Cultura

COMO É VIVER NUMA CIDADE DE 2.167 ANOS ONDE O ANTIGO CONVIVE COM NOVO

Em Valencia, na Espanha, ja dá pra sentir a nova era industrial, a quarta, das novas tecnologias e da robótica
Tasso Franco , da redação em Salvador | 29/12/2019 às 16:56
VLT em Valencia com todas estações automatizadas
Foto: BJÁ
   MIUDINHAS GLOBAIS:

    1. Como é morar numa cidade de 2.167 anos de existência que preserva sua memória histórica e ao mesmo tempo está em permanente sintonima com o mundo contemporâneo usando as novas tecnologias e a róbotica? Diria que é gratificante, estimulante e prazeroso. 

   2. É como se você estivesse convivendo com personagens e monumentos da época das ocupações romana, visigótica e árabe e ao mesmo tempo num ambiente europeu de primeira linha com as edificicações de Santiago Calatrava dando um exemplo de arquitetura inovadora ao mundo. Calatrava é autor do projeto do Museu do Amanhã no Rio. 

   3.  Os prédios de Calatrava e as torres Serrano e Quart são um retrato desse contraste entre o antigo do século XIV e o contemporâneo do século XXI, dois estilos completamente diferentes não só nos modelos das edificações, mas, sobretudo nos materiais. Os primeiros em pedra e argamassa e os atuais de concreto, tubos de aço e fibras de vidro. 

   4. Ambos são monumentais grandiosos e expressam eras diferenciadas convivendo numa mesma cidade, o que, aliás, Salvador fez quando instalou a sede da Prefeitura em estruturas metálicas e vidro, projeto do Lelé Filgueras, no centro histórico da cidade, gestão MK, década de 1980.

   5. Valencia se renova a cada década mas mantém seu centro histórico impermeável a edificações modernistas embora use as novas tecnologias nas instalações antigas desde o prédio da generalitat (do governo) a catedral. 

   6. A visita guiada a igreja barroca de São João (Saint Juanes Barroque Splendour) tem origem em 1240 e é uma das paróquias fundacionais depois da conquista cristã no século XIII e graças ao apoio de uma fundação (Hortensia Herrero) está restaurada e tem uma visita guiada apenas com audio-guias em 5 linguas: espanhol, ingles, alemão, japones e mandarim. Isso há 20 anos não existia.

   7. O sistema metroviario de Valdencia tem 285 km (metrô, transvia e trens ligeiros) e 211 estações todas automatizadas. Só aquelas localizadas no centro turístico possuem guichês com atendentes. O sistema é estatal FGV, Ferrocarrils de la Generalitat Valenciana, incorporado e modernizado a partir de 1988 e na área metropolitana de Valencia o metrô tem 138 estações e 9 linhas, Norte/Sul; Leste Oeste atendendo inclusive municípios da RMC como Burjassot e Paterna. E há um outro sistema internacional por trens para Madri, Paris, Londres e outras cidades européias.

   8. Valencia adotou um sistema de coleta de lixo onde não há mais garis. Com as novas tecnologias um caminhão dirigido por um operador sem auxiliar encosta em conteneris espalhados na cidade onde a população leva seu lixo doméstico ou comercial até esses locais, e este caminhão possuiu um equipamento que alça o conteneir e despeja o lixo no seu interior, sem o motorista descer do veiculo. Em seguida, o motorista dá um comando num computador e o conteiner é recolocado no local. 

   9. Vocês têm uma ideia do que seja um sistema metroviário sem funcionários em mais de 200 estações e uma organização para limpar a cidade sem garis o que isso representou na perda de empregos? 

   10. Estima-se mais de 5.000 desempregados ao longo das modernizações o que deverá, em breve, também acontecer no Brasil. Hoje, um caminhão da empresa que recolhe lixo nas ruas de Salvador tem no mínimo 3 auxiliares e os postos de gasolina, cada um deles, ao menos 6 a 10 bombeiros. Essas profissões já deixaram de existir em Valencia.

   11. Outro detalhe: com os sistemas computadorizados os restaurantes e bares em Valencia, diria que são milhares considerando cafés e bodeguillas, operam com poucos funcionários. Tem restaurantes com salões imensos e dois atendentes: um para comida; um para bebidas e mais o pessoal da cozinha e do balcão. Você vai a um restaurante imenso e só tem 6 servidores.

   12. Tudo está computadorizado, da comanda ao uso do cartão de crédito. Há uma rede de restaurantes "100 Montaditos" em que o cliente faz seu pedido num bloco de notas posto na mesa, cada produto com um número, vai ao balcão e a pessoa que o atende, um atendente só, serve a bebida, de imediato, e passa o pedido de petiscos a cozinha. 

   13. Em instantes, outro atendente, lhe chama pelo microfone e você vai buscar o que pediu. Estrutura para atender um montadito de médio a grande porte 4 pessoas: 1 no caixa e nas bebidas, 2 na cozinha, 1 na limpeza das mesas e lavagem das canecas, área também com máquinas.

  14. Em Valencia já dá pra sentir esses novos tempos na sociedade e que estão chegando a Salvador, aos poucos, mas chegando e que serão inevitáveis. 

   15. A questão básica é como requalificar a população para enfrentar essa nova realidade. Digamos que o Brasil adote - o que já é comum na Europa - os postos de combustíveis sem bombeiros. O que fazer com esses bombeiros? Como será a requalificação deles para seguir outras profissões? 

   16. E os porteiros dos prédios residenciais? Só no prédio que moro existem 5. Meu filho mora em Moncada, na RMV, e no seu prédio não há porteiros e tudo funciona. E agora, como vamos enfrentar isso no futuro?

   17. São inúmeros desafios que ainda temos pela frente. No Brasil, recuperar qualquer telhado de uma igreja católica tem que passar pelo governo, pelo cofre estatal, pelo IPHAN e por aí vai. Em Valencia fundações resolveram esse problema. 

   18. O cardeal Llovera, da Catedral Metropolitana, mostra balanços por escritos de quanto recebeu de ajuda de fieis e outros e quanto gastou incluindo salários dos padres. É, padre aqui ganha salário. Mas, o cardeal não pede ao IPHAN para consertar uma biqueira porque o turismo é profissional e para entar num templo (salvo na hora das missas) é pago. 

   19. Daí que você vê um centro histórico com residências, com familias morando e conservando os prédios, igrejas cobrando entrada e tudo funcionando e limpo, asseado. E, claro, usando as novas tecnologias.