Cultura

Crônicas de Copacabana: 2019 marca o verão da "cana" por NARA FRANCO

Nem Luis Buñuel e Salvador Dali, pais do surrealismo, seriam capazes de elaborar um roteiro tão espetacular para o Rio
Nara Franco , RJ | 27/03/2019 às 12:14
Moreira Franco preso por poucos dias
Foto: REP
 No verão de 1987, latas de leite em pó abarrotadas de maconha apareceram boiando nas praias do Rio de Janeiro. Foi um alvoroço tamanho, que qualquer reflexo no mar levava dezenas de pessoas à braçadas frenéticas enfrentando ondas e correntezas em busca da erva preciosa (eram 1,5kg em cada lata). Reza a lenda, que o cantor Tim Maia alugou um barco para procurar as latinhas. No fim, deu com os burros n'água (literalmente).

Conta a história que a maconha saiu da Austrália em um barco rumo a Miami nos Estados Unidos. Com o alerta da polícia, os tripulantes pularam fora do barco, mas antes despejaram no mar 15 das 22 mil (!) latas de maconha que estavam no barco. Não se sabe ao certo quantas chegaram ao litoral brasileiro (as latas apareceram em Santos, Guarujá, Maricá, Rio e até no Rio Grande do Sul). Dessas latas, a polícia brasileira apreendeu apenas 2 mil. Ou seja, o verão de 1987 foi pródigo para os maconheiros do Brasil. 

O verão da lata virou música, filme e livro. Prova viva que o Rio de Janeiro não é uma cidade como outra qualquer. Depois do verão da lata, tivemos o verão dos arrastões, do altinho, do frescobol, das inundações, da Copa do Mundo, dos Jogos Olímpicos. Tivemos verão para todos os gostos.  

Até que chegamos a 2019. Esse ano, que começou tão intenso que parece que estamos em dezembro, está fértil no quesito "coisas estranhas". Em 2039, um professor de história ou sociologia ou até psicologia, vai ter uma enorme dificuldade para explicar esse verão. Na verdade, vai ter uma enorme dificuldade para falar do Brasil, mas isso é outro tema. 

Daqui a 20 anos, a tecnologia vai estar tão avançada (espero), que vamos rememorar os eventos em 5D, som super dolby, hologramas etc. Vai ser muito bom rever o desfile da Mangueira, contando a história que a história não conta, colocando na avenida os marginalizados do Brasil. Vamos rir muito do "meninos vestem azul e meninas vestem rosa". Capaz até de surgir um Jesus sentado na goiabeira em plena sala de estar. Até que alguém vai levantar o braço e dizer: "E os governadores presos?". 

É. Dentre os muitos políticos presos no Brasil nos últimos anos, só o Rio de Janeiro e, apenas o Rio de Janeiro, terá no seu histórico a incrível marca de contar com 5, eu disse 5(!), ex-governadores presos. Até lá, esse número pode variar. Contudo, em 2019, somos o único estado da federação com um time inteiro de futebol de salão na cadeia. Nem Luis Buñuel e Salvador Dali, pais do surrealismo, seriam capazes de elaborar um roteiro tão espetacular. 

São eles:

Sérgio Cabral, que no verão jogou tanta m... no ventilador e fingiu tanto arrependimento, que merecia o Oscar de melhor Ator.

Luiz Fernando Pezão, vice de Cabral e seu sucessor. Um homem gigante com cara de bobo que de bobo não tem nada.

Anthony Garotinho, ex-prefeito de Campos, governador do R$ 1 e sucessor de Leonel Brizola no quesito "dar apelidos"

Rosinha Garotinho, esposa de Garotinho, mãe de Clarissa Garotinho (deputada) e de outros nove ou dez filhos
E .. last but not least .. Moreira Franco!

O gato angorá, o homem dos bastidores, o cara que está sempre do lado onde o poder toca o apito, foi preso. Em cana. Durou pouco, mas foi. Houve quem dissesse "vivi para ver isso". Pois é. Vivemos. Todos têm em comum o fato de terem feito do Rio de Janeiro a bagunça que ele é. Todos, sem exceção, corroboraram para a falência financeira e moral da cidade e do estado. 

O verão da lata, que trouxe maconha ao literal, pelo menos foi divertido. O verão dos presos aumentou o tom de melancolia que nos persegue desde o fim dos Jogos Olímpicos. Fim da euforia, vem a depressão. O jornaleiro que fica em frente ao prédio onde moro resumiu assim: "Cuidado com o arrastão de prisões de hoje. Não vai sobrar um". Ué, estão prendendo os traficantes? 

Nãããããããooo... claro que não. Estão prendendo os verdadeiros bandidos. Triste sina. 

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Para fechar a crônica, a situação está tão ruim que ao acompanhar minha mãe na compra de um cabo de telefone, ouvi da chinesa (em um português muito mequetrefe) dona da loja a seguinte sentença: "Aqui muito "luim". Tem dois filhas grandes. Não pode voltar China. Se pode voltar, eu volta". Quase respondi: "Quando puder, me leva?".