Cultura

LISBOA, CAP 6: A MAIS VALIOSA COLEÇÃO DA ARTE SACRA DE PORTUGAL (TF)

Museu da Santa Casa de Misericórdia localizado na Praça Trindade Coelho, Misericórdia, centro de Lisboa
Tasso Franco , Salvador | 23/03/2022 às 07:48
Museu pertence a Santa Casa de Misericórdia de Lisboa
Foto: BJÁ
      Ao deixar a igreja de São Roque desci a escadaria em direção a praça Trindade Coelho e dirigi-me a um quiosque de refrescos e petiscos, a procura de água. Achei-a das Termas de Luso. Deparei-me, adiante, com pichações do PCP-PEV portugueses arguindo melhorias de trabalho aos operários com dizeres "Trabalhadores da S.C.M.L. exigem congelamento das progressões". 

   Mergulhei as mãos no rosto depois de goles d'água e ouço a voz de minha neta nos meus ouvidos moucos convidando-me para irmos ao Museu São Roque, anexo a igreja e pertencente a Santa Casa de Misericórdia de Lisboa.

  - Estou pleno de santos até aqui, apontei para meu gogó com as mãos, fotografando as faixas dos comunistas, a estátua do padre Antônio Vieira e a fachada do prédio da Santa Casa. 

   Ela insistiu: - Eu quero ir neste museu importante da nossa história. A senhora Bião reforçou o desejo apontando-me a direção do centro de cultura. E, em passos à frente, estávamos na portaria do museu. 

   O Museu de São Roque ou Museu de Arte Sacra de São Roque é anexo à igreja deste mesmo santo e possui uma coleção de arte sacra valiosa, do espólio da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa. 

  Há, entre as peças expostas no local uma imagem de São Francisco Xavier, padroeiro de Salvador, de corpo inteiro. Pelo menos para mim uma raridade uma vez que a imagem deste santo existente na Basílica da Sé, na capital baiana, só tem a metade do corpo e na procissão realizada anualmente pela Câmara de Vereadores é esta imagem, em andor, que percorre as ruas do centro de Salvador. 

   Certa ocasião - quando trabalhava na Prefeitura de Salvador - fui convidado pelo então vereador Antônio Lima, conhecido como "o feirante", que adorava um terno de linho branco e nas sextas de Xangô só vestia branco dos pés à cabeça, para irmos à procissão de São Francisco Xavier. Apresentei-me em hora combinada com mediana disposição para integrar o miúdo cortejo, quando vi que a imagem do ilustra santo carregada em andor pelos edis, só tinha a metade do corpo, do tronco para cima. 

   E, pesquisando nos anais da história da CMS, verifiquei que este bendito santo foi quem destituiu Santo Antônio - original padroeiro da cidade do Salvador - do trono de padroeiro em função da crença de que, feitas orações para Xavier, apóstolo jesuíta da Ásia, em especial, Malaca, cessou-se uma epidemia de cólera que já havia matado muitos baianos. 

   Em função disso, dessa crença difundida pela Companhia de Jesus, ainda não havia antibióticos e vacinas, os jesuítas, que eram politicamente fortes na cidade do Salvador, seduziram os vereadores da CMS e entronizaram-no como padroeiro da cidade, relegando Santo Antônio apenas aos altares. E, como tudo que é artificial soa dessa maneira, São Francisco Xavier nunca foi louvado pelos baianos; enquanto Antônio segue um dos santos mais queridos.
 
  E, em visita a sacristia da Sé baiana, noutra época, tive a oportunidade de verificar mais de perto a imagem barroca de São Francisco Xavier, que com zelo é guardada neste local e só vai às ruas centrais da cidade em procissão no dia 15 de maio. 

  Voltemos a Lisboa. Há, ainda, no museu de São Roque, vários óleos de dom João III, filho de Dom Manuel, o Venturoso, rei que mandou fundar a cidade do Salvador, em 1549, e é pouco cultuado na Bahia. Para estudiosos da história da Bahia essas peças teriam grande importância. 

  Este museu de Arte Sacra foi inaugurado, em 1898, ano em que se comemorava, em Lisboa, a chegada de Vasco da Gama à Índia e o 400.º aniversário da instituição. Foram apenas apresentadas as alfaias e paramentos do tesouro da Capela de São João Batista, encomendada por D. João V a Roma para a Igreja de São Roque. 

 Mais tarde, a Santa Casa procede à preparação de uma exposição permanente não só do tesouro da capela, mas também das obras mais relevantes do património artístico da instituição. Para tal, foram escolhidas algumas salas da antiga casa professa da Companhia de Jesus, dependências que, anexas ao templo, eram desde 1783 o local onde se procedia a extração da Loteria Nacional.

 Em 1992 foram realizadas obras de remodelação para que pudesse albergar ainda mais peças, entre as quais se encontram exemplares de pintura, escultura e ourivesaria de meados do século XVI a 1768, período que corresponde à permanência dos jesuítas na igreja e antiga Casa Professa de São Roque.

  Desde que foi fundada, em 1498, a Misericórdia de Lisboa reuniu um vasto património histórico, artístico e documental, do qual se destacam os acervos do Museu e da Igreja de São Roque, classificada como Monumento Nacional em 1910. Aa diversas esculturas de Cristo, em marfim, são perfeitas, encantadoras. 

 A história deste local começa no início do século XVI quando o rei D. Manuel mandou construir uma ermida para guarda a relíquia de São Roque, para que este santo protegesse Lisboa da peste negra. Com a formalização papal da Companhia de Jesus, a Ordem, em1555, inicia-se a construção da Casa Professa.

 Decorativamente o museu abriga obras entre o final do século XVI e o XIX, em parte graças ao financiamento de congregações e irmandades. Reestruturado entre 2006 e 2008, os visitantes apreciam a riquíssima coligação do antigo espólio de arte sacra pertencente à Companhia de Jesus, compreendendo pintura, escultura, objetos litúrgicos, arte oriental, e uma das mais importantes colecções de relicários da Europa, assim como o espólio da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa, hoje proprietária do museu.

Minha neta ficou maravilhada e eu tive a oportunidade de conhecer São Francisco Xavier de Corpo inteiro. Se o ex-vereador Antônio Lima ainda fosse vivo iria convidá-lo para ir a Lisboa e a este museu. Tenho certeza que adoraria.