Cultura

NO MEU TEMPO DE MENINO, e como Serrinha perdeu chance de ter um papa

A vida como ela é, perdi a chance de ser papa e tornei-me jornalista e escritor
Tasso Franco , da redação em Salvador | 20/12/2016 às 09:08
Gregório I, minha inspiração
Foto: DIV
    A Serrinha era um 'ovinho de codorna' no meu tempo de menino, segunda quadra dos anos 1940 e primeira dos anos 1950. A cidade era pequenina. Tinha mais gente morando nas roças do que na cidade. Tanto que o dia de maior movimento para alegria dos comerciantes era o sábado quando os rurais vinham à sede para compras e escambos. 

   Nossas refências para o começo e o fim da cidade eram na zona Leste o posto fiscal da Transnordestina que se situava onde hoje é o Hospital Antunes; na zona Norte, a rua da Rodagem; na zona Sul, a estação do trem e a rua do Cruzeiro, que ainda não era bairro; e a Oeste, o prédio da Serisicultura, depois Gínásio Estadual, atual Colégio Rubem Nogueira.

   Todo mundo se conhecia na cidade. O sapateiro, Sêo Pirulito; o pedreiro, Emílio Danado; o dentista, doutor Palma; o médico, doutor André; o padre, Demórcito Mendes de Barros; o maestro, Sêo Azevedo; o cantor, Sêo Zé Martins; o alfaiate, Sêo Titi Magalhães;  o 'falso ao corpo', Eliezer Boca Murcha e assim por diante. 

   A gente sabia o nome dessas pessoas de cor e salteado. E nossas opções para brincar eram poucas: ferrinho, gude, bola. Ninguém se queixava até porque a gente não conhecia outras modalidades esportivas ou de lazer.

   Quando o Brasil perdeu a Copa do Mundo de Futebol para o Uruguai, em jogo no Maracanã, em 1950,  a gente não teve a menor idéia do que isso representou porque não havia TV, a informação só existia por rádios ondas curtas e pelos serviços de alto falantes, ou pelo jornal A Tarde que chegava pelo trem da capital e através da revista 'O Cruzeiro'.

   Salvador para nós era o centro do planeta. Nossa principal referência como uma espécie de lugar civilizado, avançado, e todos nós, meninos, queriamos conhecer a capital. Quando eu tinha 10 anos meu pai me levou para conhecer a Cidade da Bahia, assim chamávamos, o mar, o Elevador Lacerda e a Rua Chile. Foi uma viagem inesquecível.

   A gente também ficava doido para que o padre Demócrito escolhesse um de nós para ir estudar no Seminário Menor da Federação, na capital, uma chance única de ir morar em Salvador com estudo de qualidade, e casa e comida de graça. Mas, não era fácil.

   O padre só selecionava filhos de familias católicas frequentadoras da igreja matriz. Minhas chances eram zero porque meu pai era espírita e minha mãe católica não praticante. O padre, no entanto, escolheu amigos meus bem próximos, meu primo João Bosco Paes Gonçalves, filho de Zé Gonçalves e minha tia (segunda) Zulmira; um filho do prefeito Lourinho; um molecote da familia Sancho e Marcelino Santos, sobrinho da professora Edna Santos.

   Bem que poderia ter sido eu um dos selecionados. Dancei. Desses o que era mais próximo de mim era Bosco. Baixinho, cara de padre, nariz de padre, lá se foi Bosco para o seminário. Quando retornou a Serrinha nas férias anuais chegou vestido com aquela batina preta cheia de botões, de cima abaixo. 

   Fiquei encantado. E quando ele me contou que, no seminário, tinha um campo de futebol gramado e um jogo chamado ping-pong aí foi que fiquei ainda mais admirado.

   Decidi, então, falar com meu 'velho', amigo do padre, para que o sacerdote me escolhesse para ser padre. Meu paí me olhou de cima para baixo e de baixo para cima e disse: "Você não vai ser padre coisa nenhuma". 

   Naquele momento não tive argumentos para defender meu ponto-de-vista porque filho não contestava os pais, só chorava, mas, vejo hoje que Serrinha perdeu uma chance enorme de ter entre seus filhos um arcebispo, um cardeal, quiçá um papa.

   Já imaginaram Serrinha ter um filho brasis papa? 

   Ora, se o cardeal franciscano Mário Bergoglio, nascido na Argentina, em 1936, tornou-se papa, nada mais esperançoso de que eu também pudesse ter sido papa.

   Seria a glória para Serrinha. A Rádio Continenetal certamente anunciaria: - O Vaticano acaba de anunciar que o novo papa é o arcebispo primaz da Bahia, cardeal Paes Franco, nascido aqui em nossa cidade, no antigo Largo da Usina, por coindência, hoje, conhecido como Praça da Catedral". 

    Eu marcaria logo uma viagem papal para Serrinha e tenho certeza que seria recebido com todas as honras, recepcionado na entrada da cidade e seguiria em cortejo via Praça Morena Bela até a Matriz de Sant'Anna onde oraria no altar de São Joaquim, avô de Jesus.

   E, claro receberia de braços abertos as filhas de Maria, as Irmãs do Apostolado do Campo Redondo, as senhoras da Irmandade de Santo Antônio da Chapada e delegações de toda região diocesana, além do dignissimo prefeito, de uma representação da gloriosa Câmara de Vereadores e da diretoria da Filarmônica 30 de Junho.

   Infelizmente, meu desejo não foi concretizado, e tornei-me jornalista e escritor.

   Daquela turma que o padre Demócrito levou para Salvador nos idos dos anos 1950, justo no meu tempo de menino, os seminaristas foram ficando adolescentes e as posições se inverteram quando eles retornavam de férias a Serrinha, nós, também já pré-adolesentes paquerando as meninas que ficavam desfilando no jardim da Praça Luiz Nogueira, fumando um cigarrinho, tomando uma cervejinha, dando uns beijinhos nas coleguinhas, e todos eles abandoram as batinas.

   Salvo engano, dessa temporada, só o filho de Sêo Adroaldo, um ferroviário da Leste, ordenou-se padre e foi pároco da Igreja de Nossa Senhora da Conceição de Itapuã, mas, também enamorou-se de uma filha de yemanjá e casou-se.

   O padre Demócrito tinha o sonho de conseguir tornar Serrinha uma Diocese e trabalhou para isso, inclusive erguendo a Igreja Nova, hoje, catedral. Morreu na década de 1980 antes de concretizar esse sonho. Viveu seus últimos tempos na terra desolado, deprimido, porque perdera a titularidade da paróquia diante de uma briga política.

   A Diocese só nasceu em 2005 através da bula Christi Mandato, do papa Bento XVI, sendo indicado como seu primeiro bispo, o italiano dom Ottorino Assolari, CFS - Congregação da Sagrada Familia - ainda hoje seu titular.

   Meu primo Bosco formou-se em contabilidade pela Cayru e casou-se com uma baiana de Salvador, dona Vanete, com quem tem três filhos, e, hoje, aos 73 anos de idade, tem vários netinhos.

   E, eu, quase futuro papa Gregório Paes XVII  (este seria meu nome predileto) escrevendo essas linhas para vocês. Abençoo a todos neste Natal.