Cultura

AGOSTO NEGRO e a Revolta dos Búzios na Bahia que completa 220 anos

Veja Histórico do August Black e seu desdobramento no Brasil
Conen , Salvador | 09/08/2018 às 09:32
Mártires foram executados na Praça da Piedade
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  A Fundação do Movimento Agosto Negro  “Black August”, teve como objetivo  homenagear os lideres negros da  luta contra as torturas e assassinatos no cárcere e por liberdade, naquele período  encarcerados pelo estado americano  na decada de 60 e 70, na detenção (“California's Soledad Prison”  ou no “San Quentin State Prison” in California), os quais devido a condição de lideranças ficaram conhecidos como os “Soledad Brothers”(irmãos soledad) ou “San Quentin Six” (os  Seis de San Quentin). Uma das principais lideranças foi  George Lester Jackson, alem de ser um “Irmão Soledad”, também escreveu o livro intitulado "Soledad Brother"escrito no cárcere e publicado em 1970.  

Este episodio envolveu também o movimento  Panteras Negras(1966/1982) e Ângela Davis, a qual,  foi acusada de colaboradora e também relacionada aos “Irmãos Soledad”, devido a isto ela foi cassada pelo FBI presa e condenada. 

Em aliança com o BAOC (Black August Organizing Committee), membros do NAIM ( New Afrikan Independence Movement) começaram  a praticar e difundir o Agosto Negro durante este período. O MXGM (Malcolm X Grassroots Movement) herdou o conhecimento e a prática do Agosto Negro, bem como, a NAPO (New Afrikan People's Organization) a condição de  organização - mãe.

Uma observação importante deve ser acrescentada aqui, é que o conceito de movimento Agosto Negro “Black August” não se limita a homenagear apenas os nossos irmãos  daquele período encarcerados  nas prisões da Califórnia,   mas, deve ser claramente entendido que se traduz em um momento de  reflexão e celebração da história, de outros e outras  líderes negros e negras do mesmo período. 

“Black August” é um conceito revolucionário, dedicado a todos e todas que estão empenhados em acabar com a opressão. 

DINÂMICA DO AGOSTO NEGRO NO BRASIL 

A CONEN na Bahia, com foco principal na primeira rebelião urbana brasileira ocorrida no mês de agosto de 1798, no contexto das lutas negras em Salvador – Bahia, denominada Revolta dos Búzios, onde 4 lideres ( João de Deus do Nascimento, Luis Gonzaga das Virgens , Lucas Dantas de Amorim Torres, Manuel Faustino dos Santos Lira), foram  enforcados e esquartejados pelo poder colonial da época na praça da piedade, buscou  como referencias algumas outras  datas históricas da luta negra a exemplo de: ;  25 / agosto/ 1826 -  rebelião de escravizados em cachoeira ; 24 / agosto/ 1882  - morte de Luíz Gonzaga Pinto da Gama, jurista negro, abolicionista, filho de Luiza Mahim ; 15 / agosto/ 1960 - independência da Republica do  Congo, África; 27 / agosto / 1963 - morre em Acra – Gana William Edward Burghardt Du Bois, iniciou por volta de 1909 o movimento ideológico atualmente denominado pan-africanismo; 31/ agosto/ 2001 - IIIº Conferência Mundial Contra o Racismo, a Discriminação Racial, a Xenofobia e Formas Correlatas de Intolerância , em Durbam, Africa do Sul; 13 / agosto/ 1986  - morte da Ialorixá Maria Escolástica da Conceição Nazaré, Mãe Menininha do Gantois – sacerdotisa do Ilé Íyá Omi Áse Ìyámase; etc., e estabeleceu um “Calendário Agosto Negro no Brasil”, contendo diversos outros momentos da nossa história, toda essa construção foi denominada “AGOSTO NEGRO CONEN”  

Assim sendo, no Brasil nós do Fórum CONEN – Bahia, estamos desde 2009 realizando esta celebração, que no Brasil ainda  é muito tímida.

REVOLTA DOS BÚZIOS (12 / AGOSTO / 1798)    
                                                                                        
                 UMA CHAMADA PARA A LIBERDADE                                                                                            
 PRIMEIRA REVOLTA SOCIAL E URBANA QUE IMPACTOU O BRASIL.

Muitas pessoas estavam envolvidas nessa conspiração, a qual, ao longo do tempo, recebeu vários nomes pelos estudiosos: Revolta dos Alfaiates, Conjuração Baiana, Inconfidência Baiana, Conspiração dos Alfaiates, Revolta das Argolinhas, Sedição dos Mulatos, 1º Revolução Social Brasileira, Sedição Intentada na Bahia e Levante d 1798. Sufocada esta revolta, que impactou a sociedade do período, foram condenados a pena máxima de morte e esquartejamento os negros, JOÃO DE DEUS DO NASCIMENTO, LUIS GONZAGA DAS VIRGENS , LUCAS DANTAS DE AMORIM TORRES e MANUEL FAUSTINO DOS SANTOS LIRA.

