Cultura

A CADEIRA E O ALGORITMO CAP 20: BRASIL PERDE BONDE DA HISTÓRIA EM TEC

Brasil só se igualou ao mundo na época do Império com Dom Pedro II, o último mecenas da tecnologia
Tasso Franco , Salvador | 28/02/2022 às 07:45
Dom Pedro II, o mecenas da tecnologia
Foto: REP
    

      No próximo dia 7 de Setembro o Brasil comemora 200 anos da independência do jugo português quando deixa de ser Reino Unido de Portugal, Brasil e Algarves em 16 de dezembro de 1815, com a elevação do Estado do Brasil (1549-1815) a reino. Há uma confusão enorme e debate entre os historiadores se o Brasil deixou de ser Colônia de Portugal, em 1808, com a transferência da Corte de Lisboa para o Rio de Janeiro fugindo da ocupação do Exército de Napoleão; se em 1815, quando foi criado o Reino do Brasil já com Dom João VI no poder; ou em 1822, quando é criado o Império do Brasil, com Dom Pedro I.

  Entendo que, na prática, a data a ser considerada como fim da Colônia é 1808 quando a Corte se instalou no Rio de Janeiro e comandava as ações do Império Português, com negócios na África e na Índia, a essa época Portugal territorial sob domínio francês. A constituição oficial, no entanto, é de 1815, quando foi criado o Reino do Brasil, Portugal e Algarves com sede no Rio, também denominado Império Brasil ou Brasil Monárquico

  O príncipe Dom Pedro de Orleans e Bragança, em 1822, ao proclamar a independência do Brasil de Portugal mantém o país com a designação de Império, obviamente, sem Portugal e Algarves. O Brasil Imperial, que compreendia os territórios do Brasil e do Uruguai só existiu até 1828, quando as Províncias Unidas do Rio do Prata, ao vencerem a Guerra Cisplatina, criaram o Uruguai. 

  A rigor, o Brasil era uma monarquia constitucional parlamentar representativa, com a ascensão ao trono do imperador Dom Pedro I. Seu pai, D. João VI, em decorrência da Revolução do Porto retornou a Portugal em 1821, deixando seu filho e herdeiro, Pedro, para governar o Brasil como regente. Em 7 de setembro de 1822, Pedro proclamou a independência do Brasil e foi aclamado em 12 de outubro do mesmo ano como Dom Pedro I, primeiro imperador do Brasil. 

  Mais um pouco de história só para embasar o objeto central da minha análise para o livro "A Cadeira e o Algoritmo - a convivência das velhas tecnologias com as novas". Nosso foco principal é mostrar em que estágio da 1ª Revolução Industrial (1760/1849), Inglaterra, o Brasil se encontrava, na substituição da mão de obra humana pelas máquinas, com uma transformação radical nas estruturas política, social, econômica, cultural e tecnológica.  

  Em 1826, apesar de seu papel da independência do Brasil, D. Pedro I (1798-1834) tornou-se rei de Portugal (D. Pedro IV), abdicando imediatamente em favor de sua filha mais velha. Dois anos depois, Maria II teve o trono usurpado pelo irmão mais novo de D. Pedro I, Miguel. Incapaz de lidar simultaneamente com os problemas do Brasil e de Portugal, Pedro I abdicou ao trono brasileiro em 7 de abril de 1831 e imediatamente partiu para a Europa para restaurar sua filha ao trono português. 

  O sucessor de Pedro I no Brasil foi seu filho de apenas cinco anos, Pedro II. Sendo ele ainda menor de idade foi instalada uma regência. Pedro II, quando aclamado imperador, a partir de 1840, com o golpe da maioridade organizado pelos liberais, conseguiu pacificar e estabilizar o país, que viria a tornar-se uma potência emergente internacional. Sob o reinado de Pedro II, o Brasil foi vitorioso em três conflitos internacionais (a Guerra do Prata, a Guerra do Uruguai e a Guerra do Paraguai) e o império prevaleceu em inovações tecnológicas.

  Quando Dom Pedro I proclamou a independência do Brasil às margens do riacho Ipiranga, em São Paulo, após retorno de uma viagem usando cavalos de Santos para o Rio, onde conhecera Domitila de Castro Canto e Melo, sua futura amante e marquesa de Santos já existiam as primeiras ferrovias com locomotivas a vapor. Partira do Rio para São Paulo, em 14 de agosto de 1822.

  O Príncipe-Regente teria recebido duas correspondências (uma de sua esposa, a princesa Leopoldina e uma de José Bonifácio de Andrada e Silva) que o informavam sobre as decisões da Corte Portuguesa, em que Pedro deixava de ser Regente para apenas receber e acatar as ordens vindas de Lisboa. Indignado teria falado o termo "Independência ou Morte". 

  Veja vocês que, em termos de tecnologia, o meio de transporte usado pelo príncipe foi o cavalo de uso individual, potro novo e forte, e não uma junta de cavalos ou bois puxando uma carruagem. O cavalo esquipador - tipo manga larga - era o mais rápido meio da época podendo fazer até 80 km num dia, com parada para alimentação e água. No outro dia, o príncipe usava um novo cavalo em fazendas pré-determinadas. Era possível fazer o trajeto Rio-São Paulo em 8 dias. 

