Cultura

A CADEIRA E O ALGORITMO CAP 21: AS RELAÇÕES DE CONSUMO E A INTERNET

A convivência das novas tecnologias (uso da internet) com as velhas (uso do microfone e do palhaço) nas vendas de produtos
Tasso Franco ,  Salvador | 07/03/2022 às 08:54
A compra direta, no comércio de rua, sem provador, a preços baixos
Foto: BJÁ

As novas tecnologias da internet estão modificando os hábitos de consumo no mundo e as relações entre consumidores e lojistas, consumidores e áreas de serviço, e potenciais clientes do lazer e do turismo. São alterações que ocorrem de uma maneira muito intensa com os marketeiros se beneficiando dessa situação para enfiar goela abaixo dos consumidores todo tipo de produto, alguns dos quais, comprados sem a menor necessidade das pessoas. 

  O alerta mais empolgado vem do psicólogo evolucionista Geoffrey Miller, da Universidade do Novo México, EUA, o qual, em duas publicações "The Mating Mind" (literalmente, a mente acasalamento) estudou a compreensão da espécie humana a partir da teoria da seleção sexual de Darwin; e "Spent Sex Evolution", publicado no Brasil com o título de Darwin vai às compras revela aspectos do consumismo capitalista que já contaminou o Oriente, até mesmo países comunistas como a China, os homens de marketing e propaganda não respeitando a evolução natural do "sapiens’ e seduzindo as pessoas com apelos de um consumismo desenfreado. 

  Geoffrey alerta para a evolução natural dos desejos humanos e a vontade própria dos consumidores no mundo capitalista e comenta que "a maior parte dos marqueteiros ainda usa modelos simplistas, desatualizados em relação aos últimos vinte anos de pesquisas feitas pelos antropólogos, biólogos e psicólogos evolucionistas da natureza humana".

  Segundo Geoffrey, os marqueteiros ainda acreditam que os produtos mais badalados são comprados para ostentar riquezas, status e gosto e perdem de vista as características mentais mais profundas que as pessoas são realmente programadas para exibirem - traços como gentileza, inteligência e criatividade. Ou seja, os profissionais de vendas ignoram os conceitos da teoria Darwiana.

  Os estudos realizados ao longo de décadas revelam exemplos de armadilhas que o 'sapiens' enfrenta, diariamente, em bombardeios contínuos nos veículos de massa, agora, mais especificamente pela internet, para comprar uma bike ou um audi. Ou para se tornarem mais atraentes e empoderados - homens e mulheres, mais as mulheres do que os homens - atraídos pela máquina de vendas dos produtos de embelezamento, estética e emagrecimento. 

  Vemos com frequência no noticiário da TV pessoas que morreram diante consumo excessivo de chás e produtos não científicos para emagrecimento, a mais recente no Brasil - em investigação - uma cantora famosa, e advertências frequentes de cientistas como Raymundo Paraná, o hepatogista baiano, com alertas sobre os perigos que isso acarreta. Ainda assim, esses chás e outros produtos seguem à venda nas prateleiras de lojas e pela internet. 

  Há, segundo análise de Geoffrey, a psicologia social do narcisismo consumista com toda a estrutura repousando sobre a premissa questionável de que as outras pessoas realmente notam e se importam com os produtos que compramos e ostentamos. Atesta o psicólogo que "esta é uma falha profunda na psicologia social humana". E exemplifica que um lifting facial de 15 mil dólares pode fazer uma mulher de 55 anos de idade aparentar vinte anos a menos do ponto de vista das rugas e dobras faciais, mas não pode ocultar outros indícios de idade no pescoço e nas mãos.

  A corrida não tem limites diante da perspectiva de crescente prosperidade, que pode ser artificial, encorajada pelo capitalismo de consumo. Agora, pela internet, há cursos e ensinamentos de toda natureza nas áreas da fisioterapia, medicina e processos psíco-terapêuticos.

  Geoffrey observa que toda cautela é pouca para enfrentar a rotina consumista sustentada no tripé - trabalhar, comprar, almejar - uma vez que a necessidade é uma palavra subjetiva. E quando se trata de subjetividade, o cérebro, que comanda todas as ações do 'sapiens" age, às vezes, sem que as pessoas percebam - por vaidade, apelos do marketing e outros - levando-as a encher os carrinhos de compras adquirindo produtos que não tem necessidade.

   O que faz, por exemplo, uma mulher comprar mais 5 ou 6 pares de sapatos se ela já tem no seu armário dezenas de outros pares. E um homem usar um Rolex de milhares de dólares. Não representam desejos ancestrais observando-se a teoria de Darwin, do comportamento humano a partir da perspectiva evolutiva. Pelo contrário, se encaixam dentro da psicologia na relevância das vendas (marketing) estruturada a partir de Edward Bernays (1891/1995), um dos teóricos fundadores da propaganda e da publicidade.

 Bernays, sobrinho de Freud, usou os conceitos da psicanálise para " construir o consenso numa sociedade democrática". Em seu livro "Propaganda", de 1928, Bernays argumenta: "A manipulação consciente e inteligente das opiniões e dos hábitos organizados das massas é um elemento importante na sociedade democrática" e observava que é preciso respeitar "as crenças e desejos dos consumidores".