A denominação Revolta dos Alfaiates se deve aos profissionais que participaram do movimento, Revolta dos Búzios devido ao fato de alguns revoltosos usarem um búzio preso à uma pulseira para facilitar a identificação entre si, Revolta das Argolinhas porque alguns participantes usaram uma argola em uma orelha com o mesmo fim.

No final do século XVIII, o Brasil havia se tornado a maior fonte de recursos da Coroa Portuguesa. O monopólio comercial com a metrópole e taxas de todo tipo drenavam grande parte das rendas da colônia e encareciam o custo de vida. A grande carga tributária do governo empobrecia o comércio local e elevava os preços das mercadorias mais essenciais, causando falta de alimentos na região. 

A conspiração teve como protagonistas negros e negras, soldados, alfaiates, libertos, artesãos e pequenos comerciantes, caracterizando-se como um dos primeiros movimentos populares da História do Brasil. A insatisfação generalizada contou também com participação de parte da elite branca baiana insatisfeita com a administração da corôa de Portugal, influenciada tambem por ideias iluministas, republicanas e emancipacionistas.

Em 12 de agosto de 1798, chegou ao conhecimento de Dom Fernando José de Portugal, governador da Capitania da Bahia desde 1788, que haviam sido colados ou depositados, durante a madrugada, onze papéis escritos à mão (não existia imprensa em nenhuma parte do Brasil nesta época) em pontos de grande circulação de Salvador. Estes papéis, pregavam a independência da Bahia, instituindo a “República Baiense”, transformando Salvador na capital do novo país. Defendiam a diminuição de impostos, liberdade de produção e abertura dos portos para negociar com todas as nações amigas. Elogiavam a França e exigiam o fim da discriminação social e racial, abolindo a escravidão e desenvolvendo um governo com igualdade racial. 

Um deles, que tinha por título a palavra “Aviso”, anunciava já serem 676 os partidários da revolução para garantir a liberdade e igualdade. Outro proclamava o fim dos impostos e taxas. Na maioria, prometiam imediato aumento dos soldos militares. No mais longo dos boletins, intitulado “Aviso ao clero e ao povo baiense” afirmava-se que se faria uma revolução para exterminar “o péssimo julgo a coroa de Portugal”. Anunciava também providências “para socorro estrangeiro, e progresso do comércio de açúcar, tabaco, pau-brasil e todos os mais gêneros de negócio e mais víveres” e liberdade comercial com “todos os estrangeiros tendo porto aberto, mormente a nação francesa”. 

Perseguição e prisão dos revoltosos  baianos

O governador ordenou no mesmo dia que se abrisse uma devassa (investigação). Os fatos foram classificados como gravíssimo crime de lesa-majestade, em uma época em que a coroa portuguesa temia os movimentos revolucionários que ameaçavam o trono e o império colonial.Uma precária investigação grafológica apontou como primeiro suspeito o negro  Domingos da Silva Lisboa, de 43 anos.  

Intensificaram-se as investigações e buscas, o que resultou na prisão, do soldado de milícia Luís Gonzaga das Virgens e Veiga. Ao saber da prisão de Luís Gonzaga, os envolvidos Romão Pinheiro,  Lucas Dantas,  João de Deus, Luís Pires, avaliaram a situação e decidiram acelerar a conspiração, e realizar o levante no dia 26 de agosto, quando também libertariam Luís Gonzaga

Entre os dias 23 e 25 de agosto foi realizado um apressado e intenso trabalho de reuniões e convites com soldados, artesãos e escravizados, a principal delas no Campo do Dique do Desterro.
 
Desarticulada pela repressão do governo a estratégia prevista para o dia 26, João de Deus foi preso na manhã deste dia em sua oficina, junto com a esposa e filhos. Mais prisões foram realizadas nesta mesma data e nas seguintes, algumas por iniciativa dos senhores de escravos suspeitos de envolvimento. 

Manuel Faustino dos Santos Lira,  foi entregue em 14 de setembro ao chefe militar da vila de Santo Amaro da Purificação por seu antigo senhor, o padre Antônio Francisco de Pinho, dono do Engenho da Pedra. O negro de 24 anos Lucas Dantas do Amorim Torres, soldado do 1º Regimento de Artilharia e marceneiro, foi preso  em 09 de setembro de 1798. 

À medida que novos depoimentos eram realizados, as prisões continuaram ao longo de 1798 e começo de 1799. Na segunda devassa realizou-se o total de 41 prisões, acusando formalmente 33 pessoas. 

Ao que tudo indica, o governador esforçou-se para que os “homens bons” (que possuíam riquezas ou prestígio político) que participaram na conspiração ficassem à margem das denúncias. Fora poucas exceções, apenas “pessoas insignificantes” (pobres e sem influência política) foram indiciadas e permaneceram presas para eventuais investigações e punições. 

