Cultura

FERNANDO PESSOA O POETA DE MIL FACES E DE UM ÚNICO AMOR: A POESIA (TF)

Esta é a 25ª crônica do livro de TF Lisboa como você nunca viu, a Pensão do Amor, leia no wattpad. Leitura gratuita.
Tasso Franco , da redação em Salvador | 17/06/2020 às 09:40
Homenagem a Fernando Pessoa numa loja de pasteis em Lisboa
Foto: BJÁ
   O jornalista Tasso Franco publicou nesta quarta-feira sua 25ª crônica no livro Lisboa como você nunca viu, a Pensão do Amor, no wattpad, sobre o poeta Fernando Pessoa, o mais destacado da Nação portuguesa. Veja abaixo e leia todas as crônicas do livro no aplicativo wattpad.

FERNANDO PESSOA O POETA DE MIL FACES E DE UM ÚNICO AMOR: A POESIA

A crônica me fascina. Ainda sou um aprendiz nessa linguagem. Neste livro que posto no wattpad com o pretencioso título de "Lisboa como você nunca viu, a Pensão do Amor" (é claro que você já viu muitas coisas que narrei, mas cada qual tem seu olhar sobre elas) não poderia deixar de falar sobre Fernando Pessoa. Missão muito difícil ainda que apenas numa crônica de poucas linhas, não ensaio ou romance. 

Pessoa era tão enigmático, tão complexo, misterioso, real, vários, múltiplos, único, dramático, que quaisquer interpretações que se queiram dar à sua personalidade cabem novas adjetivações. O próprio, em poema, dá margem a que o julguem, a pessoa, não a poesia em sí: Sou um evadido./ Logo que nasci/ Fecharam-me em mim/ Ah! mais eu fugi. (...) Ser um é cadeia, / Ser eu é não ser/ Viverei fugindo/ Mas vivo a valer (Poema sem título de 1931).

Portanto, impossível decifrá-lo no total. Só em fragmentos, pois, as interpretações sobre sua vida e seus poemas são múltiplas. Ninguém consegue entender um poeta em sua totalidade ou integralidade. Ainda mais se tratando de Pessoa, o poeta do eu, do intimo, do ser ou não ser shakespereano.

Para brindar os estudiosos de sua obra escreveu na pena de mais de 100 heterônimos com destaques para três deles: Alberto Caieiro, Ricardo Reis e Álvaro de Campos. Para cada um deles deu naturalidade, região em que viveram, dia do nascimento, ano, signo, religião, forma, características pessoais e estilos: Caieiro era poeta clássico; Reis, primitivo; Campos, sensacionalista.

O que significa dizer, na visão do próprio Pessoa, que sua poesia era de muitos estilos ou até sem estilo algum. Pessoa era, senão discípulo, mas admirador do estilo Walt Wilthman (1819/1892) poeta da revolução norte-americana e "pai do verso livre".

Nessa arte de ser muitos (em si) e na poética quando lhe fizeram essa pergunta respondeu: "Sabes quem sou? Eu não sei o que sou". Caieiro: "Nasço, vivo, morro por um destino em que não mando. Então, quem sou eu?". Reis: "Quem sou e quem fui são sonhos diferentes". Campos: "Que sei eu do que serei, eu que não seu o que sou". Quatro respostas de um mesmo ser em distintos personagens que era ele próprio.

Seu poema mais citado e analisado pelos estudiosos de sua obra chama-se "Autopsicografia" e não é escrito na primeira pessoa do singular. Ei-lo:

O poeta é um fingidor.

Finge que tão completamente

Que chega a fingir que é dor

A dor que deveras sente.

 

E os que leem o que escreve,

Na dor lida sentem bem, 

Não as duas que ele teve,

Mas só a que eles não têm.

 

E assim nas calhas da roda

Gira, a entreter a razão, 

Esse comboio de corda

Que se chama o coração 

 

São múltiplas interpretações. E, estudos citam não haver no poema uma única linha de interpretação. O poeta é um fingidor (sugere que finge uma dor) para mostrar que o leitor não sabe nada acerca dele. Seria isso mesmo ou Pessoa coloca de maneira proposital para o leitor descobrir a essência da ironia, "a dor que deveras sente". Mas, qual a dor? A que o leitor lê? Como assim! "Não as duas que ele teve", mas só a que ele não tem.

Parem. Pensem. Leiam de novo. Você não vai conseguir entender o segundo sentido do texto. Ou vai? Bem, a interpretação é livre. 

