Cultura

HISTÓRIA DOS BAIRROS EM SERRINHA: NOVO HORIZONTE DOS NEGROS DA EXTREMA

Um bairro que nasceu em função do Matadouro Municipal e durante 60 anos era chamado assim, até que, em 2007, mudou para Novo Horizonte
Tasso Franco , da reda��o em Salvador | 06/12/2021 às 12:38
Um dos pioneiros, Nelinho e seu jeep Willys, que só os ricos tinham
Foto: Arquivo de TF
      BAIRRO NOVO HORIZONTE (ANTIGO MATADOURO)

 Dando seguimento a história dos bairros, em Serrinha, hoje, falaremos do bairro Novo Horizonte (antigo Matadouro) situado na região Sudeste da cidade após a linha do trem. Este bairro surgiu há aproximadamente 70 anos quando a Prefeitura instalou o matadouro público - onde, na atualidade, há um posto de saúde - transferindo a matança de bois, carneiros e porcos, da Joaquim Sílvio - onde se situa a Pizzaria Mastro Titta - para uma área mais acima e considerada rural onde havia uma fazendo que pertencia a José do Gasto. Na área da Joaquim Silvio foi construído o quartel da PM e cadeia pública.

  Serrinha, na realidade, teve três matadouros públicos municipais. O primeiro deles foi instalado na zona Oeste da cidade, no governo do intendente Antônio Pinheiro da Mota (1912/1915), quando este solicitou da Câmara de Vereadores um crédito suplementar de 400 mil réis para a compra de um burro e de uma carroça que seriam usados no recolhimento de lixo das residências e feiras livres e erguer um local adequado para a matança de bois. Essa área do curral e do matadouro abrangia o local onde hoje se situa a Primeira Igreja Batista de Serrinha, a casa da família Brizolara e a praça da Bíblia que já se chamou J.J.Araújo e, originalmente, era conhecida como Largo da Matança.

  A cidade naquela época tinha algo em torno de 2.000 habitantes e aproximadamente 15 mil no município com distritos - Manga, Pedra, Raso, Lamarão, Barrocas, etc - que tinham seus matadouros. A cultura desta região nordeste estava assentada na criação de bois, carneiros e porcos, e na agricultura - milho, feijão, fumo, mandioca, etc. Daí a importância de ter um matadouro organizado, higienizado, porque a base da alimentação da população era carne de boi (a preferida), feijão e farinha. E, assim, em parte, segue até os dias atuais.

  Com o crescimento da cidade a partir de 1932 e a chegada da estrada federal Transnordestina, o eixo de desenvolvimento que era na linha Sul-Norte em função da ferrovia passou a ser Leste-Oeste. Esta estrada de rodagem fez com que a cidade se expandisse nessas novas direções e o matadouro do Largo da Matança ficou pequeno e com uma logística inadequada para levar os aninais para o abate, ainda tudo na base do vaqueiro e do cavalo. Criou-se, então, um novo matadouro na zona Leste ao lado de uma área (onde se instalou a ACS, hoje, Policlínica) para ser o matadouro e curral.

  Daí, em meados da década de 1940, a cidade mais uma vez crescendo, o matadouro que ficava na cabeça da Av Capitão Apolinário com Joaquim Silvio foi mudado de local para depois da linha do trem numa área ainda rural a ser desbravada, em parte, mas que se constituía, também aa Av Capitão Apolinário. Na Joaquim Silvio, no lugar do matadouro, foi erguido um quartel da PM e cadeia.

  FALA DONA JUDITE SILVA 

  Quem vai contar a história, agora, é Judite Sacramento da Silva viúva de José Ramos da Silva (Nelinho) uma das primeiras moradoras do local. "Quando chegamos aqui no ano de 1955, eu Nelinho e 5 filhos, nos instalamos numa casinha que ficava quase em frente ao matadouro, que já existia e foi o motivo para nos mudarmos da Extrema - povoado considerado quilombola no município situado na área Leste - para cá porque Nelinho já sabia matar e cortar bois". 

  Dona Judite conta a luta que foi a mudança, a nova vida, o trabalho diário de domingo a domingo. "Foi muito difícil, mas, nós não tínhamos outra opção. Nelinho era da Baunilha (outro povoado) e a gente se conheceu na roça e casamos. Com o passar do tempo (em Serrinha) ele foi crescendo na matança de bois, se tornou marchand, comercializava bois e se transformou numa figura popular. Foi então que Carlos Mota, que tinha fazendo pro lado da Extrema e conhecia todo mundo, falou com ele para se candidatar a vereador e ele topou e ganhou, em 1966". 

  Nelinho, ao que se sabe, por ter uma voz vibrante e ser leiloeiro da igreja católica nos leilões promovidos pelo padre Demócrito Mendes de Barros para erguer a Igreja Nova, trabalho que fazia por amor, de graça, a igreja teria, também, contribuído para sua eleição com votos de fiéis a partir de pedidos do padre. 

