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LISBOA, CAP 1: UMA BOTA MALDITA A ANDAR, UM SURDO QUE OUVE E A LADRA

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Tasso Franco , Salvador | 16/02/2022 às 07:15
A encantadora Lisboa
Foto: BJÁ

Em primeiro lugar vou explicar aos meus cativos leitores e distintas leitoras o significado do título deste livro - Lisboa, a bota maldita, o surdo e a ladra – aparentemente, excêntrico, para uma melhor compreensão. A satisfação de quem escreve é ser entendido, assim penso. Senão, deixaria à solta o enunciado, para que, cada qual, interpretasse ao seu modo.

Lisboa, todos vocês conhecem, assim imagino. é a capital portuguesa considerada a porta aberta para o mundo, cidade antiquíssima, a Olissipo - designação do grego dada por Roma à localidade também denominada Felicitas Júlia (em latim) - Felicidade Júlia (em português) município romano diante a aliança que os lusitanos fizeram com o Império Romano para enfrentar os cartagineses de Cipião, o Africano, ao lado das tropas de Décimo Junio Bruto Galaico, 205 a.C., o cônsul nomeado para pacificar a região.

Se houve essa guerra descrita pelos historiadores (lusitanos + romanos vs cartagineses) é porque já existiam tribos lusas habitando o território portucalense. Vencido Cipião, Roma construiu uma muralha em volta do núcleo urbano e a localidade foi incorporada com a Pax Romana de Júlio Cesar. Passou a integrar o Império.

A localidade prospera no comércio diante negócios com as províncias romanas do Reno e Britânia e os povoamentos às margens do Tejo, rio que nasce em terras da Espanha. Roma governa-a com regime republicano evitando disputas e pedidos ao governador estabelecido em Emerita, a capital lusitana

Viviam, assim, lusitanos e romanos em harmonia. Olissipo era, então, uma das maiores e mais importantes localidades da Península Ibérica e a população se sentia segura dentro da muralha romana. Olissipo estava ligada por estradas às outras duas grandes cidades do Ocidente da Hispânia, Bracara Augusta (Braga) e Emerita Augusta.

 Posteriormente, com a decadência do Império Romano a localidade foi ocupada pelos povos germânicos - Vândalos e Álanos. Ninguém se entendia. Até que aconteceu a invasão dos árabes por Tarique na Península Ibérica e Olissipo é ocupada pelos mouros, entre os séculos VIII e XII. Em 711, Alusbuna - nome árabe de Lisboa - foi conquistada pelas tropas de Abdalazize ibne Muça, um dos filhos de Tarique.

Imaginem vocês que rolo para os nativos da localidade essas adaptações culturais e comerciais: primeiro os romanos, depois os germânicos falando uma língua que ninguém entendia e finalmente os árabes, pior ainda, enigmáticos, diferentes de que tudo a que estavam acostumados. 

Mas, a vida como ela é. Caça-se com cães, com gatos, com cavalos, a depender da situação. Os árabes eram exímios em cavalos, adagas e na navegação. Alusbuna passa a ser um importante centro administrativo e comercial na troca de seus produtos no Mediterrâneo Árabe, particularmente Marrocos, Tunísia, Egito, Síria e Iraque.

Houve, portanto, um giro diferenciado nos negócios, a abertura para o mundo desconhecido dos lusos que passaram a conviver com os árabes.

 Estima-se que, no século X, Alusbuna (já sendo chamada de Alusbona) possuía mais de 100.000 habitantes. Igualava-se a Constantinopla, Córdoba (capital do emirado árabe) e Sevilha.

Os árabes dominaram a Península Ibéria por mais de 500 anos, mas, é claro, havia resistência tanto dos lusos; quanto dos espanhóis ainda não unificados e chamados de aragoneses, bascos, galegos, castelhanos e outros.

 As reconquistas foram fragmentadas, por territórios. A força econômica que permitia a autonomia do Condado Portucalense situava-se na cidade do Porto (Portucale ou porto da cidade de Cale, a atual Gaia). Criou-se, assim, pelo menos no mapa, um Reino, centrado em Coimbra, que anexou Lisboa, integrando toda a linha do Tejo. Mas era preciso conquistá-la.