 A viagem de dom Pedro I a São Paulo se estenderia por quase um mês dada a importância do ponto de vista político. A província de São Paulo vivia um momento conturbado, com um princípio de motim em que parte da elite ameaçava se recusar a cumprir ordens da capital.

"Dom Pedro veio firmar alianças com os fazendeiros, apaziguar o cenário e preparar terreno para a Independência", afirma o historiador Paulo Rezzutti, autor,  entre outras obras, de "Dom Pedro I, a história não contada". 

 Dom Pedro, em 1822, tinha apenas 24 anos de idade, portanto, jovem, forte e exímio cavaleiro. Outros componentes da montaria eram os arreios, a sela, as botas, a chibata e as esporas. 

 Observe que, se a independência fosse feita nos dias atuais, o príncipe regente usaria um avião a jato da Força Aérea Brasileira, o riacho Ipiranga sairia de cena, as cartas seriam substituídas por informações no iPhone e a viagem até o o Rio duraria apenas 60 minutos.

 Veja, ainda, que em determinadas áreas rurais do Brasil o cavalo usado de forma individual ainda é o meio de transporte mais rápido entre duas localidades, e também muito usado no pastoreio do gado bovino, os gaúchos ou vaqueiros utilizando as mesmas ferramentas que dom Pedro usava em 1822: arreios, selas, chibatas, botas e esporas.

 O Brasil só implantou sua primeira ferrovia, em 1854, com a inauguração da Estrada de Ferro Mauá, inaugurada por Dom Pedro II, mas concebida pelo empreendedor Irineu Evangelista de Souza (Barão de Mauá).

 Outro detalhe importante da proclamação da independência é que dom Pedro teria usado uma espada para dar o grito da independência ou morte, arma que, naquela época (1822) já era considerada uma velha tecnologia porque já existiam as armas de fogo manuais e os canhões de guerra.  

 Nesse momento histórico, o meio de comunicação mais importante do país era o impresso - os jornais a Malagueta, Espelho e Correio do Rio de Janeiro - e os folhetos, alguns anônimos. Mas, essas informações do governo central instalado no Rio para chegar às províncias demorava meses. Na Bahia, o comandante militar português Madeira de Mello não acatou a independência do 7 de setembro de 1882 e promoveu sua própria 'guerra', sendo expulso da Bahia em 2 de julho de 1823.

  Segundo Raissa Pereira Soares, em estudo para a Universidade Estadual de Londrina (2016), "A Malagueta, com suas publicações polêmicas gerou discussões com outros redatores e políticos do período, que foram alvo das críticas veiculadas pelo jornal. Seu redator, Luís Augusto May, inclusive sofreu dois atentados devido à veemência de suas publicações.

  - O Correio do Rio de Janeiro, de João Soares Lisboa, apresentava artigos de seu redator, importantes para as discussões que ocorriam na sociedade, procurando esclarecer a população sobre a situação política do Brasil e, ao mesmo tempo, difundindo ideias liberais, inclusive traduzindo pensadores em suas edições.

  - O Espelho, do redator Ferreira de Araújo, envolveu-se também em discussões com outros periódicos. Trazia artigos com opiniões polêmicas, e o próprio Dom Pedro I escrevia sob anonimato nas páginas deste jornal. Apesar das polêmicas em que se envolvia era também criticado por não defender a liberdade do Brasil de maneira tão veemente como os outros periódicos, trazendo em suas páginas muitas informações acerca do governo, como os dados da economia das províncias", conclui. 

  Os periódicos mostravam a insatisfação com as transformações que ocorreriam no Brasil após a aprovação da Constituição portuguesa que, entre outras medidas, exigia o retorno de D. Pedro I para Portugal, assim como o seu pai D. João

  Nesse contexto, os jornais informam e participam da discussão relativas às tentativas brasileiras de libertar o País do jugo lusitano. São textos escritos sob influência das luzes portuguesas, tendo o claro objetivo de dar fim ao Antigo Regime - no qual o governante se coloca acima das leis e rege sob sua vontade - e atribuir ao Brasil uma Constituição, garantindo a liberdade do País. 

   Para Ana Paula Goulart Ribeiro, professora ECO/UFRJ, em estudo complementa: "No processo da independência, houve uma verdadeira explosão da palavra impressa. Além de periódicos, proliferaram vários tipos de impressos: panfletos, manifestos, proclamações.

  "A proliferação da imprensa a partir de 1821 foi resultado da liberdade de expressão surgida com o
constitucionalismo. O fim da censura prévia possibilitou, sem dúvida, o crescimento da imprensa periódica no Brasil, mas é importante sublinhar que a liberdade de imprensa no país não seguiu uma evolução linear nesse período. Constantes alterações na legislação significaram momentos de recuo e de expansão. Além disso, os homens que se dedicavam à atividade da imprensa eram constantemente submetidos às mais variadas formas de arbítrio. Era comum jornais serem empastelados e jornalistas, ameaçados, espancados ou presos".

