Cultura

A ALMA DE BENEDITO COM AS CORES DO BAHIA, por ZÉDEJESUSBARRÊTO

Zedejesusbarreto, nascido Bahia, com a graças do Senhor do Bonfim e de N Sra dos Mares.
ZédeJesusBarrêto , Salvador | 31/08/2020 às 18:44
Sêo Bené
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   A última vez que estive com Benedito Borges de Melo, no ano de 2004, no restaurante do Moreira, ele chorou. Eu também. Lágrimas de alegria, gloriosas, em vermelho, azul e branco, cores do manto Tricolor, paixão de vida.

  Fui à sua mesa, cumprimenta-lo, e ele, sempre gentil, convidou-me a sentar pra gente conversar sobre o único assunto que nos unia: o Bahia. Entre tantas recordações, lembrei-me de um fato acontecido, marcante, e que hoje é contado como se lenda fosse. 

 Num confronto com o Santos de Pelé, na Fonte Nova (1962, Taça Brasil), no intuito de provocar e estimular o meia Mário Araújo, cérebro da equipe, Benedito Borges, então vice-presidente do clube e braço direito de Osório Villas-Boas, o presidente, prometeu ao atleta seu Rolex de ouro, comprado em Paris, se o camisa 10 Tricolor pusesse uma bola por entre as pernas do Rei, o camisa 10 do Santos. 

   A jogada, conhecida como ‘caneta’, ‘tabaca’, era uma especialidade de um e outro, repertório de craques do passado. Mário levou a sério, e no decorrer ainda do primeiro tempo, numa disputa pelo meio campo, Mário meteu a bola entre as pernas de Pelé e pegou do outro lado, para delírio das arquibancadas. 
 
   Na sequência, correu para a beira do campo e gritou rindo para Bené, sentado no banco de reservas: “Quero o meu ‘bobo’, viu?   Benedito Borges, o nosso Bené, tirou o relógio do pulso e entregou-lhe, no vestiário. Promessa era dívida para ele, e os jogadores o adoravam, confiavam nele. 
  
  Foi então, ali no Moreira, que vi aquele homem (já um senhor) que tanto admirei, nos seus 80 anos mas bem lúcido, derramar-se em lágrimas à minha frente. Confirmou-me, mais uma vez, o acontecido e me disse que foi ele, como vice-presidente e homem do dinheiro no Bahia naqueles anos de 50 e 60, que foi ao Rio contratar Mário Araújo, talvez o melhor meia esquerda da história do clube. Pagou-lhe as luvas do contrato e assumiu os salários do meia carioca, gênio da bola reconhecido pelo próprio Pelé nos microfones. 
 
  Mário – negão sarado de altura mediana, pés de pato, domínio de bola e visão de campo extraordinários – chegou ao Bahia em janeiro de 1960 para substituir o meia Ari, que teve problemas sérios de saúde em fins de novembro de 1959, sendo substituído inicialmente pelo diligente Bombeiro (titular nos jogos contra o Santos na Vila Belmiro, Bahia 3 x 2, no começo de dezembro, e no jogo de volta, na Fonte Nova no final de dezembro, Santos 2 x 0, com o Rei arrebentando). Na final, no Maracanã, em 29 de março de 1960, Mário comandou a equipe, assumindo de vez a camisa 10. 

   Bené estava lá no Maraca, ao lado da equipe, no lugar de Osório, que não pode ir por conta de seus compromissos como presidente da Câmara de Vereadores no dia do aniversário de Salvador.  Mário foi Campeão Brasileiro, o primeiro e único, e também penta campeão baiano (58 e 62). Jogava demais, era compadre de Biriba, frequentava Itapuã mesmo depois de amarrar as chuteiras.  

  Benedito me contou, ainda nesse encontro, que foi ele que bancou também a vinda do atacante artilheiro cearense Alencar, bem jovem, revelação do Ferrim, o Ferroviário de Fortaleza, arrumando até casa pra ele morar na Ribeira. Imaginem o ataque do Bahia à época: Marito, Alencar, Leo Briglia, Mário e Biriba. Um dos melhores que vi em campo. 

  Esse era o Banedito Borges de Melo, um abnegado Tricolor. Todo torcedor de vera do Bahia deve conhecer sua história de dedicação ao clube amado. Ele resolvia, metia a mão no bolso e pagava salários, luvas, bichos pelos triunfos; tomava até dinheiro em banco para nunca deixar o Bahia em falta, um pedido de Osório era uma missão. A família enlouquecia com as loucuras que Bené fazia pelo Bahia, sua grande paixão de vida. Não disputava poder, não se metia em encrencas, nada queria além de ver seu Bahia vencer e ser campeão. Era a felicidade dele, muitas vezes até com o sacrifício da família. 
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  Bené foi um empresário pioneiro e bem sucedido em Salvador. Ainda na década de 50/60 abriu a primeira agência revendedora de automóveis da cidade, a BB Automóveis, que ficava na Avenida Sete, no começo do corredor que vai dar na Piedade, perto da Casa da Itália. Afastou-se do grupo decisório do Bahia quando Paulo Maracajá assumiu, já nos meados dos anos 70, todo-poderoso e com outro estilo de dirigir o clube.          
  
  Mas, mesmo já com dificuldades de se locomover, era visto quieto num cantinho das arquibancadas da Fonte Nova, vendo seu Tricolor jogar. Sofria com as derrotas, mas não admitia que, perto dele, ninguém, nenhum torcedor xingasse o Bahia, maculando o nome, a camisa, o escudo, as cores e a História do seu Tricolor. “Nunca faça isso!”, implorava. 

    Benedito Borges se foi no domingo passado, dia 30 de agosto, aos 96 anos. Um estandarte, um gigante, eterno conselheiro e benemérito do clube. Pura história de tempos de glória. Devemos e muito a ele uma daquelas duas estrelas no escudo, na camisa Tricolor, a de Primeiro Campeão Brasileiro de Futebol, com a conquista da 1 ª Taça Brasil, em 59/60.  Primeiro e único, porque primeiro. 
  
   O céu vestiu-se de azul, vermelho e branco para acolher Bené. Muito obrigado, campeão.  Que Deus o tenha. 

   Saudações Tricolores! 
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