Os árabes reforçaram a muralha romana criando o que se constituiu a muralha árabe até às margens do Tejo, encimada no Castelo de São Jorge.

 A primeira tentativa das tropas lusas comandadas por Afonso Henriques de conquistar Alusbona deu-se em 1137. Fracassou, mas, mas não desistiu. Em 1147, com a ajuda das tropas organizadas pelo papa Eugênio III, que se constituiu na II Cruzada para conquistar Jerusalém, e passavam pela localidade, derrotaram os árabes.

  As negociações para convencimento dos cruzados no sentido de entrarem nessa guerra, que não era sua, envolveram os bispos de Braga e Porto, dom João Peculiar e dom Pedro Pitões, representantes da madre igreja, e a promessa de que poderiam saquear a cidade, em especial, os tesouros árabes encastelados em São Jorge.

  A história documentada por Osberno (enigmático cronista) até hoje traz dúvidas se isso aconteceu (ou não) da forma como se propagou na história. O certo é que os cruzados participaram do cerco com catapultas e torres e atacaram simultaneamente por mar e terra impedindo a chegada de reforços árabes vindos do sul. 

  Vencidos os árabes, instalou-se, em seguida, o reino de Portugal, Lisboa - a sede principal - reconfigurando-se na baixa idade média (Séculos XII a XIV), expandindo-se com o comércio marítimo a longa distância e navios de maior calado. Vai se constituir na cidade dos descobrimentos do Novo Mundo a partir do século XV, em especial no século XVI, com a descoberta do Brasil.

 Os historiadores do século XIX e XX costumavam delimitar a vida da cidade em duas eras distintas. A primeira desde a presença do sapiens neandertal na península 30.000 a.C. a vestígios de fenícios no território de Lisboa (1.200 a.C.), incluindo, posteriormente, os períodos romano, visigótico, árabe e lusitano restaurador (Dom Afonso Henriques) até 1º novembro de 1755 quando aconteceu um terremoto seguido de maremoto que destruiu a cidade.

 A segunda era inicia-se partir de 1755 até os dias atuais, incluindo a restauração propriamente dita nos reinados de Dom João V e dom José I, a fase do iluminismo desencadeada pelo marquês de Pombal, o fim da monarquia, em 1908, com o regicídio a Dom Carlos e o momento republicano com as transformações que a cidade vem passando e apoio da Comunidade Europeia.

Lisboa, hoje, é um canteiro de obras. Vive um momento especial como nova porta aberta para o mundo, um local de paz, harmonia e objeto de desejo de brasileiros e estrangeiros com o modo especial de ser do seu povo.

Mas, o que isso representa? Por que esse fascínio?

Ao andar por Lisboa, em alguns sítios, sente-se como se estivéssemos no século XIX; e, ao mesmo tempo, participando de uma renovação nos costumes e usos das novas tecnologias, mas, sem perder esse glamour, essa ternura dos tempos de Eça de Queiroz e Fernando Pessoa.

 É o que vocês vão acompanhar - um pouco - neste livro.

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A bota maldita está relacionada ao fato de que foram parceiras nesta minha visita a Lisboa, apenas 7 dias, minha esposa Ohra Grece Bião de Jesus, a qual chamo de la señora Bião de Jesus e minha neta Lua Gonçalves que la señora Bião apelidou de Luna Rosa - porque é formosa. Em contra partida, Luna a chama de Lady. A mim, apelidou-me de Mr Simpatia, uma gozação, uma vez que pouco interajo. Diz que sou rabugento.

Antes da viagem a Portugal, que se estendeu até a Espanha (Valencia) minha neta havia comprado uma bota chamada 'demônia' - estilo roqueira, salto plataforma, repleta de fivelas e cano longo - e resolveu viajar usando a bota. Já no aeroporto de Salvador eu disse: - Essa bota é mau agouro e pesadona para viagem.

Previa, pois, um sinal de que seria maldita, uma brincadeira. E, logo no embarque no LEM teve que tirá-la e quase cai porque tinha que passar na vistoria. Depois, cheia de anéis nos dedos, foi barrada. Tira tudo - bota e anéis para seguir adiante.