O julgamento dos envolvidos na revolta 

Pressionados pela carta régia recebida em 12 de dezembro de 1798, desembargadores e escrivães comunicaram em 09 de março de 1799 as sentenças do Tribunal da Relação aos acusados. No dia 12 de março, apresentou-se o bacharel José Barbosa de Oliveira, escolhido pela Santa Casa e aceito como defensor dos acusados, o qual, apresentou defesa. 

Numa resposta, o corrupto desembargador Francisco Sabino Álvares da Costa Pinto contestou a defesa e formalizou as condenações, aceitas pelos demais juízes do Tribunal, confirmando as sentenças de morte, degredo, açoitamento ou prisão para os envolvidos no processo.

No carcere Manuel Faustino tentou suicídio três vezes. “Da primeira, ingerindo veneno; da segunda procurando atingir o coração com um prego de quatro polegadas e na terceira na madrugada de 5 para 6 de novembro, no Oratório, por asfixia, apertando o pescoço com uma tira de pano” (Tavares, 1975:75).

Relata também a permanente rebeldia do soldado Lucas Dantas e afirma ter o mesmo tentado suicídio no Oratório na madrugada que antecedia ao enforcamento. Luís Gonzaga e João de Deus comportam-se como “verdadeiros loucos”

 A execução das condenações

O governador da capitania decide marcar a execução da pena com pompa e solenidade. Mandou construir na Praça da Piedade uma nova forca, mais alta e imponente que a anterior, incendiada dois anos antes por desconhecidos. Mandou também reforçar a segurança, para prevenir qualquer manifestação ou distúrbio.

No dia 08 de novembro de 1799, o cortejo com os presos saiu da cadeia do Tribunal da Relação e, enquanto os sinos das igrejas badalavam, seguiu pelas principais partes da Cidade Alta de Salvador até o Largo da Piedade, para que o maior número possível de pessoas pudesse vê-lo. Duas alas de soldados envolviam os condenados. Acorrentados nos pés e mãos, Manuel Faustino e Lucas Dantas caminharam, enquanto Luís Gonzaga e João de Deus, aparentando perturbação e fraqueza, seguiam amarrados a cadeiras.

O cortejo percorreu as ruas da Sé, desde o Terreiro de Jesus até o cimo da Ladeira do Tira Preguiça, chegando em frente à Piedade. Logo que o cortejo com os condenados chegou ao local onde estava a forca, a tropa formou um grande quadrado em torno da forca e afastou a multidão de armas em punho. A execução prolongou-se das nove horas da manhã às três da tarde.

No mesmo dia dos enforcamentos também foram cumpridas as sentenças de outros sete condenados pela justiça portuguesa. Cada um recebeu quinhentas chicotadas no pelourinho, que naquele tempo estava situado no Terreiro de Jesus, e depois foram conduzidos para assistir a execução dos sentenciados à pena de morte. Ainda como parte de suas penas, estes seriam depois degredados perpetuamente para a costa ocidental da África, fora dos domínios portugueses, o que equivalia na época praticamente a uma sentença de morte.

Os bens de todos os considerados culpados em algum grau foram confiscados pela Fazenda Real. Chama a atenção na relação destes bens, que dos 22 citados, 14 nada possuíam além da roupa do corpo.

Dois escravizados participantes da conspiração foram condenados a quinhentas chibatadas e serem vendidos para fora da capitania da Bahia. Foram vendidos para a distante e temida capitania do Rio Grande do Sul. Um dos participantes foi condenado ao degredo perpétuo na Ilha de Fernando de Noronha.

Punição  leves para brancos envolvidos 

Diversos homens brancos, com posses ou prestígio político, foram apontados como participantes ou simpáticos ao movimento. Porém, nos poucos casos em que foram considerados culpados, sofreram penas leves. Entre os presos acusados de participarem da conspiração estão Cipriano José Barata de Almeida, cirurgião, possuidor de cinco escravos e uma biblioteca com 74 livros, os tenentes José Gomes de Oliveira Borges e Hermógenes Francisco de Aguilar Pantoja, este proprietário de dois escravos e 26 livros. O tenente Pantoja era conhecido por suas ideias sobre liberdade política e social, enquanto o tenente José Gomes teria recebido, em sua residência para almoço, os soldados Lucas Dantas, o sargento Joaquim Antônio da Silva e o alfaiate João de Deus, todos comprovados participantes da conspiração.

Além desses, existiram outros intelectuais suspeitos de participarem da conspiração, mas que não foram indiciados. São eles: o farmacêutico João Ladislau Figueiredo de Melo, o padre Francisco Agostinho Gomes – rico e culto, traduzia o francês e o inglês correntemente e era possuidor de vasta biblioteca com muitos exemplares proibidos de circular na Colônia – e Inácio Siqueira Bulcão, senhor de terras, de engenhos e de escravos no Recôncavo da Bahia. (Teixeira, 2011:14).

UM DOS CONTEUDOS DOS BOLETINS MANIFESTOS:
 "Animai-vos Povo baiense que está para chegar o tempo feliz da nossa Liberdade: o tempo em que todos seremos irmãos: o tempo em que todos seremos iguais."