Cultura

2 DE FEVEREIRO: Dia de Festa no mar da Bahia, por ZÉDEJESUSBARRÊTO

Única festa popular de Salvador que tem o nome de orixá
ZédeJesusBarrêto , Salvador | 30/01/2015 às 17:29
Saudação para a rainha de todas as águas dos rios e do mar
Foto: BJÁ

   Segunda, 2 de fevereiro, festejos para a rainha do mar, a divindade das águas, Yemanjá. A tradição baiana de oferecer presentes às águas doces e salgadas nessa data, dizem, faz cem anos e teria começado em Itapuã, iniciativa de pescadores, os que entregam a sorte e a vida às águas. 

   A grande festa do Rio Vermelho, contam, foi criada nos começos dos anos 1920, pelos pescadores da área. Depois de alguns anos de má pescaria eles teriam prometido balaios de oferendas à deusa do mar em agradecimento à fartura, que logo se fez, enchendo os barcos de peixe bom. Virou festança, de rua e terreiros, uma das mais tradicionais e belas do calendário baiano, pleno verão, céu e mar azuis, luz de encandear as vistas e alumiar as almas crentes. 

**

 Pierre Fatumbi Verger, em seu livro ‘Orixás’, necessária abordagem sobre a religiosidade afrobaiana, ensina que o nome Yemanjá deriva de Yèyé omo ejá  (‘Mãe cujos filhos são peixes’), orixá ou divindade dos Egbá, uma nação de língua iorubá que havia na região entre Ifé e Ibadan onde fica o rio Yemoja - África sub-saariana, atual Nigéria. Mas, no início do século XIX, as constantes guerras entre nações iorubás levaram os Egbá a emigrar na direção oeste, para Abeokutá, cidade onde há um templo dedicado a Iemanjá, divindade cultuada no Brasil e em Cuba.

 ‘Seu axé é assentado sobre pedras marinhas e conchas, guardadas numa porcelana azul. O sábado é o dia da semana que lhe é consagrado, juntamente com outras divindades femininas. Seus adeptos usam colares de contas de vidro transparentes e vestem-se, de preferência, de azul claro’.

  Manifestada em suas iaôs, Iemanjá dança imitando as ondas do mar e é saudada aos gritos de ‘Odò Iyá!’. No Brasil é sincretizada com Nossa Senhora da Imaculada Conceição, festejada pelos católicos no dia 8 de dezembro.

Dois de Fevereiro

   Em Salvador, todo ano os pescadores presenteiam a Rainha das Águas no dia 2 de fevereiro, pedindo proteção e fartura no mar. 

Além de fotografar e festa nos anos 50, Verger descreveu: 

 ‘A festa do dia 2 de fevereiro é uma das mais populares do ano, atraindo à praia do Rio Vermelho uma multidão imensa de fiéis e de admiradores da Mãe das Águas. Iemanjá é frequentemente representada sob a forma latinizada de uma sereia, com longos cabelos soltos ao vento. Chamam-na, também, Dona Janaína ou, mesmo, Princesa ou Rainha do Mar. Neste dia, longas filas se formam diante da porta da pequena casa construída sobre um promontório, dominando a praia, no local onde, nos outros dias do ano, os pescadores vêm pesar os peixes apanhados durante o dia. 

  Uma cesta imensa (balaio) foi instalada de manhã, logo cedo, e começa então um longo desfile de pessoas de todas as origens e de todos os meios socais, trazendo ramos de flores frescas ou artificiais, pratos de comida feitas com capricho, frascos de perfumes, sabonetes embrulhados em papel transparente, bonecas, cortes de tecidos e outros presentes agradáveis a uma mulher bonita e vaidosa. Cartas e súplicas não faltam, nem presentes em dinheiro, assim como colares e pulseiras. Tudo é arrumado dentro da cesta, até que, no final da tarde, ela está totalmente cheia com as oferendas, as flores colocadas por cima. O presente para Iemanjá, transformado numa imensa corbelha florida, é retirado com esforço da pequena casa e levado, em alegre procissão, até a praia, onde é colocado num saveiro. O entusiasmo da multidão chega ao seu máximo; não se escutam senão gritos alegres, saudações a Iemanjá e votos de prosperidade futura. Uma parte da assistência embarca a bordo dos saveiros, barcos e lanchas a motor. A flotilha dirige-se para o alto-mar, onde as cestas são depositadas sobre as ondas. Segundo a tradição, para que as oferendas sejam aceitas, elas devem mergulhar até o fundo, sinal de aprovação de Iemanjá. Se elas boiarem e forem devolvidas à praia, é sinal de recusa, para grande tristeza e decepção dos admiradores da divindade’ 


  **

  A tradição popular baiana, com todas as manifestações de fé, continuam preservadas, a despeito dos interesses turísticos e das velozes transformações da era digital em curso. Os terreiros fazem alvorada de fogos ao alvorecer, rituais, arriam oferendas para Oxum nas águas doces e os adeptos vão às praias em romaria para entregar seus presentes e pedidos. 