  Vale observar que a façanha de Nelinho em eleger-se vereador na década de 1960 (vide) foi uma coisa extremamente valiosa, pois, além de atuar contra o grupo político dominante da época, de André Negreiros Falcão e do PSD, era negro e tinha pouca escolaridade. Ou seja, o bairro do Matadouro, que era considerado um local de negros que migraram de núcleos quilombolas elegeu um representante na Câmara Municipal. Não se pode negar o tino político de Carlos Mota, mas o mérito principal foi de Nelinho e de sua comunidade. 

  A filha de Nelinho com quem conversei recentemente, Maria Olivia Silva e Silva, me disse que a comunidade vibrou e Nelinho a representava com toda honra. Uma outra façanha (digamos, assim) de Nelinho foi quando ele adquiriu um jeep Willys no modelo usado pelos norte-americanos na II Guerra Mundial e que, só quem tinha em Serrinha eram os 'coronéis' e comerciantes mais abastados. "Ele usava o jeep para levar carne para o mercado municipal e para passear com a família na praça e no campo de aviação", confessa Maria Olivia.

  Hoje, a família Nelinho mora na rua Xavier Marques ao lado da Escola (pública) Carlos de Freitas Mota, de ensinos fundamental I e II, a pouca distância da casa onde originalmente residiam, quase em frente da capela de Cristo Rei. "Nós só fizemos essa segunda mudança na vida - diz Judite - e aqui seguimos com nossa família (uma casa e um sobrado), no Matadouro".

  OUTROS DEPOIMENTOS 

  Valdete Leite de Jesus e Valdeí Leite de Jesus são irmãos, sexagenários, filhos de Antônio Brito de Jesus (Antônio da Banana). Valdeí conta que a família chegou no Matadouro na década de 1950 "a turma da Extrema, os negros da Extrema, para ter uma nova vida na sede (Serrinha) e meu pai comercializava bananas. Minha mãe então colocou uma bodega (onde hoje é o Matchô Matchô) e fomos criados todos os irmãos neste local, hoje, bairro Novo Horizonte".

  Valdete diz que cresceu vendo matar bois e porcos e aprendeu na prática. Entrei na profissão de cortar porcos enquanto meu pai, também cortava bois. "Vida difícil, vida dura, mas a gente era unido e seguiu adiante", frisa.

  Valdeí criou o Matchô-Matchô em 1981 depois que o bairro cresceu, na década de 1970, "quando Valdete Carneiro, que era irmão do prefeito Aluizio Carneiro, o qual, na verdade é quem tinha relações com a turma da Extrema e outros povoados autorizou que ocupassem uma área do outro lado da Apolinário, do lado oposto da Fazenda de Zé do Gasto, e veio mais gente da zona rural e o bairro cresceu". 

 - Foi então - conta Valdeí - que José Ney filho de Joãozinhio dentista sugeriu que eu colocasse o nome de Matchô-Matchô por causa de uma lambada que fazia muito sucesso. Coloquei e o local deslanchou com forró todo domingo animado pela banda de "Betinho e sua Gente". Nos intervalos no forró som de lambada eletrônico. Era das 18h até 12h e até, às vezes, 2 horas da madrugada de domingo para segunda, com a casa cheia e gente de vários locais da Serrinha, da classe média, inclusive". 

   COMO MUDOU O NOME DO BAIRRO

   Com o fim do matadouro e a instalação do Frigoserra, os vereadores Roque do Banco e Lailson Cunha apresentaram a ideia e isso foi discutido pela comunidade e feito um plebiscito, aprovando-. Dona Judite diz que a igreja católica cedeu a capela Cristo Rei para as reuniões e o povo quis a mudança do bairro, o que aconteceu em 6 de dezembro de 2007 com a aprovação do Projeto de Lei 718/2007, documento da CMS assinado pelo presidente Ernesto Ferreira da Silva e pelo 1º secretário Elso Pimentel de Lima. O vereador Lailson faleceu em 2018. 

  COMO É O BAIRRO NA ATUALIDADE 

  Trata-se de um bairro eminentemente residencial com poucas casas comerciais e oficinas de serviços. Está estruturado e com muitas ruas calçadas sendo a principal (o eixão) a capitão Apolinário. Há escolas, quadra poliesportiva coberta, posto de saúde, capela e mercadinhos. 

  Tem, ainda, espaço para crescimento ao Sul - onde foi instalado o novo frigorífico da cidade - e abriu um novo vetor de expansão para a BA-409 (ligação Serrinha-Coité).
 
  Ao Norte se limitar o bairro Vista Alegre e a Leste é zona rural. Na área Oeste se limita com a linha do trem e os bairros Urbis I e Estádio.