 O marketing passa a ser o elemento central da cultura e transforma os consumidores em mestres da tecnologia e avança em todas as direções fazendo com que a mulher compre mais sapatos sem necessitar deles e o homem um rolex de alta tecnologia, que, a rigor marca horas como qualquer outro relógio.

 Geoffrey aborda as cinco características centrais da personalidade humana - abertura, conscienciosidade, afabilidade, estabilidade e extroversão - e cita que as pessoas com baixos níveis de abertura tendem a procurar a simplicidade e a previsibilidade, resistem às mudanças e respeitam a tradição. Sobre a conscienciosidade elevada destaca que "só porque você pode, não quer dizer que deva"; e na baixa consciensiosidade "viva cada segundo como se tivesse fogo no rabo".

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 Lembro de alguns momentos de minha vida como consumidor e o que se passa nos dias atuais. Na década de 1950 quando tive a necessidade de usar calças compridas e blazer para estudar no ginásio, com uso obrigatório de gravata, meu pai me levou a um alfaiate para costurar a roupa sob medida uma vez que, em minha cidade, não havia confecções prontas. 

  Doze anos depois, morando em Salvador e já exercendo a profissão de jornalista tive a necessidade de comprar um terno - os repórteres da Tribuna da Bahia eram obrigados a usar terno e gravata no dia-a-dia - e já o fiz, me dirigindo a uma loja, comprando um terno pronto experimentado no provador da loja.

  Na relação consumidor/produto veja que, no uso dos ternos ambos por necessidade, no primeiro caso meu pai me levou a um alfaiate e o modelo era único para todos os alunos com tamanhos diferenciados na altura e formato dos corpos de cada aluno; no segundo caso, tive a oportunidade de ir a uma loja onde havia vários ternos na vitrine e, com a ajuda de um vendedor, escolhi o que achava mais conveniente para mim, tanto em relação ao custo, quando na moda, na modernidade.  

 São, portanto, relações de consumo diferenciadas, o primeiro com medição do alfaiate em seu corpo com uma fita métrica da altura da perna, quadril, peitoral e braços; e o segundo experimentando o terno num provador a confecção já pronta, com a ajuda de um vendedor e uso de um espelho. Eram também marketings diferenciados: o alfaiate usava o boca-a-boca; a loja de Salvador, o meio impresso (jornais) e a propaganda na TV.

  Hoje, na compra de um terno, posso simplesmente acessar um portal de vendas da internet, verificar o modelo do terno que desejo, preço, tamanho, etc, e comprar via on-line, dispensando-se todos os elementos antigos no processo - o alfaiate, o costureiro e o vendedor da loja. Minha relação será mais direta, como tem sido na compra de outros produtos. O marketing neste último caso é feito on-line e uso o banco de dados do Google buscando 3 palavras: terno/Salvador/venda. A partir dessa busca terei várias opções na telinha do meu iPhone e escolho uma delas e faço a compra. É, então, que entram os algoritmos, os códigos, o meu cartão de crédito e o recebimento do produto em minha casa.

  E onde entram os profissionais de marketing nesse contexto? É melhor ou pior esse tipo de compra na atualidade? A subjetividade, o pensar, o analisar as 6 características centrais da vida - inteligência, abertura, conscienciosidade, afabilidade, estabilidade e extroversão - entram na sua avaliação? 

  É muito difícil responder a essa pergunta e os altos e baixos níveis de cada uma delas, pois, se os gatos pudessem falar não o fariam; ou, como dizem, os doces das pessoas estranhas são os melhores; ou em estabilidade, não cabe à vida tornar você feliz; cabe a você tornar a vida feliz.

  A questão essencial é que as novas tecnologias também empurraram os especialistas em marketing para novos caminhos uma vez que, lembrando do meu terno, o alfaiate, a alfaiataria (Adão não se vestia porque Spinelli não existia) ainda sobrevivem numa escala muito reduzida; e os consumidores, sabendo disso, buscam também comodidade. 

   E vamos, então, para onde? Para o consumo de massa na internet. Estamos nessa direção. Eu recebo, diariamente, ao menos 5 ofertas do ifood todos os dias. Como ele me fisgou e colocou-me no seu banco de dados? Bem, certo dia, comprei um sanduíche, fritas e uma coca-cola por lá. Pronto. É assim que entramos em vários bancos de dados sem querermos. 

  É possível sair desses bancos de dados? É. Mas, convenhamos, o mundo virtual nos proporciona vários benefícios com esses mecanismos. Temos, portanto, de conviver com eles. Saber conviver. Não dá mais para usar o orelhão e falar para o Brasil via Embratel como fazíamos, na década de 1980, de Londres para Salvador. Há o whatsApp, rápido, barato, com imagens, a qualquer hora à sua disposição.

  É isso: a convivência das velhas tecnologias com as novas nas relações de consumo ainda existe e tanto posso comprar uma roupa numa loja da Av Sete provando-a numa cabine com espelho; como comprá-la no comércio desta mesma rua, na calçada, medindo-a no olhômetro; ou comprar pela internet. Hoje, no entanto, é provável que você esteja comprando mais coisas pela internet do que indo as lojas.

  Brindemos, pois, com goles de tinto, a última oferta do Envino daquele kit que v comprou 10x51,90 passando seu cartão e recebendo o Alentejo em casa.