Pessoa operava um estágio superior em línguas (escrevia em português, inglês e francês) construindo modelos que só pessoas com inteligências superiores ou treinadas nas interpretações de textos tinham uma percepção mais clara do que dizia. Nada nele é direto. É obliquo. Poeta do oximoro. (E o resto que venha se vier, ou tiver que vir, ou não venha).

"Num dia em que finalmente desistira, acerquei-me de uma cômoda alta (Pessoa escrevia em pé) e, tomando um papel, comecei a escrever. Escrevi trinta e tantos poemas a fio, numa espécie de êxtase cuja natureza não conseguirei definir. Foi o dia triunfal de minha vida, e nunca poderei ter outro assim. Abri com um título, "O Guardador de Rebanhos"... imediatamente peguei outro papel e escrevi os seis poemas que constituem a "Chuva Oblíqua", de Fernando Pessoa ele só. Criei então uma coterie inexistente. Parece que tudo se passou independente de mim.

Um verso de "Chuva Oblíqua" que dedicou a si mesmo, a três dos seus heterônimos: Caieiro, Bernardo Soares (aparece sempre que estou cansado) e Álvaro de Campos

Ilumina-se a igreja por dentro da chuva que deste dia,

E cada vela que se acende é mais chuva a bater na vidraça...

Alegra-me ouvir a chuva porque ela é o templo estar aceso

E as vidraças da igreja vistas de fora são os sons da chuva ouvido por dentro...

Fernando Nogueira Pessoa nasceu em Lisboa em 13 de junho de 1888 e morreu em 1935 frágil em saúde que era. Seus pais Joaquim Seabra Pessoa e Maria Magdalena Pinheiro Nogueira homenagearam a criança nascida no dia de Santo Antônio, o nome original do santo que se chamava Fernando Martinho de Bulhões. Seu pai morreu jovem, de tuberculose, e Maria Magadalena, aos 35, casa-se em segundas núpcias com o general Henrique Rosa, o qual foi servir em Durban, África do Sul.

São os caminhos do destino que ninguém consegue prever. E lá se foram ela o marido e o pequeno Fernando, em 1986 para Durban, onde pessoa aprende o inglês e estuda na melhor escola da possessão inglesa, a África do Sul então colônia. Só retorna em Portugal em 1905, aos 17 anos, fluente em inglês, formação sólida britânica, donde nunca mais se afasta da querida Lisboa, até sua morte.

Aos 14 anos estreou na poesia no Imparcial de Lisboa (1902): Teus olhos contas escuras,/ São duas Ave Marias/ Dum rosário d'amarguras/Que eu rezo todos os dias. Estuda letras na Universidade de Lisboa, cria a Ordem do Fósforo Apagado (do valor, lealdade e mérito da asneira) para condenar o autoritarismo português e sua trajetória de vida será toda ela dedicada a poesia. Só teve um amor mulher Ophelia Queiroz, com quem namorou, mas não se casou: "Nãop creio ainda no que sinto/Teus beijos, meu amor, que são/ A aurora do fundo do recinto/ Do meu sentido coraçã0".

Sua vida sexual foi um grande mistério. Teve amigos apaixonados como Sá Carneiro, residente em Paris, que se correspondia por cartas, amigos do Café Martinho da Arcada, seu restaurante predileto, amigos da Tabacaria, amigos da Barbearia, mas, ninguém pode afirmar que teria sido homossexual. Provável, enrustido.

Amor integral dedicou a sua obra guardada num baú em sua casa, a arca dos seus poemas. Uma obra extensa com muitos poemas publicados em vida e que foi catalogada, analisada, publicada, estudada até os dias atuais com uma avidez impressionante. Hoje, mais do que quando em vida, é amado e adorado em Lisboa e em Portugal. Também no Brasil, antes e agora.

O seu maior e mais conhecido poeta é o "Guardador de Rebanhos". É extenso e vamos publicar só uma estrofe:

I

Eu nunca guardarei rebanhos,

Mas é como se os guardasse,

Minha alma é como um pastor,

Conhece o vento e o sol

E anda pelas mãos das Estações

A seguir e a olhar.

Toda a paz da Natureza sem gente

Vem sentar-se ao meu lado.

Mas eu fico triste com um por do sol

Para nossa imaginação,

Quando esfria no fundo da planície 

E se sente a noite entrada 

Como uma borboleta pela janela

Nos dias atuais, onde se anda em Lisboa há algo de Fernando Pessoa no ar, nas figuras dos portugueses e portuguesas, nas casas, na culinária, nas casas de fado, nos bondes, nos mercados, uma Lisboa que lembra muito o tempo deste grande poeta. Seus restos mortais estão sepultados na Igreja de Nossa Senhora de Belém, em Jerónimos.