  Na colônia de pescadores do Rio Vermelho os atabaques ecoam forte desde o amanhecer. São entoados cantos em iorubá, banto e ijexá, os iniciados dançam e alguns incorporam o Orixá. Nesse dia de verão, a cidade praticamente para. A multidão, cada ano maior, faz festança nas ruas do bairro repletas de barracas, varando a madrugada.    


*

Dia Dois 

de Fevereiro 

Dia de festa no mar

Eu quero ser o primeiro

pra salvar Yemanjá



Escrevi um bilhete pra ela

pedindo pra ela me ajudá

Ela então me respondeu

Que eu tivesse paciência de esperar



O presente que eu mandei pra ela

De cravos e rosas, vingou.



Chegou! Chegou! Chegou!

Afinal que o dia dela chegou.         

(canção de Caymmi)

**
  No romance ‘Mar Morto’, Jorge Amado escreveu:


‘Iemanjá, que é dona do cais, dos saveiros, da vida deles todos, tem cinco nomes. Cinco nomes doces que todo mundo sabe. Ela se chama Iemanjá, sempre foi chamada assim e esse é seu verdadeiro nome, de dona das águas, de senhora dos oceanos. No entanto os canoeiros amam chamá-la de Dona Janaína, e os pretos, que são seus filhos mais diletos, que dançam para ela e mais que todos a temem, a chamam de Inaê, com devoção, ou fazem suas súplicas à Princesa de Aiocá, rainha dessas terras misteriosas que se escondem na linha azul que as separa de outras terras. Porém, as mulheres do cais, que são simples e valentes... as mulheres da vida, as mulheres casadas, as moças que esperam noivos, a tratam de Dona Maria, que Maria é um  nome bonito, é mesmo o mais bonito de todos, o mais venerado, e assim dão a Iemanjá como um presente, como se lhe levassem uma caixa de sabonetes à sua pedra no Dique. Ela é sereia, é a mãe-d’água, a dona do mar, Iemanjá, Dona Janaína, Dona Maria, Inaê, Princesa de Aiocá. Ela domina esses mares, ela adora a lua, que vem ver nas noites sem nuvens, ela ama as músicas dos negros’...  



*

Minha sereia, rainha do Mar

O canto dela faz admirar 



Minha sereia é moça bonita

Nas ondas do mar aonde ela habita

(Oh! Tem dó de ver o meu penar)



- Minha Sereia!

- Rainha do Mar ... 



 (Caymmi)



*



Caminhos do Mar 



  ( Tema da novela ‘Porto dos Milagres, da Tv Globo, inspirada em Mar Morto, romance de Jorge Amado; composição de Dorival, Danilo e Dudu Falcão)



Rainha do Mar

Yemanjá, Odoiá, 

Odoiá, rainha do mar

Iemanjá, Odoiá

Odoiá, rainha do mar



O canto vinha de longe

De lá do meio do mar

Não era canto de gente

Bonito de admirar



O corpo todo estremece

Muda a cor do céu, do luar

Um dia ela ainda aparece

É a rainha do mar



Iemanjá, odoiá, odoiá, rainha do mar

Iemanjá, odioá, odoiá, rainha do mar



Quem ouve desde menino

Aprende a acreditar

Que o vento sopra o destino

Pelos caminhos do mar



O pescador que conhece

As histórias do lugar

Morre de medo e vontade

De encontrar Iemanjá 





**



Sargaço Mar



Quando se for esse fim de som

Doida canção

Que não fui eu que fiz

Verde luz, verde cor de arrebentação

Sargaço mar, sargaço ar

Deusa do amor, deusa do mar

Vou me atirar, beber o mar

Alucinar, desesperar

Querer morrer

Pra viver com Yemanjá

Yemanjá, Odoiá


(Caymmi)


**

(Esse texto foi criado para um capítulo do livro “Carybé, Verger & Caymmi- Mar da Bahia”, 2º tomo da trilogia ‘Entre Amigos’, selo criado pela Solisluna Editora & Fundação Pierre Verger; edição Solisluna. Edição, coordenação de texto e texto final de José de Jesus Barreto, o zedejesusbarreto