Cultura

CINEMA: MEU PAI, A PERDA DE MEMÓRIA NA VELHICE É O FOCO p JÚPITER PAES

O filme é chocante na medida em que trata de um tema atual, o problema da velhice com a morte de células cerebrais que levam o 'sapiens' a desorientação
Júpiter Paes , Salvador | 31/05/2021 às 12:00
Anthony Hopkins e Olivia Colman dois gigantes do cinema
Foto: REP
     O ator Anthony Hopkins ganhou o Oscar de melhor ator 2021 interpretando o papel de um velho com perdas de funções cognitivas que provocam a falha de memória (esquecimento) no filme "Meu Pai", direção de Florian Zeller, autor da peça "Le Père", que originou o filme. 

    Mas, cinema não é teatro e a narrativa cinematográfica traz elementos visuais mais abrangentes do que na peça teatral, e Zeller soube utilizar desses recursos para deixar a pelicula mais atrante, com uma interpretação também brilhante de Olivia Colman (a rainha Elizabeth II, em Crown), que faz o papel de filha de Anthony.
   
  O velho - residente em Londres - recusa a ajuda de sua filha à medida que envelhece e a filha, percebendo os sinais de demência do pai e estando de mudança para Paris, busca encontrar uma cuidadora que possa viver com ele, deixando-a mais segura em fazer sua mudança e, ao mesmo tempo, ajudando-o nas tarefas do dia-a-dia em casa.
  
  O filme é chocante na medida em que trata de um tema atual, o problema da velhice com a morte de células cerebrais que levam o 'sapiens' a desorientação, a doenças neurodegenerativas com o mal de Alzheimer e a depressão, e que atinge milhões de pessoas no mundo. 
  
  O ator, que na vida real tem 84 anos e vive no país de Galés, onde nasceu, segue lúcido e atuante, e o papel que desempenha no filme cai como uma luva nele, interpretação dificil, reservada a um mestre da arte cinematográfica, tanto que o diretor não precisou fazer qualquer tipo de maquigem (do envelhecimento, por exemplo), pois, trata-se de um velho interpretando um velho.
  
  Muito interessante essa analogia. Creio que deu mais autenticidade ao roteiro do filme, com Olivia Colman, outra atriz de categoria, fazendo o papel de sua filha e tentanto ajudá-lo. 
  
  Associado a doença em si, o filme também aborda a paternidade no sentido psicológico de um vínculo construido entre pai e filha, o velho fazendo ver a filha que estava tudo bem com ele (quando não estava) e ela tentando mostrar ao pai que ele precisava de uma ajuda e essa ajuda tinha que ser construida com o consentimento dele, permitindo que ele continuasse morando em seu apartamento, sem a necessidade de levá-lo para um asilo.
  
  Com os diálogos que tem com pai ele percebe que as mudanças estão acontecendo de maneira acentuada e, dessa forma, o telespectador vai se inserindo dentro do contexto da história, também percebendo essa deteriorização da memória do velho. Sente-se, de certa forma, até angustiado, quando vê que ele rejeita a ajuda mesmo diante das evidências da perda de memória, ainda que estivesse bem, fisicamente, e querendo que uma solução.
  
   Zeller passeia com a câmara pelo apartamento onde o velho mora - a maioria das cenas se passa no apartamento - e isso requer, tanto do diretor quando dos atores interpretações brilhantes e seguras para que o telespectador não ache o filme chato e não acompanhe a trama até o final. 
 
    Registram-se cenas de amor, de apego, de afeto, de incentezas, sempre partindo da visão da filha para o pai, o velho em acentuado processo de esquecimento que vai acontecendo no decorrer do filme a ponto dela levá-lo a uma psiquiatra, quando se registra, que a solução para o caso dele seria o internamento numa clinica especializada em cuidados com velho, ele, turrão, com seu humor ditado pelo inconsciente nada percebe, rejeita todas as cuidadoras que ela consegue levar para atendê-lo e, no final, a solução foi mesmo levá-lo para um asilo.

  A atenção do espectador é cuidadosa e preocupante na observação das cenas - até entendendo que este será o seu fim, mais adiante - e o filme, no todo, traz reflexoes sobre um impacto psicológico que um idoso sofre com a síncrome caracterizada pela perda da memória.

   Na verdade (o diretor só mostra isso no final do filme), Hopkins se encontrava num asilo e contava fragmentos de sua vida a uma enfermeira incluindo as visões da cuidadora (que roubava seu relógio), confundia a cuidadora com a filha, que o genro batia nele e outras cenas geradas pelo seu inconsciente. Na real, a cuidadora não roubava seu relógio e seu genro não batia nele.
  
   Quando sua filha vai visitá-lo no asilo ele fez uma clássica pergunga (reforço da direção do filme para mostrar a gravidade do que é um esquecimento da memória) quando ela iria morar em Paris. A filha responde: "Papai, já estou morando em Paris há anos".