Cultura

A CADEIRA E O ALGORITMO CAP 18: HYPERLOOP, O TREM A 1.000 KM POR HORA

O trem que vai se mover dentro de um tubo de vácuo com redução de perdas aerodinâmicas
Tasso Franco , Salvador | 14/02/2022 às 11:09
O trem Hyperloop UPM, em desenvolvimento na Espanha
Foto: REP
    Nos dois últimos capítulos de "A Cadeira e o Algoritmo" abordamos o provável fim do dinheiro como conhecemos - moedas metálicas e cédulas - dando lugar aos cartões, PIX, bitcoins, criptomoedas e outras formas eletrônicas monetárias. Desde que o 'sapiens' deixou de ser caçador-coletor e se organizou em comunidades agrícolas surgiram as produções de alimentos e manufaturados excedentes para negócios e o vil metal, o dinheiro, foi inventado. Lá se vão mais de 12 mil anos e nessa nova era industrial, da inteligência artificial, moedas e cédulas estão desaparecendo do mercado.

  Hoje, vamos falar de outro elemento - o trem, a locomotiva - bem mais moderno do que o dinheiro surgido na segunda era industrial, início do século XIX, Inglaterra, 13 de fevereiro de 1804, pelas mãos do engenheiro Richard Trevithick. Nessa data, 5 vagões carregados com 10 toneladas de carga (ferro) e 70 passageiros, percorreram trajeto de 14,5 quilômetros em quatro horas, sobre trilhos. Em 1814, o inglês George Stephenson ampliou a locomotiva, com oito vagões conduzindo 30 toneladas, dando início à era das ferrovias. 

   O 'sapiens' já tinha descoberto a roda há milênios, os romanos colocaram aros metálicos para reforçar suas estruturas carroçáveis nas conquistas pela Europa, o exército napoleônico, no século XIX, fez o mesmo para estruturar melhor as carroças que conduziam os canhões, daí, para se chegar ao trem foi um pulo. Diminuiu-se o tamanho da roda, agora só de ferro, juntaram-se várias delas num trilho - estrada exclusiva - e engataram-se vagões uns nos outros, inicialmente no transporte de minérios nas minas com os equipamentos puxados por cavalos ou burros.

   Já havia, no entanto, máquinas a vapor desde o século XVIII usadas em algumas operações de mineração. O aperfeiçoamento dessas máquinas por James Watt (1736-1819) revolucionou a atividade industrial, fomentando a criação de equipamentos especializadas na mineração, na indústria e nos transportes. Todas movidas a carvão dispensando o uso da força de pessoas ou animais.

  O mecanismo era complexo: com a queima de um combustível (carvão, lenha, etc) obtinha-se vapor de água, que percorria um circuito até chegar a um cilindro. Dentro do cilindro, o vapor de água empurrava um pistão, que, ao se deslocar, movia uma roda.

  O trem, assim como qualquer máquina a vapor, utilizava a pressão do vapor para produzir movimento. Na locomotiva - o combustível usado era madeira ou carvão - que queimava num forno produzindo vapor.
A alta pressão do vapor empurrava o pistão dentro do cilindro e esse movimento era transmitido para as rodas.

  O passo seguinte foi ampliar o uso dos trens como meio de transporte de passageiros e de carga no perímetro urbano das grandes cidades e entre estados e países. O London Underground (metrô) teve as operações iniciadas em 10 de janeiro de 1863, com 30 mil passageiros já no primeiro dia de transporte. Atualmente, com 302 estações, mais de 5 milhões de pessoas usam o sistema diariamente para cruzar a cidade.

  Eu nasci numa cidade - Serrinha, Bahia - que experimentou o trem em 1880 quando ainda era vila e houve uma transformação radical na sociedade com o ingresso dessa nova tecnologia que aposentou o grupo de tropeiros que abastecia a localidade com mercadorias que eram conduzidas por burros a partir de Salvador, numa distância (180 km) que era percorrida em 8 dias, salvo intempéries. O trem encurtou a distância para a capital para 6 horas e trouxe a engenharia, a medicina, a hotelaria, a moda, o saber, e mudou o perfil de uma sociedade patriarcal rural para urbana.

  Tive oportunidade de conhecer na década final de 1940 e nos anos 1950 as locomotivas apelidadas de Maria Fumaça - e uma delas, a 500, explodiu na estação diante a excessiva pressão na caldeira que estava com a válvula de escape que produzia a fumaça fechada - e a evolução para as locomotivas à diesel, hoje, ainda usadas.

  O Brasil, no entanto, parou no tempo na modernização do seu sistema ferroviário enquanto outros países aceleraram o passo nessa direção. O Japão tem 2.000 km de trens balas. Na época do governo Dilma Rousseff anunciou-se um trema bala entre SP e Rio que nunca saiu do papel. A cidade que moro - Salvador - só veio ter metrô recentemente quando o underground de Londres já tinha completado 150 anos de existência.