Quando chegou em Lisboa para fazer o traslado à Valencia o avião da TAP quebrou e tivemos que desembarcar e voltar para o saguão do aeroporto. Eu disse: - É a maldição da bota. Esperamos 6 horas para embarcar para Valencia. 

E, fatos aconteceram na cidade das mil torres envolvendo a maldita sendo que, no retorno a Lisboa, na entrada do avião eis que a bota conduz Luna ao chão. - Ela soluça para a tia: "Eu cai". A tia, que vinha logo atrás dela e também quase vai ao chão tentando socorrê-la, em sorriso reprimido, completa: - Eu vi.

Eu é que não ri temendo por minha sorte. De nada adiantou: perdi a cobertura metálica de um dente ao saborear um bacalhau lagareiro. Imagino ter sido a maldição da bota. E, a tia, deu uma cotovelada numa taça de vinho noutro restaurante do larguinho do Carmo molhando a saia de Luna e sua bota.

Outros fatos aconteceram no decorrer das andanças pelas ladeiras de Lisboa, e quando ela se distanciava do casal 20, eu dizia: - A perna de ema estirou a bota.

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O surdo entra no título porque sou parcialmente surdo. Meu ouvido direito só capta 50% do que as pessoas falam em tom normal e o esquerdo 40% e olhe lá. TV assisto no volume 20 e minha esposa no 10. Novela no 10 não entendo nada salvo quando uso um aparelho para surdez, somente no ouvido direito.

Então, como diria o basco Pedro Irujo, com quem trabalhei durante alguns anos e não falava português corretamente e sim uma língua mistura de basco e português. Dizia, quando questionado: "Entendo tudo o que vocês falam"; Digo, eu: “Ouço tudo o que os outros falam e aqueles que não entendo, ótimo, faço de conta que entendi".  

Às vezes converso com uma pessoa e respondo tudo bem. E a pessoa reporta: - Tudo bem o que? - O que v falou. E ficamos sem entender nada.

Na Espanha, usava meu filho como intérprete em várias oportunidades e a mulher reclamava: - Não usa o aparelho dá nisso. 

Ora, usar aparelho de surdez com prendedor sobre a orelha, por cima da haste dos óculos e agora acrescida do elástico da máscara contra a Covid é dose para leão e dar dor na cabeça. 

Ao chegar em Portugal pegamos um táxi para visitar a Casa de Fernando Pessoa na Coelho da Rocha, Campo do Ourique, e sentei-me no banco da frente ao lado do motorista.

Mr Simpatia começou um diálogo com o chofer, eu querendo saber onde ficava o Campo do Ourique, o que significava, que colina era aquela que o táxi subia e o motorista nada de me responder.

Então, falei para a esposa e minha neta que estavam sentadas no banco traseiro: - O motorista não está me entendendo. Falem com ele em tom alto para saber o que está acontecendo.

Minha esposa então disse: - Moço ele está perguntando o que significa Campo de Ourique.

- Desculpe, senhora. Ouvi ele falar, mas não entendi nada porque sou surdo de um lado do ouvido, o direito, justo o que está virado para ele e o no esquerdo só ouço 40%

Minha neta caiu na gargalhada - Pronto agora são dois surdos juntos.

E assim seguimos até a casa de Fernando Pessoa ele deixando a gente numa rua anexa, um sem entender nada do que o outro falava. Ainda ouvi ele dizer quando saltei do carro: - É nesta rua número 38. De fato, era na rua apontada por ele, porém, número 18.  

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A ladra não tem nada a ver com ladrona - termo muito usado no Brasil para gatunas - e sim está relacionado a feira da Ladra uma tradição de 750 anos que acontece nas ruas de Lisboa, hoje, no bairro São Vicente, próximo ao Monastério de São Vicente de Fora.

Não há uma explicação para este nome. É uma feira especializada em objetos de segunda mão onde compra-se e vende-se de tudo.

 Explicações dadas sobre a origem de Lisboa e o título do livro, até o Museu do Fado, nossa primeira parada cultural em Lisboa.