Cultura

AS TORRES QUE DEFENDIAM 'FELICITAS JÚLIA' NOS SÉCULOS XV E XVI (TF)

17ª CRÔNICA DE TF no livro Lisboa como você nunca viu, no wattpad
Tasso Franco , da redação em Salvador | 20/05/2020 às 09:26
Baluarte de São Vicente
Foto: BJÁ
AS TORRES QUE DEFENDIAM 'FELICITAS JÚLIA' NOS SÉCULOS XV E XVI

   Voltamos a Torre de Belém para contar um pouco a história de Lisboa e suas fortificações deixando de lado a contemplação do por do sol da crônica anterior às margens do Tejo e à beira deste charmoso templo. Falaremos de sua utilidade militar, um forte para defender Lisboa de invasões estrangeiras pelo mar a partir de Cascais, séculos XV e XVI, quando Portugal passa a ser uma potência e descobridor de novas rotas maritimas para as Índias, ao Oriente, e também descobre casualmente, o Brasil.
   

   Um pouco de história para chegarmos à essa época. Os povos lusitanos só vão conhecer sua independência em 1147 com o rei Dom Alfonso Henriques. Antes, bem antes, na época da dominação romana 139 a.C. com a invasão das legiões do cônsul Décimo Júnio Bruto Galaico surgiram as primeiras fortificações de defesa na colina do atual Castelo de São Jorge, área da cidade velha consolidada com Caio Júlio César 60 a.C. quando o imperador conferiu à localidade o nome de 'Felicitas Julia'.

   Depois, 'Felicitas' é invadida por ordas de bárbaros com a decadência do Império Romano e é ocupada pelos árabes, mouros, muçulmanos, a partir do século VII e essa área é mais fortificada com as muralhas mouras em torno do castelo.

   Os árabes dominaram a Península Ibéria (Espanha e Portugal) durante 700 anos e foram expulsos de 'Felicitas', a essa altura chamada de 'Achbuna' ou "Lissa-Bounanh' e resistiram durante três meses ao cerco do castelo pelas tropas de Alfonso Henriques com apoio de cruzados normandos, flamengos, alemães e ingleses.

    Em "De expugnatione Lyxbonensi", carta escrita por um cruzado inglês que tomou parte na conquista diz que, o cavaleiro Martim Moniz, ao perceber uma das portas do castelo entreaberta, sacrificou a própria vida ao interpor o próprio corpo no vão permitindo o acesso e a vitória dos companheiros.

   Muitos cruzados eram devotos de São Jorge e o castelo foi colocado sob a invocação deste santo. A data da conquista - 25 de Outubro - comemora-se hoje o "Dia do Exército", instituição que, no país, tem São Jorge como padroeiro.

    Lisboa passa a ser a capital do reino, em 1225, e o castelo tornou-se Paço Real, Paço da Alcáçova, palácio de bispos, albergue de nobres da Corte e fortificação militar. Em 1367, iniciou-se a muralha de D. Fernando (1367-1383), concluída dois anos mais tarde e que se prolonga até à Baixa. 

   Os mouros derrotados sobreviventes passaram a morar numa área próxima do castelo, com o beneplácito dos cristãos, dai surgindo o bairro da Mouraria que é um dos mais tradicionais e boêmios da cidade, reduto do fado.

  A mudança da residência real para a zona ribeirinha dá-se no século XV. Estamos falando de 1498, ou seja, 243 anos depois que o Paço de Alcácova serviu como morada real e fortificação militar. Surge o Paço da Ribeirra, hoje Praça do Comércio, às margens do Tejo, um centro administrativo com residências e áreas militar, política, economica e a logística naval. Nas proximidades dessa área funcionavam os principais estaleiros, as tercenas, Ribeira das Naus, Ribeira. 

Tivemos a partir do século XVI uma situação parecida na cidade do Salvador da Bahia: o palácio governamental da colônia portuguesa, com a diferença que fica na cidade alta, e a ribeira das naus, o porto, na cidade baixa.

