Cultura

A VOZ SUPREMA DO BLUES E O RACISMO NA PRODUÇÃO MUSICAL, p JÚPITER PAES

Isso faz com que o telespectador se perca um pouco na compreensão do enredo e veja os dois principais personagens de forma isoladas.
Júpiter Paes , Salvador | 18/05/2021 às 10:44
Bosemana, em sua última atuação
Foto: Davi Less - Netflix
  Em "A Voz Suprema do Blues" vencedor do Oscar de melhor maquiagem e cabelo vamos assistir a última performance de Chadwick Boseman no papel de um trumpetista que sonha alto em ser um astro do show-bizz na indústria musical de Chicago controlada pelos brancos numa situação de tensão entre os próprios negros com base factual na história da cantora Ma Rainey, papel interpretado por Viola Davis, e sua relação conflituosa com os produtores dos anos 1920 desta região dos Estados Unidos conhecida como a capital dos blues, um gênero musical muito apreciado no país do norte.
  
   Na adaptação da peça escrita por August Wilson com direção de George W. Wolfe, o filme tem uma dimensão dramática muito forte na relação controle dos brancos na produção musical vesus os negros, donos da performance artística, com Davis e Boseman exercitando papéis diferenciados.

   Ela já famosa e estrelar se impondo num confronto direto com os produtores e ele internalizando em sua mente ser tão bom no trumpete e nas composições a ponto de que poderia romper esses grilhões, como se diz na psicologia, ter a chave de abrir as portas do sucesso com seu talento inato. 

   Isso faz com que o telespectador se perca um pouco na compreensão do enredo e veja os dois principais personagens de forma isoladas.

   Imagino que poderiam estar mais agregados para enfrentar a indústria da produção musical numa atuação com um interrelacionamento mais próximo, porém o diretor agiu dessa forma, creio, com diálogos excessivos de Boseman com os músicos contratados para atuarem numa gravação de Ma Rainey, o que deixa o filme massante, Boseman insistindo em abrir a porta do sucesso num permanente conflito com seus colegas, a ponto de cometer um crime. 

   Não há, portanto, uma adesão de pensamentos mais explícita entre os dois personagens principais, o que pôs um holofote em cada qual.

   "A voz suprema do blues" se inspirou na "mãe do blues", real, a cantora Ma Rainey, e, em sintese, narra a exploração da cultura negra na mão de produtores brancos. 

   Rainey, interpretada por Viola Davis, trava um duelo duplo com os executivos brancos e com um dos membros de sua uma banda formada por negros, durante uma sessão de gravação em estúdio, neste caso, ela impondo um sobrinho para interpretar a abertura de uma música.

   O telespectador, em determinado momento do filme, fica sem entender qual o (a) personagem principal, se Boseman; ou Davis, ela batendo de frente contra o racismo e a indústria branca da música; e ele com uma obsessão interior de que seu talento o levaria à ribalta, sem precisar de Rainey ou de quem quer que seja. 

   Boseman trava um choque interior muito forte (consigo e com seus colegas da bande) e tem uma atuação mais vibrátil e destacada do que Davis. Uma excelente despedida para um ator que morreu recentemente de câncer aos 43 anos de idade. 

   O filme certamente não terá uma boa acolhida no circuito comercial da telinha uma vez que, para melhor entendimento do telespectador, ainda que esteja na rede Netflix, é preciso entender o contexto social e econômico cultural da época, ano 1927, próximo da grande depressão de 1929, nos EUA, numa Chicago efervescente e onde o blues se impunha como uma música que iria se radiar popularmente nos EUA. 

   Davis, no papel de Rainney, aos olhos atuais, passa essa mensagem de que a cultura negra musical não poderia ser explorada de forma irracional pelos brancos, que se aproveitava de uma estrela popular para faturar milhões de dólares, mas mantinha os negros em permanente humilhação e sem o controle da produção. 

    Já o trumpetista aponta para esse vies com outra perspectiva. Portanto, ao telespectador cabe esse papel de indentificar as mensagens de um e do outro, nem sempre de fácil compreensão e interpretação. 

   Vale a pena ver este final e tirar suas próprias conclusões. E, claro, assistir Boseman, em sua última interpretação.