Cultura

UMA CISTERNA NA CONCENTRAÇÃO DA SELEÇÃO DE ITABUNA, p WALMIR ROSÁRIO

*Radialista, jornalista e advogado
Walmir Rosário , Itabuna | 24/08/2021 às 12:06
Seleção que fez história
Foto: REP
    Com muita propriedade, o radialista, jornalista, filósofo, botafoguense e técnico de futebol, João Saldanha, dizia em suas tiradas ao microfone que se concentração ganhasse jogo, o time da penitenciária seria o eterno campeão. Até certo ponto o nosso estimado João Sem Medo tinha razão, pois desde antes aos dias atuais a concentração é o calcanhar de Aquiles das equipes esportivas. E como é!

   As escapadas dos jogadores dos hotéis, e mais recentemente dos modernos centros de treinamento, são registradas até os dias atuais e muitas vezes ganham destaque na mídia esportiva com cenas pra lá de incômodas. Se hoje, com os aparatos eletrônicos de vigilância, os atletas conseguem sair para a noitada, imagine antigamente, quando os lençóis serviam – também – como equipamento para as escorregadelas noturnas.

   Técnicos conhecidos por sua vigilância e rigidez no comportamento armavam verdadeiras armadilhas para fiscalizar e amedrontar os jogadores para que se comportassem de acordo com as regras preestabelecidas por eles mesmo e os cartolas. Jogo no domingo, após o treino de sexta-feira se recolhiam à concentração, com o intuito de se desligaram das coisas mundanas, como a bebida, o sexo, ou os babas (peladas).

  Era um fim de semana de gato e rato, diretoria e comissão técnica fazendo incursões inesperadas (nem tanto) na concentração, com a finalidade de dar um flagra num jogador fujão ou de comportamento inadequado. Nas concentrações por este Brasil afora, não importava a qualidade do time, pouco importava se na sede do clube, numa chácara ou no hotel, as distrações para passar o tempo eram as mesmas.

   Mais comuns eram os jogos de dama, baralho – truco e 21 –, dados – pio ou pôquer –, brincando ou valendo uma carteira de cigarros (àquela época era comum o atleta fumar), refrigerante, cerveja, e até mesmo somas em dinheiro, pagas ali mesmo. O restante do tempo utilizavam lendo jornais e revistas, passeando internamente, e quando ficavam entediados normalmente iam para o quarto dormir.

   Na minha infância e adolescência assisti a muitas performances nas concentrações da Seleção de Itabuna, a amadora, campeã intermunicipal por oito vezes, porém conhecida como a hexacampeã nos anos 1960. Éramos mais que torcedores e não nos contentávamos em assistir aos jogos – fossem valendo título ou simples amistosos –, íamos também aos treinos e ainda “peruar” nas concentrações.

   Uma marca daquela Seleção – azul e branca, embora as cores da bandeira de Itabuna fossem, e ainda são, amarelo e preto – eram os 22 craques, todos titulares, sem sombra de dúvidas, escalados de acordo com a vontade do técnico. Mas como toda a equipe de futebol, a de Itabuna tinha seus líderes, que influenciavam na convocação e até mesmo nos costumes da concentração.

   Certa feita, no início da primeira metade dos anos 1960, a Seleção de Itabuna tinha um compromisso do Intermunicipal contra o Selecionado de Itajuípe (se não me engano) e, após o treino apronto da sexta-feira todos se recolheram à concentração. A Casa Verde era localizada ali na rua Ruy Barbosa, pertinho do Cine Plaza, local que todos gostavam por ficar no centro da cidade.

   Antes dos jogadores chegarem a diretoria fazia uma “varredura” em toda a casa, olhando os armários, quartos, salas, se precavendo por algum objeto incompatível com a concentração dos atletas. Pretendiam eles oferecer conforto, sossego para que se distraíssem até o domingo, quando após uma leve refeição se dirigiam ao famoso Campo da Desportiva para triturar mais uma seleção adversária.

   Por força do destino, pertinho da Casa Verde estava localizado o famoso Bar do Mário, que vendia desde balas e pipocas para as crianças que iam assistir aos filmes no Cine Plaza, a todos os tipos de bebidas nacionais e importadas, tudo da melhor qualidade. Assim que o técnico e os dirigentes deixavam a Casa Verde, o meio campista Tombinho (José Marques) e o curinga Santinho, enviavam um emissário com um pedido ao Mário.

   Dentro de casa, cerca de 20 homens se viravam como podiam para passar o tempo. Uns deitados, outros ouvindo ao rádio, uma turma nas janelas, um grupo bem maior sentado à mesa vibrando com um jogo de pio, apostando dinheiro e cerveja, que seriam pagos após receberem o “bicho” pela vitória. De vez em quando um se levantava, se dirigia ao quintal e em seguida voltava todo faceiro.

   De repente, sem que ninguém esperasse, chegam o técnico Gil Nery e mais uns três dirigentes e começam a puxar conversa com os jogadores, bem próximos aos rostos deles. Conversa vai, conversa vem, identificaram uns cinco ou seis embriagados – embora não encontrassem a cachaça – e foi um quiproquó, com ameaças de desligamento, além de outras medidas enérgicas, seguido do pedido de desculpas dos jogadores.

   No domingo à tarde, todos se dirigem ao Campo da Desportiva e entram em campo com vontade de estraçalhar o adversário. Não deu outra: Tombinho com sua catimba no meio campo, Santinho e Florizel na linha de frente mataram a pau e furaram várias vezes as redes itajuípenses. Final de jogo, todos se dirigem ao vestiário esperando o pior: as ameaças de desligamento feitas pelo técnico e os cartolas.

   Ao contrário do que esperavam, foram recebidos com festa e naquela algazarra receberam os prêmios (bichos) pela vitória e não se falou mais em ameaças. Somente depois de terminado o Intermunicipal é que eles contaram aos dirigentes que os litros de cachaça comprados por Tombinho e Santinho ficavam escondidos numa cacimba no quintal, amarrados por uma cordinha e erguida quando um deles ia tomar uma talagada.

   Deste ano em diante nunca mais a concentração foi localizada em casa que tinha uma cacimba no quintal e a Seleção continuou ganhando os campeonatos.