Cultura

LISBOA, CAP 14: A LIVRARIA MAIS ANTIGA DO MUNDO, A BERTRAND DO CHIADO

A visita do jornalista TF a Bertrand deu-se em janeiro de 2022
Tasso Franco , Lisboa | 25/05/2022 às 03:45
A Bertrand no Chiado, Lisboa
Foto: BJA

Levantei-me como quem estava disposto a dar uma volta na Garret, meneei pela estátua do poeta Fernando Pessoa sentado em frente ao "Café A Brasileira" e continuei assim a olhar o povo a andar, ouvi um cantor 'brasis' maltratando uma canção do Cazuza e disse as Jesus que iria a Livraria Bertrand.

   Minha neta questionou: - De que se trata ilustre surdo? - e pô-se a rir. A senhora Bião com pose de Caterine Deneuve degustava um branco, creio, do Minho ou do Douro, pois, conhece de uvas e alvarinhos. - Não demores que, mais tarde, assim que as luzes se acenderem em Lisboa iremos a Tasca do Chico.

  Perguntei, então, ao garçom do café por que a iluminação natalina do Chiado não mais se acendia. - Já passou a data das festas de final de ano, daí não mais temos luzes à vista, confidenciou. 

   Tomei das pernas em direção a Bertranf prometendo a senhora Bião que minha demora seria pouco, a tempo de comprar algum livro e apreciar as novidades. - Que assim seja, estamos em momentos de vinhos e fados e não de livros, ponderou. Não dei ouvidos e segui adiante. Em instantes já estava na esquina da Bertrand que fica próximo do café, um pulo, apenas.

   Na Bertrand, percorri as suas sete salas com milhares de livros. É reconhecida pelo Guinness World Records em 2011 como a livraria mais antiga do mundo em funcionamento, pois vende livros desde 1732.

   “O fim é o princípio” – assim começa o Manifesto Bertrand e é também desta forma que podemos iniciar a expedição pela livraria entrando pela porta principal na Rua Garrett ou pela porta do Café Bertrand, inaugurado em Maio de 2017, na Rua da Anchieta.

  Se optarmos pela porta principal, a primeira sala que nos acolhe é a de Aquilino Ribeiro. À direita, junto à estante que dá destaque à sua obra, encontramos o “Cantinho do Aquilino”, lugar que em tempos foi onde o escritor se recolhia em leituras e pensamentos.

  A Bertrand do Chiado é uma livraria peculiar, pois além de ser uma loja de livros, é um espaço onde é possível fazer uma expedição pelas várias salas e pelos autores que as apadrinham.

   Para além de Aquilino segue-se José Saramago, Eça de Queiroz, Almada Negreiros, Alexandre Herculano e Sophia de Mello Breyner, todos eles com um espaço que lhes é dedicado: uma estante, onde se lhes destaca. 

    Espaço que vem acentuar a fusão entre história e modernidade, permitindo que os clientes juntem sabores às suas leituras.

   O Café convida os mais ou menos curiosos a “provar os livros”, numa homenagem a estes objetos que são detentores do saber culinário e gastronómico. É com receitas da cozinha portuguesa e internacional que se servem os clientes das 9h00 às 22h00, no mesmo horário da livraria.

  O corredor, elo de ligação entre cada uma das salas e também elo peculiar, é considerado um livro aberto da história da livraria, pois está decorado com alguns quadros que vão contando um pouco da vida da Bertrand.

  Nele, podemos encontrar, por exemplo, um excerto de uma carta de Almeida Garrett, in Relações de Garrett com os Bertrand – Cartas Inéditas: 1834 – 1853, elogiando o trabalho dos irmãos Bertrand.

  Percorrer este corredor com atenção é explorar o espaço e o tempo; é encontrar em cada esquina e em cada sala, livros e autores, mas também pedaços de Lisboa e do país. Talvez por isso, a Bertrand receba a visita tanto dos portugueses como dos estrangeiros!

   O segredo da riqueza histórica desta livraria está na capacidade de permanência ao longo tempo: não se limitando apenas à venda de livros, acolheu também figuras ilustres da História, do pensamento e da literatura portuguesas. Vivenciou acontecimentos como o terremoto, uma guerra civil, um regicídio, a implantação da República, a unificação da Europa, entre tantos outros.

  Frequentada por vultos da literatura portuguesa, como Bocage, José Agostinho Macedo ou Curvo Semedo, também foi lugar de tertúlias literárias por escritores da Geração de 70, como por exemplo, Alexandre Herculano, Eça de Queiroz e Ramalho Ortigão.

  A Bertrand do Chiado guarda histórias que a edificam no alto dos seus 285 anos. Exemplo disso é a história de José Fontana, antigo livreiro e um dos gerentes que passaram por esta casa. O fundador da Associação Fraternidade Operária, quando já sofria de tuberculose, acabou por se suicidar no então armazém da livraria, atualmente o Café Bertrand.

  Outro pedaço de história desta livraria é o Almanaque Bertrand, fundado em 1899 e considerado uma peça de coleção para alguns leitores. Foi publicado até 1969, só voltando a sua edição a ser retomada em 2011, quando a Bertrand do Chiado foi considerada a livraria mais antiga do mundo em funcionamento.

  A loja online, a simplificação do processo de compra – através das reservas ou da compra online com levantamento nas livrarias – e as facilidades do cartão Leitor Bertrand trazem atualidade e projetam a livraria mais antiga do mundo para o futuro.

   Os Clubes de Leitura, que se realizam todas as terceiras segundas-feiras do mês (na Livraria Bertrand do Chiado) e que têm como finalidade a discussão de determinado livro, os Cursos de Literatura e os Cursos de Livreiro para Crianças trazem à Bertrand os amantes de livros e incentivam à leitura tanto os adultos e como os mais pequenos.

   Em janeiro de 2019, a Livraria Bertrand do Chiado foi reconhecida pela Câmara Municipal de Lisboa como Loja com história.

    Sai, em mãos, com a obra de José Saramago, "Levantado do Chão", publicado em 1980 e considerado um dos romances fundamentais do autor português.