Sob qualquer aspecto que se considere, a ponte Salvador-Itaparica não se sustenta em pé
Desde 2006, volta e meia a ponte Salvador-Itaparica retorna ao noticiário. Ora discute-se a elevação dos custos e a necessidade de maior aporte de recursos pelo Estado, ora admite-se a possibilidade de cancelamento do contrato de concessão. Agora, divulga-se a tomada de empréstimo internacional, endividando o Estado para sua concretização.
Fato é que, aos trancos e barrancos, o processo de implantação da ponte avança sem que haja resposta para as diversas questões suscitadas pela sociedade baiana. É um caso de resiliência negativa.
Como se não bastasse o questionamento da própria ponte, não pode, em sã consciência, prosseguir a implementação do projeto sem que se esgotem as possibilidades de corrigir graves inconvenientes já identificados. São, a este respeito, diversos aspectos.
Em relação ao impacto econômico o problema está no vão central que, para diminuir os custos, foi reduzido na altura (de 125m para 85m) e na largura (de 550m para 450m), comprometendo o fluxo de navios e plataformas no interior da Baía de Todos-os-Santos (BTS). Na prancheta, passam dois grandes navios simultaneamente. Na prática, as condições de ventos e marés tornarão difícil operá-los, comprometendo definitivamente o livre fluxo das embarcações.
Se é mesmo para fazer a tal ponte, porque não encarar de frente a necessidade de preservar as excelentes condições naturais da BTS e pagar o preço necessário? Custo muito mais elevado será o comprometimento do futuro da navegação no interior da baía e seus reflexos negativos no desenvolvimento da Bahia. Isto não tem preço!
No âmbito do impacto urbano o problema é a articulação, com a ponte adentrando inexplicavelmente pelo Centro Histórico, ainda que para tanto tenha de se contorcer, para não obstruir a entrada dos navios no Porto de Salvador.
A este respeito, a Academia de Engenharia da Bahia – que precisa ser respeitada – apresentou importante análise e contribuição, sugerindo outros traçados para a aproximação da ponte à cidade.
Aliás, o projeto em curso confronta claramente o Plano Diretor de Desenvolvimento Urbano (PDDU), de 2016, ao desconsiderar o zoneamento de uso do solo e a estratégia de expansão urbana da capital do estado.
Sob o ponto de vista do impacto na mobilidade, sendo um equipamento definitivo no sistema metropolitano de transportes, o projeto impõe rigidez ao sistema, na medida em que terá apenas duas faixas de tráfego em cada sentido, por não apresentar demanda que a justifique, nem mesmo a médio prazo.
Assim sendo, não permite adequação futura para a inclusão de outros modais de transporte, nem se preocupa com passageiros ou cargas, bloqueando outras alternativas.
Quanto ao impacto cultural, a ponte dedica-se apenas a resolver o problema dos carros, priorizando, mais uma vez, o rodoviarismo e os veículos individuais, em pleno transcurso do século XXI, quando os novos valores urbanos indicam outros critérios e prioridades.
Bem mais barato, racional e lógico seria a modernização do sistema ferry-boat, que opera com eficiência nas mais diversas partes do mundo, só não aqui.
No campo do impacto ambiental, onde são múltiplas as dimensões envolvidas, avulta a presença do trambolho na imagem visual da BTS. Este só se resolve se a ponte não vier a ser construída. Aliás, a melhor alternativa.
Sob qualquer aspecto que se considere, a ponte Salvador-Itaparica não se sustenta em pé. Trata-se de uma prioridade claramente equivocada, que posterga outros projetos de real interesse para a população e a economia baiana.
Quando começará a haver preocupação com o desenvolvimento – aí sim, indispensável – de um hub-port na Baía de Todos-os-Santos?
E a circulação das pessoas, como é que fica? Quando se vai cuidar – aí sim, prioritário – do transporte de passageiros na Baía de Todos-os-Santos?
Waldeck Ornélas waldeck.vo@gmail.com é especialista em planejamento urbano-regional. Autor de “Cidades e Municípios: gestão e planejamento”. Foi senador, ministro da Previdência e secretário de planejamento do estado