  PROJETO HORIZONTE VERDE

   Valdeí é quem comanda o projeto ecológico Horizone Verde e já plantou 500 árvores em Serrinha e tem um canteiro experimental no Novo Horizonte com várias plantas: ipê roxo, cabeça de frade, sibipiruna, pau ferro, mandacaru, romã, plantas medicinais e outras. Precisa de apoio.

  FRIGOSERRA É DE 2007 

  O matadouro municipal deixou de existir com a instalação do Frigosserra com capacidade para abate e resfriamento de 500 bois/dia. O frigorífico colocou o município de Serrinha entre os poucos da Bahia que atendem à Portaria Federal 3004 de 1994, que proíbe o abate e a venda de animais sem que sejam obedecidas normas sanitárias que garantam ao consumidor final um produto de qualidade.

  O matadouro-frigorífico tem uma área construída de cerca de 3,5 mil metros quadrados com curral, sala de abate, área administrativa, área social, banheiros, setor de alimentação e outras instalações. A expectativa da direção do frigorífico é de que o abate mensal chegue a cerca de seis mil animais.

  QUEM É O CAPITÃO APOLINÁRIO

  O capitão Apolinário era o filho mais velho de Bernardo da Silva e Josefa Maria do Sacramento - fundadores do povoado de Serrinha, depois vila e cidade - e há um documento datado de 1763 (13 anos após a morte do seu pai) quando ele compra dos irmãos e da mãe a fazenda Saco do Moura, documento passado por Manoel Jorge Coimbra, tabelião da Vila de Água Fria, em 24 de dezembro de 1763. Apolinário também assinou o documento de doação da capela de Senhora Sant'Anna de Serrinha (hoje, igreja matriz) e área adjacente para a igreja católica.

  Bernardo e Josefa tiveram além de Apolinário os seguintes filhos: Prudente, Bernarda Maria, Maria da Purificação, Ignácio Manoel, Ana Maria - que se casou com Antonio Carneiro da Silva, da Fazenda São Bartolomeu; Antonia Maria que se casou com Domingos Ferreira Santiago, da Fazenda Serra Grande; e duas filhas não identificadas que se casaram com Inácio Manoel da Mota (Fazenda Tambuatá) e Miguel Afonso Ribeiro (Fazenda Sitio).

 POVOADOS QUILOMBOLAS

  A Extrema, o Praiano, a Baunilha, a Flor Roxa e outros locais rurais em Serrinha foram comunidades que se originaram (provavelmente) a partir de negros escravos fugidios do Recôncavo área de Cachoeira que se ligava ao sertão via São José das Itapororocas (hoje, Maria Quitéria), isso por volta de 1888 (daí em diante) quando se deu o fim formal da escravidão com a Lei Áurea (13/maio/1888).

  Esses negros descendentes de africanos trazidos para a lavoura da cana-de-açúcar também já cultivavam a terra no regime de meia com os donos dos engenhos e ao fugirem para o sertão levaram consigo mudas e se instalaram precariamente nesses povoamentos. Com o passar dos anos foram se agregando as fazendas como vaqueiros, curraleiros, carpinas, etc, e depois muitos migraram para a sede do município (Serrinha) como foi o caso do Matadouro, originalmente, um bairro de negros. 

  É uma bela história. Infelizmente, os pioneiros dessa aventura já faleceram e seus filhos e netos se lembram vagamente dos fatos e não há registro de nada escrito, documental. Muitas dessas pessoas só tiveram registros de vida em cartórios quando foram morar em Serrinha, a partir da década de 1940. (TF) 

  O POVO FALA 

  (José Edmundo): "Sempre que vou a Serrinha é lei passar no Matchô Matchô e tomar uma cervejinha. Até porque são meus amigos, crescemos juntos e continuam vizinhos da minha família que até hoje residem no mesmo lugar. Nasci neste bairro. Muita história pra contar. Sou filho de Sinval da charqueada. Difícil falar dele e desse bairro sem me emocionar.

  (Darcy Cardoso): "Nossa, que legal"

  (Rita Maria):"Grande saudoso Senhor Nelinho amigo do meu pai!

  (Maria Ferreira: "Bairro esse esquecido entra prefeito sai prefeito e não fazem o melhor para os moradores vç não ver nada de bom aqui lixo ver muito".

   (Jorge Matos): "Não podemos falar do matadouro sem falar no Santa Fé".

   (Ruy Luiz Dos Santos Pinheiro): " Aí era minha área, meu pai tinha charqueada, assim como Edvar, Sinval, João Carneiro, Sr Pito e outros. Gostava de ir para ver a matança de boi, onde meu pai recolhia os couros, pegava carne e miúdos salmorados e assava nas brasas das fateiras, comia com farinha e coca cola comprada no bar de Nelinho, tempo bom!"