Com a conquista de Ceuta (1415), da Costa da África e a descoberta do caminho maritimo para a Índia, em 1496, com Vasco da Gama, Portugal ganha uma dimensão mundial e a área do Porto, chamada de Restelo, sofrerá modificações em sua infra-estrutura. Uma coisa puxava a outra. Onde tem negócios, tem gente de toda a natureza, de mercadores a carregadores.

Assim, o Terreiro do Paço se tornou o local preferido de fidalgos, burgueses, populares, comerciantes, marinheiros, prostitutas, poetas, trovadores e outros, por sua localização privilegiada. O rei e a corte mudaram para o Palácio da Ribeira, em 1503, três anos após a descoberta do Brasil. O Paço da Ribeira foi totalmente destruido pelo terremoto de 1º de novembro de 1755 quando aconteceu um devastador maremoto na baixa. Hoje, algumas de suas instações estão os Ministérios do Governo.

E onde entra a Torre de Belém nesta história?

O Restelo era o grande porto e o local de partida e chega dos navegadores portugueses. Essa região precisava de fortificações militares com canhões apontados em direção ao Tejo e ao Atlântico, pois, a Corte Portuguesa tornara-se uma referência no comércio internacional com o estabelecimento das rotas maritimas com a Ìndia, Goa e Malaca, África e Brasil.

Nessa área do Restelo manda erguer a Torre de São Vicente (Belém) com trinta metros de altura, forma hexagonal e 40 metros de comprimentod, com batertias de fogo (canhões) colocadas no baluarte e voltadas para o Sul e para o Tejo. 

Na verdade, dom Dom Manuel vai executar o projeto de seu antecessor, D. João II (1481-1495), que idealizou um plano de defesa do porto da capital, baseado em três torres fortificadas: a de São Sebastião da Caparica (Baluarte da Caparica ou Torre Velha), na margem esquerda do Tejo; e na margem direita, as de Santo António de Cascais (Baluarte de Cascais) e de São Vicente de Belém (Baluarte de São Vicente. 

O Baluarte de Cascais foi iniciado em 1488, prosseguindo as suas obras ainda em 1505. Não se conhecem referências históricas a esta torre e nem aos trabalhos nela realizados nas décadas seguintes, embora se acredite que as muralhas, expostas ao embate da corrente das águas do rio, fossem reparadas ao final de cada inverno.

O Forte de São Sebastião de Caparica também denominado como Torre de São Sebastião de Caparica, Torre Velha e Fortaleza da Torre Velha, localiza-se na vila do Monte de Caparica, freguesia da Caparica, concelho de Almada, distrito de Setúbal. Era, portanto, um sistema integrado de defesa a partir da entrada do Atlântico para chegar no Tejo e a Lisboa.

Não conheço os baluartes de Cascais e de Caparica, ficam para a próxima viagem que fizer a Portugal, mas, a Torre de Belém, sim, hoje, um monumento turístico como as demais porque perderam as suas finalidades militares. Foram os tempos das conquistas pelos mares e rios com as novas tecnologias militares e o surgimento da aviação.

Mas, lembrando que no final do século XV e inicio do XVI, épocas de dom João II e dom Manuel, todo o movimento econômico se dava pelo mar e pelos rios. Só havia um caminho para Lisboa a levar riquezas de suas conquistas ou para invasões de outros países: pelo mar. 

E quando se visita a Torre de Belém sobretudo a parte interna e tem-se a visão dos canhões e da artilharia rasante, tiros quase a linha d'água, vê-se a importância militar da Torre de Belém. Em Salvador, existe algo assemelhado em artilharia rasante, o Forte do Mar ou de São Marcelo, erguido na linha d'água da Baía de Todos os Santos.

Havia, ainda, em Lisboa, naquela época, o Torreão de Terzi, torre abaluartada sobre o Tejo, que permitia ao soberano e sua Corte vigiarem a entrada e saida de navios do comércio ultramarino e abaixo dela funcionava a Casa da Índia, a aduana para controlar bens e riquezas das conquistas.

De todas elas, a mais encantadora é a Torre de Belém. É deslumbrante ainda hoje.