Cultura

A PORTA DO SABER DO CINE MARAJÓ QUE MARCOU MINHA VIDA, p TASSO FRANCO

Lembranças dos cinemas Comercial e Marajó, na cidade de Serrinha
Tasso Franco , da redação em Salvador | 22/07/2021 às 18:31
Hoje, a porta da escuridão
Foto: BJÁ
       Um dos dizeres mais interessantes sobre o tempo é uma frase do Manifesto Comunista, de Karl Marx e Friedrich Engels: "Tudo o que era sólido se desmancha no ar, tudo o que era sagrado é profanado, e as pessoas são finalmente forçadas a encarar com serenidade sua posição social e suas relações recíprocas".

   Marshall Berman esreveu um livro sobre a aventura da mdernidade com esse titulo: "Tudo que é sólido desmancha no ar". Texto complexo com subtemas sobre a cultura e as contradições do capitalismo, o heroismo da vida moderna e anotações sobre o Fausto de Goethe: ATragédia do Desenvolvimento.

   Não preciso ir tão longe para vocês entenderem o meu sentimento e desapontamento sobre as ruinas do Cine Marajó, que era sólido, sagrado e desfrutou do nosso convívio social como algo que era a extensão de nossas casas, a cultura ao nosso alcance, a modernidade, novas paisagens, costumes, valores, tudo ao nosso alcance. 

   Sou da época do Cine Comercial, de Lourinho, na Luis Nogueira, outro ícone do meu tempo de pré-adolescente. Era outro templo sagrado, super-sólido, moderno, civilizatório. 

   Estávamos em Paris e não sabíamos. Entrar no Comercial com porteiros engravatados e de luvas, assistir uma película ou uma peça teatral, era a glória. Mas, para nós, jovens daquela época, na Serrinha civilizada onde os comerciários de 'O Ciclamen' usavam linho inglês, as senhoras iam às missas usando chapéus à moda Brigton, era o normal, o frugal. 

   Aos olhos de hoje não saberia fazer uma analogia. Sei, sim, que o que era sólido se desmanchou no ar. Foi profanado. Virou pó, cinzas, sem uma fênix que possa renascer e voar para a nossa alegria, mesmo um voo solo que fosse.

   Esta é uma das portas ou uma porta (vide foto) onde se montaria algum negócio no antigo templo sagrado do Marajó. Algum 'cacete-armado' tão comum nos dias atuais para vender beijus de tapioca ou outro petisco. Mas, nem isso foi adiante. Só aranhas e mosquitos no interior.

   Conheci Roma, no Marajó; aprendi a namorar, no Marajó; o primeiro objeto voador não identificado vi no seriado de Fash Gordon, no Marajó; cinema tecnicolor, no Marajó; Diamante Negro, no Marajó; Tarzan e a Tanzânia, no Marajó; o México no seriado de O Zorro, no Marajó; os Apaches do Centro Oeste dos EUA, no Marajó.

   Não precisava sair de Serrinha para ir a esses lugares, desfrutar, apreciar, conhecer novas culturas, tudo ao nosso alcance nas matinées e soireés do Marajó.
 
   São tantas recordações que daria para escrever um livro. Não o faço porque livros também são sólidos e algum dia vão se desmanchar no ar, como o Comercial e o Marajó. 

   Ficam as lembranas e imagino que muito têm inúmeras recordações do Marajó. Que externem, que exponham suas lágrimas ou não digam nada e guardem na solidez de suas memórias essas coisas sagradas. Para mim o Comercial e O Marajó se desmancharam no ara, mas não morreram na minha memória, até que ela dure e seja sólida. 

    Até ela um dia vai me trair, me abandonar para sempre. (TF)