Cultura

SEM DESCANSO E TINTA BRUTA, dois filmes interessantes, por DIOGO BERNI

Diogo Berni é comentarista de cinema
Diogo Berni , Salvador | 24/01/2019 às 16:51
Tinta Bruta
Foto:
  Sem Descanso, de Bernard Atal, Brasil, 2018. Embora seja francês, e não seja rabugento, como o estereótipo quer falar justamente o oposto; Bernard, ao lado da sua companheira Gel Santana, baiana e negra, da qual assina a importante missão da pesquisa sobre o filme, além de assinar a produção junto com o próprio Attal.

   Aobre o Doc, primeiro do diretor, inclusive, aborda o desaparecimento de um jovem de 22 anos na cidade de Salvador, em 2014, e a posteriori acham um corpo queimado decapitado, que seria o de Geovane. 

   O Doc disseca essa estória, até hoje, muito mal contada pelos chamados homens da lei. Quando acabou a sessão logo me veio na cabeça a música Polícia, dos Titãs, onde esta fora escrita pelo guitarrista da banda Tony Belotto: tipo um desabafo quando a policia o prende por portar algumas substancias ilícitas. 

  No caso de Geovane, as consequências foram bem mais drásticas, onde nem se quer , depois da sessão, ficamos sabendo o real motivo dos policiais terem matado e esquartejado o corpo de um individuo que tinha um moto bacana: será que foi só porquausa da moto ou pelo comportamento do Geovane não ter baixado a cabeça e não querer ter tido como negociar com os homens da lei?

   Aliás, o que é lei onde não se tem donos? Salvador é uma terra sem lei? Essas perguntas são arremessadas sobre nossas íris durante a sessão, e saímos convictos até, que o Bernard tem razão quando escreve em sua sinopse do filme que Salvador é uma terra sem lei: isso não tem como negar.

   Voltando ao Doc, o Attal, dirige muito bem essa fatídica estória real, nos colocando em 2014, e dizendo em caixa alta: OLHA AUTORIDADES, AINDA NÃO ESQUECEMOS NÃO, VIU?

   O filme teve sua estreia internacional no XIV Panorama Internacional Coisa de Cinema, que ocorre nas cidades de Salvador e Cachoeira no próximo mês de novembro.
                                                                                      *****
   Tinta Bruta, de Felipe Matzembacher e Marcio Reolon, Brasil/RS, 2018. A obra filmica inicia-se com um take médio no rosto do protagonista: Pedro. Ele está no tribunal, sendo julgado por algo muito horrível, mas não se sabe o quê. 
  
   O filme desenrola-se e vemos que Pedro perde seu único parente: sua irmã , que se cansa de Porto Alegre e vai morar no outro lado do país: Salvador. Pedro, um garoto expulso da faculdade de química agora, sem ninguém, manter-se por sua conta e risco em desnudar-se para milhões homossexuais do armário. 

   Com isso ele ganha uma boa grana, porém o xis do filme, ou da questão, ainda encontra-se intacto: ou seja, o que Pedro fez de tão horrível assim ao ponto de não ter nenhum amigo e ser uma pessoa mal olhada? A resposta vem no octagéssimo minuto do filme de 117. 

   E a resposta é bela: como forma de poema, discursado por um pseudo roubador de trabalho alheio, explico. É que o Pedro tinha uma maneira muito particular de ganhar grana nú na web: ele se pintava, dos pés a cabeça, de tinta para dar uma diferenciada da concorrência.  

   O tal fulaninho pega essa visão e começa a imitar o protagonista. Pedro, então, o chama na chincha, e o romance começa por esse imbróglio. E corre até o último minuto de filme. O curioso é a caracterização de personagem que os diretores encontraram para criar o Pedro. 

   Do seu lado psíquico tinha uma coisa que fazia que quem chegasse e se aproximasse muito dele, logo saía de fininho, de modo que protagonista ficava sempre em uma espécie de bolha solitária, ou seja, o sujeito não tinha muito sorte mesmo com gente.

    A parte física do personagem também é interessante, pois mostra um Pedro com um estilo meio punk, despojado e "desnoiado", com  problemas que a maioria se incomodaria, como: emprego fixo, falta de amigos e família,etc. 

   Tinta Bruta é um filme sensível , focado no público GLSBA, porém com personagens fortes e sabedores do que querem e não querem; e escrevo mais: Tinta Bruta fala de gente, de ser humano, que está na vida para aprender com ela.
                                                                 ****
   Sonata de Outono, de Ingimar Bergman, 1978, Suécia. Não existe e nunca existirá alguém que consegue dissecar a psique humana de melhor mastearia que o sueco Bergman. Sim: existem muitos percussores, mas que meio que se aprofundam da maneira que não o toquem de maneira substancial, espiritual, física e psiquicamente falando. 

   Tarantino trabalha bem isso: a construção de personagens cheias de idiossincrasias que meio que habitam o lugar comum: a forma que as pessoas têm de ver, e sentir, a vida e pensar através, e por, principalmente dela própria: a dita cuja Vida. 

   O filme trata de uma visita que uma mãe faz a uma filha. Aí você me pergunta: mas como um roteiro tão besta e banal pode se transformar em um bom filme? Falo que transforma e ponto final. 

  A suposta visita é uma troca de farpas antigas, mas intensa. Você ser responsável pela forma de ver a vida de outrem , e ainda por cima, ser cúmplice e vítima do que sucede-se após, é a maior das sacanagens.  

   O desenrolo do filme vai nessa instância da incerteza  das personagens, ora ficando “por cima da carne seca”, ora por baixo, e muito, por sinal. Existe, ainda, dois personagens, e o filme é rodado praticamente em uma única locação. Ou seja: só mesmo o Bergman consegue fazer essa proeza.

    Esses dois personagens são: o esposo da filha e a irmã da filha, obviamente a filha da mãe de umas das personagens centrais da trama psicológica. A mãe era uma personagem atípica, onde seus gostos mundanos, e os profissionais também remetiam ao mundo promiscuo, por tratar-se de uma pianista. 

   Bem profano, mas; “mais ou menos”, porque o mundo onde se toca piano não era o mesmo mundo de senhores lavradores da época. A trama psicológica gira em torno de uma culpar a outra pelo feito de tê-las feito infeliz.

    Parece estranho e simples, mas não é; trata-se de um filme com uma baita atriz principal, um roteiro impecável, uma fotografia, da época, bastante eficiente no que concerne a filmar uma casa de apartamento, e por fim com um braço de dirigir com um traço “Bergan de ser”. 

   Ou seja: que deixa que o processo criativo do ator seja cultivado e arraigado, porém com certas ordens no sentido de o ator não roubar seu roteiro, e a partir dele, criar uma estória de seu próprio punho, e ser uma merda , inclusive, mas como o processo está tão intenso que o ator acha que sua estória é bem melhor que a original. Bergman não permite isso: deixa o processo criativo do ator, mas no fim os coloca no chão, novamente. É por isso que o filme é tão assertivo. Se fosse um jurado do Oscar, dava nota dez, sem maiores reclamações.