  Sabe-se que um inventor inglês chamado George Medhurst propôs, há 200 anos, colocar veículos dentro de tubos de vácuo para reduzir as perdas aerodinâmicas. Cem anos depois, na Rússia, o professor Boris Weinberg começou a investigar como levitar o transporte magneticamente para reduzir as perdas por atrito geradas nos trens em contato entre a roda e o trilho. Os trens mais modernos operam assim, levitando, e não têm mais rodas.

  Atualmente, algumas empresas estão se apropriando da ideia de Medhurst. Entre elas está a valenciana Zeleros, Espanha, que desenvolve um sistema de transporte sustentável para viajar a velocidades de até 1.000 quilômetros por hora, com custos reduzidos de energia e infraestrutura.

  O ponta pé inicial ao projeto deu-se em 2016 quando 5 estudantes da Universidade Politécnica de Valencia fundaram a equipe universitária Hyperloop UPV com o objetivo de participar da competição dirigida por Elon Musk, CEO da empresa aeroespacial SpaceX, que convocou engenheiros de todo o mundo a propor ideias sobre um novo meio de transporte revolucionário. 

  Os engenheiros aeronáuticos Daniel Orient, Germán Torres e Ángel Benedicto e os industriais David Pistoni e Juan Vicén embarcaram no projeto, acompanhados pelo professor Vicente Dolz, especialista em mecânica dos fluidos.

  O Hyperloop UPV viajou para o Texas - onde foi realizada a competição - e ganhou o prêmio de Melhor Design e Melhor Sistema de Propulsão. Com este reconhecimento internacional, abriram-se as portas a outras empresas e organizações interessadas em apoiar o projeto, incluindo a Nagares e a Altran.

  Daniel, David e Juan fundaram a empresa Zeleros para levar o desenvolvimento a um nível comercial e criaram o primeiro protótipo do 'Hyperloop' espanhol, ou Atlantic II. Desenvolveram o primeiro tubo de ensaio na Espanha com extensão de 12 metros localizado no Politécnico e, em julho passado, apresentou seu segundo protótipo em Los Angeles (Califórnia), chamado Valentia.

  Segundo CEO da empresa, David Pistonii, seu objetivo difere da concorrência devido à redução de custos. “Algumas empresas americanas implementam uma tecnologia muito cara que atira ou custa por quilômetro, portanto não é eficaz percorrer longas distâncias. Reduzimos a complexidade da pista e grande parte da tecnologia está nos veículos”, explica o jovem empresário ao Las Provincias.

 O Hyperloop UPV tornou-se uma das startups mais populares em Espanha e acaba de receber o Prémio CaixaBank Empreendedor XXI pelo seu particular trem do futuro. Com este reconhecimento, a empresa valenciana poderá optar por um programa de acompanhamento internacional no Vale do Silício ou Cambridge. 

  “A próxima fase é incluir todas as tecnologias em um mesmo veículo e construir uma pista de testes no parque industrial do Parc Sagunt que não começará no próximo ano”, diz Pistoni. Quanto à sua comercialização, o presidente da empresa estima que em quatro ou cinco anos será lançado para transporte de cargas e em oito ou nove para passageiros.

  Tudo isso descrito acima parece algo de ficção científica, aparentemente irrealizável. Mas, não é bem assim. Trata-se de um projeto em andamento (há outros similares nos EUA, Ásia e na Suécia) que levará o sistema de transporte ferroviário a outro patamar. Uma viagem na Transsiberiana com mais de 4.000km, hoje, feita num dia poderá ser realizada em 4 horas; e uma ligação Salvador-Juazeiro, 435km, que era percorrida em 12 horas pelas Marias-Fumaças" seria feita em 20 minutos.

  O tempo em negócios representa dinheiro (olha o vil metal, novamente aparecendo) e quanto menor o tempo e mais estruturada é a eficácia na logística de transporte, os custos são reduzidos. O contrabando de Pau Brazil que Diogo Álvares, o Caramuru, fazia entre a Baía de Todos os Santos e Saint-Malo, na França, no século XVI, a viagem durava 90 dias em caravelas e ainda assim era lucrativa. Hoje, se Pau Brazil ainda existisse duraria menos de uma semana num cargueiro com GPS movido a diesel.

 O transporte de carga num Hyperloop UPV na Rio-Bahia 1.627 km que, atualmente, dura 28h num caminhão, seria feita em 1h35min. 

 São exemplos aleatórios que dou para melhor compreensão do texto mesmo sabendo que o Brasil, país rodoviário, nunca implantará um sistema Hyperloop. Mas os EUA e o Canada implantarão; a Europa implantará e os tigres asiáticos e a China, idem. 

  As novas tecnologias não têm limites nem rédeas e nós (o Brasil) seguimos vendo o que Chico Buarque cantou em Carolina, em 1968: Lá fora, amor/Uma rosa morreu/ Uma festa acabou/nosso barco partiu/ Eu bem que mostrei a ela/O tempo passou na janela/Só Carolina não viu.

  Lá se vão 54 anos e os trens passarão a 1.000 km por hora nessa queda de braço entre as novas tecnologias e as velhas, as Marias-Fumaças ficando apenas nos postais e n'algum trecho turístico.