiras existentes em Paris na idade média, as quais tinham o nome de Saint-Ladre, derivado de Saint-Lazare. E, na cidade luz, há, ao menos dez feiras da ladra, a mais famosa em Montmart, ainda hoje.
Estudiosos da língua árabe atribuem o nome há uma herança da ocupação muçulmana da cidade, por longos anos, e sua origem estaria ligada a uma estátua de Nossa Senhora cujo nome árabe é Al Hadra (a virgem) e foi sendo alterado pela língua portuguesa até Ladra.
O que parece mais verdadeiro é a associação do nome da feira ao tipo de negócio com objetos usados ou de segunda mão, alguns deles advindos de roubos. O frei António do Rosário, lisboeta do século XVII, que abraçou a vida religiosa na Ordem dos Agostinhos Descalços no convento do Monte Olivete, dizia sobre a "Ladra" que o nome estava na origem de "muitos desvarios e causa de muitos pecados".
Pela quantidade de objetos que se vende na feira, de óculos a binóculo, milhares de bisquis e louças, roupas e tênis de toda natureza, tudo comercializado sem notas fiscais e na base da pechincha é impossível saber-se donde veem tantos produtos e suas origens. E o melhor é nem procurar saber porque ficaríamos o dia todo falando desse tema sem chegar a lugar algum.
Já na praça Dom Luis I dei a mão a um taxista e assim que o português parou o veiculo ao lado do Mercado da Ribeira aboletei-me no banco da frente e as jovens no traseiro.
- Gostaria de irmos a Feira da Ladra, falei para o distinto senhor. - Com prazer. É um ótimo lugar, disse o gajo, explicando que a feira é antiga e só funciona às terças e aos sábados. E que deveríamos ter alguns cuidados com os batedores de carteiras. Mas, o nobre taxista não associou tudo o que existe na "Ladra" a ladrões entendendo eu que há muita gente que trabalha e vive da feira, famílias inteiras, atuando honestamente.
Por posto, estávamos num sábado e o Cais do Sodré por onde deslizava nosso veículo estava iluminado pelo sol do meio dia, inverno, é verdade, mas, brilhando.
Adiante, comentei: - Um cruzeiro acolá. Em Salvador, onde moramos, o governo do estado proibiu-o alegando temer um espalha Covid pelos turistas.
- Acá - respondeu o taxista - durante as festas de final do ano havia vários desses navios com milhares de pessoas nas ruas e ninguém se contaminou a mais ou a menos, tudo dentro do previsto. - É, cada lugar tem seu gestor, avalizei.
O táxi atravessou ruas pela Alfama e chegamos ao Largo de Santa Clara onde se situa o inicio da Feira da Ladra. - Chegamos, disse o taxista. A senhora Bião pagou a corrida e em instantes estávamos a percorrer a feira.
A feira é a mais antiga e popular de Lisboa. Com raízes que remontam ao século XIII, mudou-se de sítio em sítio, até se fixar no Campo de Santa Clara, freguesia de São Vicente próxima ao Monastério de São Vicente de Fora. Dedica-se ao comércio de objetos antigos e peças de segunda-mão, além de artesanato e uma infinidade de produtos - de pneus a martelos, panelas, louças, alicates, tapetes, relógios, sapatos, almofadas e outros.
Acha-se de tudo e são milhares de produtos espalhados em tendas, mesas, barracas, vans, em panos no chão, onde se possa colocar. Funciona nas terças e nos sábados e é frequentada por milhares de pessoas num enxame de gente, das 7h às 18h, aproximadamente.
São tantos os produtos com preços baratos que é impossível percorrer toda a feira sem comprar algo. Objetos de casa - louças, bisquis, pratos, licoreiras, etc - são dezenas de milhares. Também muito procurado são as roupas de segunda mão e calçados, especialmente tênis e botas.
Insiste com a senhora Bião em comprar uma licoreira para dar um presente, mas ela advertiu que a peça tinha pescoço longo e fino e seria difícil de acomodarmos nas nossas malas de viagens.
Alguém passou próximo de minha neta e advertiu: - Cuidado com sua bolsa tem gente de olho nela. Sobressalto! La Bião recomendou que ela colocasse a bolsa com a alça trespassada no ombro e colocada à frente do corpo.
Segundo historiadores, a Feira da Ladra teve início no Chão da Feira, ao Castelo, provavelmente em 1272, tendo mais tarde passado para o Rossio. É no ano de 1552 que surge uma primeira notícia da realização da feira no Rossio, na Estatística Manuscrita de Lisboa. Em 1610 aparece a designação Feira da Ladra numa postagem oficial.
Depois do terremoto de 1755 instalou-se na Cotovia de Baixo (atual Praça da Alegria), estendendo-se mesmo pela Rua Ocidental do Passeio Público. Em 1903, ocupou o Campo de Santa Clara, às terças-feiras, e, desde 1903, também aos sábados.
Essa é a historinha resumida da Feira da Ladra. Depois de andarmos por toda a extensão da feira, diga-se, sem comprar um alfinete, decidimos visitar o Convento de São Vicente de Fora.