Cultura

NO MEU TEMPO DE MENINO OS CASARÕES DA PRAÇA SERRINHA ERAM ENCANTADORES

As "picaretas do progresso" derrubaram tudo e você lê no wattpad as crônicas de Tasso Franco
Tasso Franco , da redação em Salvador | 26/08/2020 às 09:26
Casarões das Hortélio, de Agenor de Freitas, dr Sandoval e da família Santiago
Foto: Arquivo do autor
  O jornalista Tasso Franco publicou no wattpad nesta quarta feira, 26, a 10ª crônica no seu livro "No Meu Tempo de Menino, o último apito do trem", e você confere abaixo com o tema sobre o patrimônio destruido. Todas as crônicas v acompanha no wattpad.

   OS 140 ANOS DE MINHA CIDADE E O CENTRO HISTÓRICO DESTRUIDO

     O município de Serrinha completou em de 13 junho de 2016, 140 anos de sua emancipação política de Irará (Purificação dos Campos), decreto da Assembleia Legislativa Provincial sancionado pelo presidente da Província, Luiz Antônio da Silva Santos. 

    Serrinha era um Arraial e Distrito de Paz desde 1838 e Sítio (ou localidade) desde 1723 quando Bernardo da Silva comprou as terras da herdeira dos Guedes de Brito, de sua filha Isabel. 

  Somente 15 anos depois de sua emancipação política na condição de Vila é que Serrinha ganhou o status de cidade, em 30 de junho de 1891, na intendência de Marianno Sylvio Ribeiro (1890/1893), há 123 anos.

  O nome da Filarmônica 30 de Junho vem daí fundada em 30 de junho de 1896. O Distrito de Paz (separado de Água Fria) é de 1º de junho de 1838.

  O que desejo destacar nesse comentário é que Serrinha é uma das localidades mais antigas da região Nordeste da Bahia e seu original município era imenso fazendo divisa com Tucano, ao Norte; ao Sul, com Irará; a Leste com Água Fria e Nova Soure; e a Oeste com Coité. 

  Depois, com as emancipações dos distritos de Pedra (Teofilândia), Manga (Biritinga), Lamarão, Araci (Raso) e Barrocas ficou com território menor, ainda assim com grande área, sede da Microrregião Administrativa do Estado/NE.

   Serrinha tinha um patrimônio arquitetônico dos mais expressivos do Nordeste da Bahia, um casario erguido desde a época do Brasil Colônia (1549/1822), do Brasil Imperial (1822/1889) - este o mais significativo; e da República Velha (1889/1930) e esse patrimônio foi aniquilado pelas chamadas 'picaretas do progresso'. 

   Uma situação abominável, cruel, terrível.

   Até a década de 1960, a mancha matriz principal da cidade, a antiga Praça Manuel Victorino (hoje, Luís Nogueira) ainda conservava boa parte desse casario, alguns exemplares da Colônia e outros do Império. E modelos do neoclássico da República. A capela, hoje matriz de Sant'Anna é da época colonial (1780). A antiga casa de Bernardo da Silva também era colonial, mas, no governo Luis Nogueira (1916/1920) foi modificada, exemplar da Reopublica Velha que está em ruinas. 

   Passados pouco mais de 50 anos, tudo foi abaixo. Só restam nesta praça a Igreja Matriz, o local da morada de Bernardo da Silva (a antiga sede da Prefeitura caindo aos pedaços), o casarão da família Nogueira (repartição da Prefeitura), a casa de Sêo Miroró e a antiga casa do ex-4º intendente Joaquim Hortélio da Silva (1904-1907), em ruinas. Tudo o mais foi destruido. O último exemplar dessa série, a casa do paia de doutor José Mota, hoje é a sede do Bradesco. Ao lado, tem uma casinha, quase em ruinas, onde mora Zé Quarentinha, na época do Império.

   Não se pode culpar esse ou aquele prefeito e sim a todos e a todos os vereadores nesses últimos 50 anos. Isso porque nunca fizeram uma legislação que proibisse essa derrubada. 

   O tempo foi passado, Serrinha não estava enquadrada dentro dos propósitos do IPHAN e do IPAC entidades que tinham os olhos mais voltados para centros históricos mais antigos (Salvador, Cachoeira, Ilhéus, Itapicuru, Rio de Contas, Mucugê, etc) e o que resta na cidade fora desse centro histórico mancha matriz são alguns exemplares conservados por famílias, como é o caso do chalé dos meus avós na praça Miguel Carneiro; a antiga casa dos Pedreira de Freitas; a casa linha clássica de Edmundo Bacelar na Rua da Estação; e alguns exemplares na Rua Direita, na Barão e Cotegipe e só.

   A mancha da antiga área da Leste Brasileiro, ainda restam a casa de dona Petit, o Hotel (hoje hospital da família Ferreira), casas de antigos ferroviários e a estação do trem, abandonada. A estação é da época da República Velha e leva o nome do Barão do Rio Branco. 

   Infelizmente, esse é o quadro do centro histórico de Serrinha. Os gestores municipais - todos eles - nunca deram atenção a esse aspecto, nem a cultura, salvo algumas festas que fazem para a população no modelo showzão da axé música baiana. 

   O município tinha várias manifestações culturais populares e até eruditas. Quase todas foram sepultadas. Restaram algumas nos distritos e povoados, como a bata do feijão, o pavão misterioso, a escola de música da filarmônica “30 de Junho” e iniciativas isoladas como o grupo de capoeiristas de Givaldo.

   Os políticos locais entendem que cultura não dá voto; que patrimônio é pra passar o trator por cima; e o que vale são 'políticas sociais' - cisternas, tanques, estradas vicinais, Minha Casa, postos de saúde – em enganatório permanente. Não tem uma ação administrativa vitoriosa permanente em Serrinha. Fazem uma coisa ali, outra acolá; e depois desaparecem. 

   Ação industrial, zero; ação no desenvolvimento de novas tecnologias, zero; ação cultural permanente, zero; e o município vai se arrastando, como diz Gilberto Gil, que nem cobra pelo chão, vendo a procissão do progresso passar.

   Ainda assim, quem é filho da Serra, a ama. 

* Crônica ogiginal de 2016