  No primeiro momento, os impressos não se apontavam necessariamente para a emancipação política, mas sim para o reforço do papel do Brasil no interior do reino português. Mas, conforme a posição dos portugueses foi endurecendo, os debates foram ganhando intensidade e subindo de tom. O antagonismo foi se acentuando na medida em que aumentavam às pressões de Portugal sobre o Brasil. O tema da independência começou a aparecer de forma mais clara entre os fins de 1821 e início de 1822.

 Veja, pois, a importância da imprensa escrita na independência do Brasil. Somente 100 anos depois, surge a primeira emissora de rádio do país, Roquete Pinto, Rádio Sociedade, em 1923. A televisão no Brasil tem início comercialmente em 18 de setembro de 1950, quando foi inaugurada a TV Tupi em São Paulo, por Assis Chateaubriand. Quatro meses depois, em 20 de janeiro de 1951, entra no ar a TV Tupi Rio de Janeiro.

 A Internet chegou no Brasil em 1988 por iniciativa da comunidade acadêmica de São Paulo (FAPESP - Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo) e Rio de Janeiro UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro) e LNCC (Laboratório Nacional de Computação Científica).

 Somente a partir desses momentos (rádio, 1923; TV, 1950; internet 1988) e sobretudo na primeira década do século 21, 2010/2020, é que a imprensa escrita perdeu força e o protagonismo que teve. Já estamos falando da época Republicana uma vez que o regime monárquico acabou em 15 de novembro de 1889.

 As questões fundamentais relacionadas às tecnologias saltam aos olhos nos dias atuais: por que o Brasil abandonou o sistema ferroviário? Você sabia que, quem primeiro usou o telefone na Feira da Filadélfia, em 1876, foi Dom Pedro II com Graham Bell? É quase folclórica a história de como o imperador se aproximou do estande de Alexander Graham Bell, testou um aparelho e exclamou “Meu Deus, isto fala!”.

 O telefone estava concorrendo, entre outros inventos, com a lâmpada elétrica, um telégrafo musical, a máquina de escrever e o ketchup Heinz. Ninguém deu muita atenção para Bell. Ninguém com exceção de dom Pedro, que o cumprimentou efusivamente, em bom inglês. 

 O brasileiro teve a honra de ligar o motor a vapor que provia eletricidade para a exposição - o que dá uma ideia de seu prestígio. O Brasil se tornaria o segundo país do mundo a ter telefone, primeiro ligando a residência imperial às dos ministros de Estado.

  "Em Inovações tecnológicas e transferências tecnocientíficas: a experiência do Império brasileiro", os pesquisadores Sabrina Marques Parracho Sant’Anna e Rafael de Almeida Daltro Bosisio, a partir de um projeto do Centro de História e Documentação Diplomática (CHDD), feito no Arquivo Histórico do Itamaraty (AHI), descobriram documentos que revelam a ação do Estado brasileiro e de seus agentes diplomáticos, entre 1822 e 1889, no sentido de usar a inovação tecnológica e a ciência como forma de criar uma nação, civilizar o Brasil e colocar o jovem país em compasso com os territórios europeus nos quais o Primeiro e o Segundo Reinados se espelhavam

  “Foi muito importante a ação do Ministério dos Negócios Estrangeiros no sentido de transferir tecnologia fazendo circular pessoas, bens e informações, numa tentativa de criar condições para a formação e manutenção do Estado imperial, almejando o seu ingresso no grupo das nações civilizadas e reduzindo o hiato que, segundo se acreditava, o separava dele".

  A formação universitária própria, a troca de mudas de plantas, as escolas universitária, Em 1879, registra-se a primeira utilização da luz elétrica no Brasil, na estação Rio da estrada de Ferro D. Pedro II, quando foram instaladas 6 lâmpadas a arco voltaico “velas Jablochkoff”, alimentadas por dois dínamos “Gramme”. A energia elétrica chegou ao Brasil em 1879, mesmo ano da invenção da lâmpada. Na ocasião, D. Pedro II concedeu a Thomas Edison a permissão de implementar seus equipamentos no país para fins de iluminação pública. Apenas quatro anos depois da chegada da eletricidade, em 1883, D. Pedro II inaugurou em Campos dos Goytacazes, no norte do estado do Rio, o primeiro serviço público de iluminação pública do Brasil e da América do Sul. Já nessa época, a eletricidade era gerada pelo vapor das caldeiras à lenha.

  Então, hoje, a essência desses acontecimentos é por que o Brasil deixou de participar dessa corrida tecnológica iniciada por dom Pedro II e perdeu o bonde da história não detendo tecnologia prória de quase nada, os brasil tendo que importar e consumir produtos estrangeiros na telefonia, na internet, na indústria automobilística, em energia e outros segmentos de ponta? 

   É o que mostramos em "A Cadeira e o Algoritmo", por capítulos, agora, na rabeira da história onde nos encontramos, sem tecnologia e sem o um novo Dom Pedro II à vista.